Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor
Uma das brincadeiras mais profundas do que poderíamos pensar que as crianças fazem é olhar para as nuvens e imaginar formas. A imaginação é uma capacidade humana única e a mais próxima da criação a partir do nada. Que influência tem a imaginação na leitura dos sinais dos tempos e aprofundamento da relação com Deus?
Em 1993, o designer Charlie Magee foi convidado a falar à CIA, inesperadamente, e escreveu o texto onde pela primeira vez se usa a expressão: Era da Imaginação. A primeira observação que faz é a de que a economia tem sido a metáfora mais usada na base de muitas das decisões, mas questiona isso. Ele afirma ser necessário uma metáfora maior e sugere a comunicação.
Do ponto de vista da comunicação como metáfora para evolução humana, os que sobrevivem são os comunicadores mais aptos. Algo que podemos compreender melhor hoje do que Magee em 1993, daí o carácter visionário do seu texto. Mas alguém poderia questionar esta ideia dizendo que a sobrevivência na base da economia é uma decisão que questiona a metáfora da comunicação. Porém, Magee rebate chamando a atenção de que o odor do animal transportado pela brisa comunica a sua direcção e, por isso, ele sobrevive. Deste modo, os grupos que mais sobreviveram na história humana seriam os possuírem o melhor sistema de comunicação.
Se uma grande parte das pessoas tem acesso a informação de elevada qualidade, e uma maior capacidade de transformar essa informação em conhecimento e acção, segundo Magee, gozam de maior liberdade em comunicar esse novo conhecimento a outros membros do seu grupo. Mas o que controla melhor as ferramentas de informação senão a imaginação humana?
As ferramentas que temos hoje à nossa disposição para transmitir informação levaram décadas a construir, mas na Era da Imaginação prevê-se que a velocidade de comunicar aumente consideravelmente. Quais, então, os limites para a imaginação? De facto, não há outro limite senão aquele que impomos a nós mesmos. E se a imaginação pode ser usada para o bem da humanidade, também pode acontecer o contrário. Como nos podemos preparar para a Era da Imaginação que se entrevê nos sinais dos tempos? O passo mais importante identificado por Magee é aprender a aprender.
A educação que as nossas crianças recebem na escola ainda está muito relacionada com a memorização de factos. Juntamente com a expansão do mundo digital, investir em memorização controlando os conteúdos a aprender, mais difícil torna o desenvolvimento de capacidades como a de imaginar formas nas nuvens. Aprender a aprender implica um sentido saudável de curiosidade insaciável. Algo fundamental para aprender a ler os sinais os tempos.
No momento actual da nossa história, a maior parte da humanidade conectada online tem acesso a um mar imenso de informação, mas o facto desse aumentar exponencialmente, de dia para dia, o benefício desse acesso deixa de existir por não sabermos o que fazer com tanta informação. Precisamos da imaginação. Essa permite identificar os padrões quando libertamos a mente daquilo que é suposto para pensar o que não é suposto. Uma mente imaginativa é livre, usa todos os sentidos, e não se inibe de pensar o impensável, isto é, de imaginar e criar — por assim dizer — a partir do nada.
A imaginação é, talvez, o acto humano mais próximo do acto criativo de Deus. Quando imaginamos, a nossa mente abre-se à possibilidade do impossível, sente que pensa o que não existe ainda, e o efeito de uma mente totalmente aberta e desapegada das ideias estabelecidas pode abrir-se a uma comunicação profunda e inesperada. Em particular, a comunicação que provém de um relacionamento mais profundo com Deus. Aliás, foi essa a intuição de Santo Inácio de Loyola com os seus exercícios espirituais na segunda semana.
Santo Inácio ensina que a nossa imaginação pode ajudar-nos a rezar quando usamos os nossos sentidos. A meditação na Espiritualidade Inaciana não pretende tanto libertar a nossa mente quanto atrair-nos à Boa Nova do Evangelho através das histórias e dos sentidos. Na segunda semana, quando Santo Inácio nos convida a meditar sobre a Encarnação através da oração imaginativa, podemos entender como aprofundar melhor o relacionamento com Deus sob a perspectiva da imaginação. Mas há um passo essencial: procurar ter, na medida das nossas possibilidades, o olhar de Deus.
Fazendo uma adaptação dos três exercícios no sentido de explorar a vertente da imaginação no aprofundamento do nosso relacionamento com Deus, dir-se-ia que:
- Deus vê tudo. O planeta com a diversidade de cores, seres, e dinâmicas. A diversidade de pessoas, de situações que vivem, de sentimentos e estados de vida. Deus vê tudo, tal qual as coisas são, porque as vê como um todo a partir do seu íntimo. Também nós podemos procurar ter uma visão global de tudo sem julgar, ou analisar, e, simplesmente, acolher o vemos, imaginando o que sente Deus.
- Deus escuta tudo. Quando passamos pela rua, ou vemos algum programa através dos meios de comunicação, podemos escutar o que as pessoas estão a dizer. Não importa se concordamos, ou não; se o que dizem está correcto ou não; se usam palavras de respeito, ou não; escutar tudo sem filtros, imaginando como Deus o faria.
- Deus observa tudo. Uma coisa é a visão do todo, como no primeiro exercício adaptado, mas outra coisa é observar o detalhe. O acto de cada pessoa, o tipo de gesto e imaginar como poderá Deus sentir a acção de cada pessoa.
Nestes períodos de férias, em que muitos estão em modo de descanso e os compromissos pesam menos, talvez fosse o tempo adequado para pensar sobre esta capacidade humana de imaginar. Aliás, não poderia toda a nossa vida ser sinal e reflexo de uma oração imaginativa? Se pensarmos na imaginação como um modo de nos reinventarmos, descobriríamos o tempo certo de entrar na Era da Imaginação, onde a comunicação é fundamental.
Aliás, a essência de comunicar é entrar em comunhão com os outros, com a natureza e com Deus. Por isso, de certo modo, a comunhão é uma chave de leitura dos sinais dos tempos que pode, também, despertar a nossa imaginação. Um despertar que nos abre para as realidades escondidas que um relacionamento mais profundo com Deus pode, criativamente, revelar.