SABER APRENDER – A tomar ciber-anti-histamínicos no Natal… e Ano Novo

Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor

Inúmeros emails, imagens, vídeos e pergaminhos sem fim de respostas em grupos WhatsApp a desejar Feliz Natal. Não fui imune a este “ciber-vírus” (para alguns) e cumpri o pró-forma de preparar uma mensagem de Natal para uma lista de cientistas associada a uma conferência internacional que organizo. Li o que me chegou dos outros? Não. Apaguei ou passei à frente. Espero que leiam o cartão digital que preparei? Gostaria, mas não tenho muitas esperanças. Não ligar muito a estas mensagens natalícias enviadas com boa intenção faz de mim uma má pessoa ou terei tomado um ciber-anti-histamínico mental para superar a alergia de mensagens a desejar Feliz Natal que proliferam nesta época e proliferarão no Ano Novo?

Foto de Ale_Paiva em FreeImages

Uma alergia surge como reacção excessiva a substâncias que são, usualmente, inofensivas para o nosso organismo. Ninguém sabe bem qual o motivo de termos alergias, mas os estudos apontam que essas surgiram na sequência dos estilos de vida modernos. Considerando que a vida, hoje, não é apenas física, mas também digital, a reacção ciber-alérgica que tive à multiplicidade de mensagens a desejar Feliz Natal começa a ser um resultado destes tempos modernos ligados à Era da Informação.

A razão de não ligar nenhuma às mensagens de Natal, nem de as enviar (excepto o dito pró-forma que referi), ou responder a muito poucas, foi estar empenhado com a família; voltar às caminhadas que há algum tempo não fazia; tentei recuperar na leitura e na escrita após um semestre de aulas; e (confesso) não experimentar nada de novo ou cativante nas inúmeras mensagens recebidas. Durante um almoço de Natal em família, alguém questionava se as pessoas que enviavam e respondiam a estas inúmeras mensagens natalícias, não estariam sozinhas ou a retirar tempo à família por ser quase impossível não fazê-lo. Cheguei a imaginar a situação meio cómica de alguém a dar um abraço e a responder com o smartphone ao mesmo tempo. Estarei a satirizar algo com valor?

Num comentário; pertinente aos jantares de Natal das empresas serem só fachada, o meu amigo e empresário Ricardo Frade atribuía a razão ao facto dos empregados não precisarem de um jantar para que os empregadores lhes digam como gostam deles, mas do ano inteiro nesse registo. Por que razão, a única mensagem que recebo daquela pessoa só acontece no Natal ou Ano Novo, mas durante o ano inteiro não nos falamos? Nem sequer seria por estarmos chateados um com o outro, mas pela simples razão de não vivermos no mesmo sítio ou participarmos nas mesmas actividades, nada de mais. Por outro lado, poderíamos dar valor ao facto da pessoa se lembrar de nós, mas o conteúdo da mensagem nem sequer refere o nosso nome…

Quando preparei a mensagem de Natal a enviar à comunidade científica ligada à tal conferência internacional, pensei no significado universal e profundo que poderia dar à mensagem a partir da imagem escolhida de um pinheiro de Natal e lembrei-me das ramificações que nascem do tronco comum dos primeiros investigadores que desbravaram caminho na nossa área científica. Desejar “Feliz Natal” serviu para reconhecer o valor das origens na cultura científica que existe hoje. Poderia-se pensar que ao centrar a minha mensagem em ramificações, havia esquecido o essencial do Natal que seria a celebração do nascimento de Jesus, mas não é Ele a origem da cultura centrada no amor que dignifica cada ser humano? Não é essa mensagem de dignidade humana suficientemente universal e que pode expressar-se através do reconhecimento de como estamos todos ligados pela história num fio condutor que parte dos primeiros que nos antecederam?

A época natalícia é uma oportunidade única de evangelização porque a nossa espécie renova-se em cada bebé que nasce. Se testemunharmos a cultura que nos moveu até hoje, oferecemos a cada bebé um ponto de partida para novos voos na consciência do sentido e significado da nossa existência. Uma existência que se sente no concreto de todos os dias. Se durante todo o ano não dou atenção a uma pessoa, não é com uma mensagem de Natal que lhe mostrarei o quanto lhe quero bem. Deus, ao fazer-Se humano em Jesus, mostrou-nos incomparavelmente como nos quer bem. Mas esse “querer bem” sente-se todos os dias se estivermos atentos ao sinais que nos deixa. Por isso, quando os contacto são mais pontuais, talvez fosse bom discernimento torná-lo o mais pessoais possível. Por exemplo, um telefonema sem pressa pode ser uma forma de encarnar o quanto queremos bem ao outro, valendo mais do que qualquer mensagem, imagem ou vídeo.

As pessoas que se sentem sozinhas poderão encontrar algum conforto nas inúmeras mensagens recebidas a desejar-lhes “Feliz Natal”. Sentem que alguém se lembra delas, independentemente de não incluírem o seu nome no cartão digital ou mensagem. O que pode criar alergias numa boa parte das pessoas cansadas da superficialidade da vida digital com as mensagens natalícias, pode ser essencial para uma parte das pessoas que vive a “alergia” da solidão. Fiquei a pensar no que se poderia tomar, metaforicamente, como anti-histamínico para ambos os casos.

Apagar os emails sem os ler, ou não ligar muito às mensagens recebidas a desejar Feliz Natal é como se fosse a ciber-histamina do sistema ciber-imunitário humano a reagir a uma ciber-alergia desencadeada pela facilidade com que a informação flui no estilo de vida digital da quotidianidade. Nesse sentido, diria que um primeiro ciber-anti-histamínico (c-a-h) seria a paciência, de modo a não julgar como superficial quem envia votos gerais de Feliz Natal. Um segundo c-a-h seria a pessoalidade, ou seja, aplicando a regra de ouro, faz aos outros o que gostarias que te fizessem a ti. Por exemplo, gostarias que te telefonassem pessoalmente? Então, pega do smartphone e sê o primeiro a dar esse passo. Um terceiro c-a-h poderia ser a atenção dedicada, sobretudo aos que estão à nossa volta, evitando o risco de estarmos conectados ao mundo, preocupados com as mensagens a enviar, e ficar desligados daqueles que nos rodeiam. Por fim, um quarto c-a-h de teor mais espiritual seria a oração incessante onde nos confiamos a Deus, confiamos os outros a Deus, e repetimos nos momentos de maior fragilidade, por exemplo, «És Tu, Senhor, o meu único bem.», como Santa Teresinha do Menino Jesus, ou «Senhor Jesus Cristo, tem piedade de mim.» como a oração hesicasta que purifica o nosso coração. São quatro possíveis ciber-anti-histamínicos que podemos experimentar na festa de entrada no novo ano de 2023 que se aproxima. Um momento de passagem onde aguardamos, com esperança, que seja a transição para um ano melhor e mais profundo. Pois, como diria o escritor brasileiro Fernando Sabino, «No fim tudo dá certo, e se não deu certo é porque ainda não chegou ao fim.» A vida continua porque se renova.


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