SABER APRENDER – A ler o presépio à luz do Cubo Mágico

Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor

«Simples e complexo. Movível e estável. Oculto e exposto.» É assim que Ernő Rubik caracteriza a sua invenção que todos conhecemos e nos maravilha quando alguém o resolve: o Cubo Mágico. Rubik acredita que as contradições não são opostos a resolver, mas contrapontos a abraçar. Num mundo envolto em certezas incertas, ou ditos por não-ditos, como aquele em que vivemos hoje, este simples e complexo brinquedo pode abrir o nosso olhar sobre o modo de lidar com a experiência pessoal, social e cultural contraditória que viveremos neste Natal.

Foto de Serg Antonov em Unsplash

Há um ano, nada levaria a crer na realidade de hoje, e nos sacrifícios que essa exige às famílias que todos os anos anseiam pelo Natal para se reunir, rever, rir, e colmatar a saudade de estarmos de novo juntos. Talvez a imagem que tínhamos da magia do Natal assente nas luzes, cores, presentes e abastadas refeições com a família toda junta, é que não fosse real. Agora, que nos pedem para conter os contactos é a oportunidade e o convite à verdadeira magia do Natal assente na contemplação de um nascimento oculto aos nossos olhos pelo tempo, mas exposto ao nosso viver pela abertura de coração.

A razão de Rubik para ter inventado o Cubo Mágico foi muito simples. Enquanto pensava num problema geométrico e no modo de o ilustrar, acabou por encontrar um problema que captou a sua imaginação e não conseguia deixar de pensar nele. No coração da invenção do Cubo Mágico está um puzzle.

Os puzzles são treinos à mente onde todos os que participam não competem entre si, mas cooperam para chegar ao resultado final. Quando os fazemos, ninguém avalia o nosso desempenho, ou se preocupa por estar a resolvê-lo ou não. Com os puzzles vivemos de um modo particular o momento presente, trabalhando qualidades humanas como a concentração, a curiosidade, a diversão, e o desejo de descoberta de uma visão com sentido. São qualidades que nos tornam mais humanos e, por isso, criativos. São a estrada para o potencial criativo que existe em cada um de nós. Se o Cubo Mágico é um puzzle, mais ainda o nascimento de Jesus.

Confúcio dizia que «o homem que faz uma questão é um tolo por um minuto, o homem que não questiona é tolo para a vida.» As crianças estão sempre a colocar questões, mas ao crescermos, imperceptivelmente, perdemos esta capacidade de questionar. Ou seja, a nossa curiosidade sofre a mutação do “porquê?” para o “como?”

É esse “como?” que nos leva a desenvolver as ferramentas para resolver os problemas, e a curiosidade de todos os dias acaba por assentar em “como?’s” e “e se?’s”, mais do que em “porquê?’s”. Porém, o fruto de toda a curiosidade humana aponta para o desejo de saber e entender. Mas não um saber superficial, antes, profundo. Não meramente os factos, mas os relacionamentos e conexões que lhes dão sentido e significado. Também o nascimento de Jesus desperta a nossa curiosidade relacional.

Se a inteligência é fundamental para realizar as conexões entre “porquê’s”, e a partir delas extrair o sentido e significado dos eventos na nossa história, será a imaginação que nos leva à criatividade dos próximos passos a dar depois de interiorizarmos o sentido e significado descobertos. Inteligência e imaginação parecem associar-se a profissionais do saber humano, mas não é verdade. Inteligência e imaginação é o que cada um de nós tem dentro de si como amador.

Sabiam que a palavra amador provém do Latim amatore, ou seja, aquele que ama? Para Rubik, fazer o Cubo Mágico não foi o trabalho de um profissional, mas de um amador. Isto é, alguém que ama na liberdade absoluta, independência e abertura de mente, que um profissional não goza plenamente. Como amadores podemos imergir num estado de curiosidade e descoberta, sem qualquer preocupação com o resultado final. É o gozo do processo que nos motiva a fazer seja o que for.

Todos nascemos com a capacidade para a curiosidade. Uma capacidade que não aceita sempre tudo, mas leva-nos, por sua vez, a saber quando questionar o que os outros podem dar por descontado. Para os curiosos, o modo de ir em frente, sem qualquer direcção pré-determinada, é a abertura a uma visão mais ampla das coisas. Mas quando alguém cria alguma coisa de novo, a curiosidade é insuficiente. Também precisa de um impulso interior, uma certa intuição que o inspira a encontrar a solução. Diz Rubik que «a curiosidade é a chama que faz a ignição da criatividade.» Que leitura do presépio podemos aprender com a essência do Cubo Mágico?

Ao longo do tempo parece que perdemos, gradualmente, uma capacidade especial: a capacidade de ser pequeno. E muitos queixam-se de ter muito para fazer, e de que investir tempo e atenção em puzzles, imaginar e ser curioso, é só para quem não tem a responsabilidade de pagar as contas ao fim do mês. Não vivamos na ilusão de pensar assim. O nascimento de Jesus é o puzzle da curiosidade relacional que nos ensina a contemplar o impossível.

São mais as questões que se levantam com o nascimento de Jesus do que as respostas. Deus faz-Se bebé? Porquê? Como? O “para quê” sabemos mediante a vida que Jesus, no Evangelho, nos convida a viver, mas será preciso mais imaginação e curiosidade para entender as razões e o modo do Seu nascimento. Ou talvez nunca entendamos, mas sejam o impulso interior a contemplar o Mistério de Amor envolto na simplicidade de um bebé numa manjedoura que mudou a história do nosso planeta.

Se nos déssemos conta da real grandeza de um Deus que se faz bebé, deveríamos sentir o mesmo deslumbramento que ver alguém resolver o Cubo Mágico. Encontrar um sentido simples no meio do puzzle da realidade complexa dos nossos dias requer inteligência, imaginação, curiosidade e coração. Mas a realidade do presépio parece-me um autêntico paradoxo de simplicidade e complexidade. Essa suscita o acto de contemplar e deixar-se trabalhar por dentro, acolhendo a mensagem de esperança da vida que nasce em cada parto da criatividade humana. Quem sabe se essa, quando oferece uma novidade ao mundo por amor, não é, também, um fruto do Espírito Santo que em nós concebe o gérmen da verdadeira felicidade.

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