SABER APRENDER – A sair do blá, blá, blá

Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor

Antes do COP27 dizia para mim mesmo que esse era um desastre à espera de acontecer. Aconteceu. Depois, revi-me num discurso feito o ano passado pela jovem Greta Thunberg durante o COP26, onde silenciou as pessoas com o discurso satírico do blá, blá, blá«Economia verde. Blá blá blá. Quase zero em 2050. Blá blá blá» — dando a entender que os discursos políticos nesta conferência, que promete e não cumpre há trinta anos, não passam de conversa fiada, como se verificou no COP27 ocorrido no Egipto. Mas quando Thunberg termina o discurso com «E nós, o povo — nós queremos um futuro seguro, nós queremos uma real acção climática e nós queremos justiça climática.» — é o que, ao modo de Thunberg, soa como blá, blá, blá, observou (com classe jornalística) Elizabeth Kolbert para o The New Yorker, chamando a atenção de que, se os nossos discursos não provierem da vida, não passam de blá, blá, blá. Mas qual o justo equilíbrio entre o agir e o comunicar o que se pensa?

Foto de Miguel Henriques em Unsplash

Uma boa forma de organizar os nossos pensamentos é falar sobre eles com os outros, ou até com as paredes. Quando articulamos um pensamento e o exteriorizamos, mais facilmente compreendemos o que tem sentido e o que não faz muito sentido. Não é por acaso que muitas crianças estudam a fazer de conta que são professores e explicam a matéria aos seus alunos numa aula imaginária. Quando no âmbito das alterações climáticas os políticos se põem a pensar e discursam num COP, neste momento, é como se estivessem a organizar as suas ideias em vez de as concretizar, sendo possível entrarem na espiral do blá, blá, blá sem se darem muito conta disso (ou dão-se, mas não fazem conta). Pensando num outro exemplo, neste caminho sinodal que procuramos fazer na igreja Católica, será que o pensar e partilhar com os outros o que pensamos, é como um blá, blá, blá? Talvez fosse, se o pensar não fosse um acto de amor.

O “acto” de amor corresponde a um agir orientado pelo amor, incluindo gesto concretos, ou actos que inspiram a seguir um caminho concreto. Quando alguém partilha um pensamento, e o faz por amor, usualmente, esse pensamento não é fechado, nem fecha o pensamento dos outros. É abertamente e livremente dado, podendo, por isso, ser recusado. Mas quando é recebido, quem o deu por amor faz-nos sentir como se fosse nosso. Como dizia São Porfírio, um santo da Igreja Ortodoxa — «Quem ama pouco, dá pouco. Quem ama muito, dá o máximo; e quem ama muitíssimo, o que tem de mais digno para dar? Dá-se a si mesmo!» Pensar como acto de amor é dar-se a si mesmo quando comunica o que pensa. Isso parece-me ser agir a um nível mais profundo e necessário no tempo presente.

Diante da necessidade de fazer alguma coisa pelo nosso relacionamento com o ambiente, ou de evoluir no modo de ser Igreja no mundo, sente-se como a evolução cultural parece acontece em tempo real. Desde que surgiram as redes sociais que o modo de comunicar alterou-se profundamente. O facto de estarmos muito conectados não quer dizer que comuniquemos muito ou melhor. Pois, se quem comunica, comunica-se, porque dá-se no pensamento que oferece, se não houver vida por detrás desse pensamento, pode dar a ideia, mas arrisca-se a que os outros a sintam como blá, blá, blá. Porém, quando a ideia comunicada se acompanha de uma experiência, por detrás sente-se estar uma vida, e serão as histórias o que muda o sentir das pessoas. Pensamentos oferecidos como actos de amor alimentados pela nossa experiência tocam o coração mais endurecido.

Nas Jornadas de Comemoração dos 50 anos do Departamento de Engenharia Mecânica onde trabalho na Universidade de Coimbra, um antigo aluno começa a partilhar a sua experiência profissional. Como estávamos interessados no modo como a passagem pelo departamento se relacionava com o percurso de sucesso, era justificável o facto de ele estar a partilhar o seu. Mas ao contrário dos oradores anteriores, não havia grandes histórias senão um sucesso, após outro, após sucesso e a minha atenção começou a desviar-se. Mas em 2021, ele diz que houve uma viragem radical no seu percurso profissional. Por um episódio (que percebemos ser trágico) na sua família, passou a ser pai a tempo inteiro, voltando-se para a mecânica de motos por gosto e para sustento. Foi neste volte-face surpreendente que me dei conta de como o meu coração estava endurecido e, perdendo inesperadamente a esposa, aquele antigo aluno dedicou-se ao que era essencial para a sua vida. As lágrimas verteram-se no meu rosto porque aquele pensamento de mostrava como o sucesso profissional está intimamente ligado a sucesso familiar provinha da vida. Era uma escolha pessoal e localizada que se revelava como acto maior do que qualquer feito planetário ou sinodal.

Não tenho a menor dúvida de que apontar onde estão as falhas nos nossos sistemas é importante se os quisermos melhorar. Mas o primeiro dedo a apontar é para o próprio que reconhece essas falhas porque todos somos protagonistas do sentido e direcção que a história humana percorre no tempo. Até podemos achar que jovens como Greta Thunberg não se encaixam nesta categoria por terem ainda uma curta história de vida, dando-lhe “autoridade” suficiente para dizer às gerações anteriores o que “nós queremos”, quando o mundo precisa mais daquilo que podemos dar — ”nós oferecemos” —, do que o nosso “querer”.

No período natalício que se avizinha, o que temos mais digno para dar, como dizia S. Porfírio, somos nós mesmos. Dar o nosso sorriso, olhar, atenção, abraço, presença, em vez de nos fecharmos sobre as fotos a partilhar, as mensagens a enviar ou memes. Estar conectado com o mundo é, seguramente, menos importante do que comunicar(-se) com aqueles que estão à nossa volta. Aqueles com quem construímos pequenas histórias e uma vida que podem converter-se em pensamentos que se tornam verdadeiros actos de amor.


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