Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor
O futuro do planeta depende de nós, mas não pelas razões que estás a pensar. Depois de 4.5 mil milhões de anos de história deste planeta, existe uma espécie — nós — capaz de alterar tanto o seu ambiente como faria um enorme meteorito ou um mega-vulcano. Com os nossos estilos de vida e as assimetrias económicas que criámos entre os países ricos e pobres, tornámo-nos numa superpotência geológica capaz de alterar o clima no espaço de duas a três gerações, dando início a uma nova era geológica: o antropoceno. Finalmente controlamos o clima planetário e a evolução da vida na terra. E agora?
O investigador britânico Colin Water e uma grande equipa de outros investigadores escreveram um artigo; para a Science em 2016 onde a quantidade de betão produzida pelos seres humanos daria para cobrir o planeta inteiro com uma camada equivalente a 7 folhas de papel A4 de 80g. No recente livro do Professor Mark Maslin ”How to save our planet” (Penguin Random House, 2021), esse confirma que existem mais bonecos mini-Legos do que pessoas reais. E desde o ano de 1500 que, em média, se extinguem 1.5 espécies por ano e a massa de CO2 que emitimos para a atmosfera desde a revolução industrial é igual ao peso de 20 Muralhas da China. Quando nos embrenhamos nos factos associados ao antropoceno, a vontade que dá é a de ir dar uma volta pela floresta para espairecer, como fez Henry David Thoreau em 1845 por dois anos da sua vida.
“Walden ou a vida nos bosques” é o livro onde Thoreau conta a sua experiência. Sabendo que o desafio climático está muito relacionado com a economia, no capítulo que escreve sobre esse tema diz que
«A absoluta simplicidade e o despojamento da vida que o homem levava nos tempos primitivos tinham pelo menos a vantagem de deixá-lo ser hóspede da natureza. Quando se sentia retemperado pelo alimento ou pelo sono, tinha a estrada novamente diante de si. Morava neste mundo como se fosse numa tenda e estava sempre palmilhando vales, cruzando planícies, galgando cumes de montanhas. Mas vejam só! Os homens transformaram-se nos instrumentos dos seus instrumentos.»
O domínio sobre o clima no antropoceno leva a que tenhamos posto de lado a pedagogia do desapego proveniente da experiência de ser acolhido no mundo natural como “hóspede” para nos apropriarmos desse lugar e tornarmo-nos seus donos. Seria como se acolhessem alguém em vossa casa que, entretanto, se apropria dela, faz o que quer e lhe apetece, destruindo-a, e destruindo-se a si mesmo. Daí que a subtileza da última frase de Thoreau seja a de que os nossos estilos de vida, afastados da simplicidade e desapego que marcaram a experiência de acolhimento que fazíamos com a natureza, nos tenha instrumentalizado. Pois, quem não consegue passar um dia sem o conforto que a tecnologia lhe dá, sem o saber, está a ser instrumentalizado por essa.
«Os nossos inventos costumam ser belos brinquedos que distraem a atenção das coisas sérias. Não passam de meios aperfeiçoados para atingir um fim que não se aperfeiçoou, um fim que já lá estava e ao qual se chegava com facilidade (…). Apressamo-nos a construir um telégrafo magnético entre o Maine e o Texas, mas pode acontecer que o Maine e o Texas não tenham nada de importante a comunicar.» (“Walden e a vida nos bosques”)
A tecnologia que antes provinha de uma necessidade que se manifestava na experiência de vida, hoje, cria necessidades e novos estilos de vida. Uma das coisas que tenho reparado é na redução dos ciclos de lançamento de novos produtos tecnológicos que custam muito dinheiro. Todos os anos lança-se um novo iPhone e repete-se o discurso — «Este é o melhor iPhone que alguma vez fizemos.» Lembro-me de há anos começar a ficar entusiasmado com cada lançamento do iPhone (de dois em dois anos) e fazia as maiores ginásticas financeiras para poder ter o novo “belo brinquedo” na mão. Mas depois de reflectir sobre o Minimalismo Digital com o livro de Cal Newport, aprendi que a pausa para consolidar aquilo a que dou realmente valor na vida é a base de qualquer escolha de consumo, sobretudo, o tecnológico. Por isso, na verdade, um novo iPhone não faz mais do que fazia o modelo anterior. E a conclusão que chego é a de que mais vale substituir a bateria, ou reparar o que tenho, do que ser instrumentalizado na vontade pela “bela brincadeira” de um reluzente novo equipamento. Mas a proximidade do COP26 leva-nos a pensar que existem forças de resistência à mudança de estilos de vida que estão ao nível das nações. Diz Thoreau que —
«As nações são possuídas pela louca ambição de perpetuarem a sua memória com a soma das esculturas que deixam. Que tal se esforços semelhantes fossem despendidos no sentido de aperfeiçoar e polir a sua conduta? Uma obra de bom senso seria mais memorável que um monumento da altura da Lua. Prefiro contemplar as pedras no seu lugar de origem.» (“Walden e a vida nos bosques”)
Não há força mais transformativa da influência que temos sobre o clima deste planeta do que os nossos comportamentos. Muitos podem pensar que os seus actos não têm expressão ao nível global. — “Posso só acelerar desta vez.” — “Posso consumir mais carne desta vez porque é dia de festa.” — Mas se multiplicarmos estas “raridades” por todas as pessoas do planeta, percebemos que o pouco que fazemos para mudar a nossa conduta é suficiente para mudar o mundo.
Considero que a Laudato Si’ do Papa Francisco e a sua palavra no COP26 são um obra de bom senso. Ele, como cada um de nós, encontra o sentido da simplicidade e despojamento numa vida que dá mais do que procura possuir. E o convite/provocação de Thoreau a contemplar as pedras no lugar de origem contrasta o mar de gente que vemos pelas ruas a contemplar o seu ecrã. Quando deixamos de contemplar as pedras no seu lugar de origem perdemos, gradualmente, o contacto com as nossas raízes naturais. No antropoceno, finalmente conseguimos ser senhores da natureza, mas o resultado da reacção do planeta aos nossos excessos pode ser o nosso fim, e em primeira instância, dos mais vulneráveis. Hoje é o tempo de saber aprender a não ter medo de mudar, sair das quatro paredes e ir ao encontro das nossas raízes naturais para percebermos como o amor verdadeiro respeita sempre o lugar que nos acolhe e sustenta.
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