Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor
Em maio de 1999, o alpinista Ivan Vallejo subiu pela primeira vez ao Evereste com um colega belga, Pascal. Juntos conseguiram atingir o cume, mas aquando da descida, Pascal não sobreviveu. Em maio de 2002, um companheiro de Ivan, Chris Grasswick, chegou ao topo do Kangchenjunga, nos Himalaias, mas também não conseguiu sobreviver na descida. Como diz o alpinista Ed Viesturs, «Chegar ao topo é opcional. Voltar para baixo é obrigatório.» Agora que estamos prestes a entrar num novo ano lectivo, diante de nós temos uma descida em relação a esta pandemia. O alpinismo ensina-nos a não baixar os braços, a manter a concentração, e o Evangelho convida-nos a ser pacientes.
A subida de uma montanha é um exercício exigente do ponto de visto físico e mental. Mas quando um alpinista chega ao cume, celebra. Porém, em lugares onde o sentimento é épico, como no caso do Evereste, importa estar ciente de que não nos podemos manter muito tempo na ”zona da morte”, isto é, acima dos 8000 metros. Por isso, é preciso descer, mas há uma diferença grande em relação à subida que, já de si, exigiu muito do nosso esforço. Essa diferença é o facto de estarmos cansados e quase esgotados. E aqui está a lição a aprender para os próximos tempos de pandemia. Pensávamos que o perigo estaria ultrapassado, mas não está.
Depois dos meses de confinamento, e após termos atingido o pico de infectados com a Covid-19 no mês de Julho, os números começaram a descer. Foi o nosso momento de celebração. Sobretudo, regressámos às Eucaristias presenciais, à ocorrência de algumas reuniões, com menos pessoas, e distanciados por questões de segurança, mas juntos. E isso trouxe-nos uma felicidade imensa que provém da alegria do (re)encontro. Fomos de férias, acolhemos quem vinha de outros países para descansar em Portugal, e isso é fundamental para a nossa economia que depende muito do turismo nos últimos anos. Sentimos ter chegado o momento de sair da nossa ”zona da morte.” Avisa o alpinista Ivan Vallejo — «queridos amigos, não percamos a concentração e o cuidado na descida. Que a pressa e o cansaço não nos vençam. E nos façam perder o que ganhámos com tanto esforço.» Pois, o que assistimos não é a uma diminuição sistemática de novos casos, mas antes um crescimento geral em vários países da Europa. Espanha já ultrapassou em Setembro, o primeiro pico que teve em Março, também a França, e o Reino Unido começou agora a crescer. Não foram estes os turistas que vimos a passear em Portugal durante o mês de Agosto?
Começamos já a planear encontros, retiros, e pensamos que o novo ano lectivo permitirá voltar à normalidade, mas não se verifica isso. Do mesmo modo que muitos alpinistas não sobrevivem à descida quando agem com pressa de sair do cume, também nós podemos ser levados a mais descuidados e a pensar que não haverá problema. Temo que o atraso de 15 dias do pico de novos casos que observámos em Abril em relação aos outro países, só se sinta — pela mesma lógica — a partir de 15 de setembro. Isto é, a partir do momento em que pensamos levar os nossos filhos de regresso às aulas. Espero estar enganado, e que as medidas adoptadas sejam suficientes, mas se ao menos adiássemos uma semana tudo o que se pretende começar, e gradualmente fossemos retomando as actividades, talvez fosse melhor para nos mantermos concentrados na descida. A virtude em questão no meio de toda esta situação é a da paciência.
«Sede, pois, pacientes, irmãos, até à vinda do Senhor. Vede como o lavrador espera o precioso fruto da terra, aguardando com paciência que venham as chuvas temporãs e as tardias. Tende, também vós, paciência e fortalecei os vossos corações, porque a vinda do Senhor está próxima.
Não vos queixeis uns dos outros, irmãos, para não serdes julgados. Olhai que o Juiz já está à porta. Irmãos, tomai como modelos de sacrifício e de paciência os profetas, que falaram em nome do Senhor.
Vede como nós proclamamos bem-aventurados aqueles que sofreram com paciência; ouvistes falar da paciência de Job e vistes o resultado que o Senhor lhe concedeu; porque o Senhor é cheio de misericórdia e compassivo.» (Tg 5, 7-11)
A vacina não é Deus. A “vinda do Senhor” que devemos aguardar com paciência por estar próxima é a experiência de Deus que faremos no reencontro após ultrapassado o drama humano desta pandemia. Agora é-nos exigido distanciamento, cuidados redobrados, e muita paciência uns com os outros. Enquanto não houver uma vacina, não teremos descido da montanha. Por isso, o sacrifício da normalidade anterior é para salvaguardar a saúde dos mais frágeis, como os avós, os doentes que sabem ter problemas respiratórios, mas também os que não o sabem, e poderão sofrer graves consequências caso viessem a contrair esta doença. O convite de Deus durante esta pandemia é claro — «com toda a humildade e mansidão, com paciência: suportando-vos uns aos outros no amor, esforçando-vos por manter a unidade do Espírito, mediante o vínculo da paz.» (Ef 4, 2-3); «Sede alegres na esperança, pacientes na tribulação, perseverantes na oração.» (Rm 12, 12)
Deus pede-nos paciência e preseverança na oração para vivermos bem, e com alegria, a Sua vontade no momento presente. Ao ver o número de infectados a subir em países da Europa que nos estão próximos, creio ser necessário alguma paciência e reconhecer que não podemos viver um setembro e outubro como em outros anos. Mas podemos viver mais intensamente a oração e a comunhão com Deus. Não é somente a nossa vida que depende disso, mas a de todos os que fazem parte da nossa família humana.