Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor
As multidões recomeçam a formar-se. Uma experiência que fazia enquanto caminhava pela cidade de Roma. Devido ao calor, era muito difícil distinguir o rico do pobre porque todos vestiam a coisa mais leve e fresca possível. Alguns andavam mesmo de tronco nu. À primeira vista, as ruas pareciam sujas, mas eram pétalas que caiam das árvores e coloriam as estradas. Queria visitar a Livraria Vaticana, mas descobri que podia fazê-lo apenas por agendamento. Depois, procurei pela Livraria Internacional João Paulo II — fechada. O que se passa com as livrarias no Vaticano?
Aparentemente, os efeitos da pandemia tiveram consequências maiores do que esperávamos. Porém, os Paulistas mantêm-se activos e a sua livraria permitia ao estrangeiro mergulhar num mar de livros e ver que títulos se destacavam nas estantes (se soubermos italiano, claro). Um dos temas mais explorados era a relação entre a tecnologia e a vida humana, sobretudo através desta realidade muito estudada da inteligência artificial. Por outro lado, sobressaiam-se temas de espiritualidade e testemunhos de vida cristã. O que senti foi que a experiência espiritual do Cristianismo está viva e pode inspirar quem estiver disposto a ler. E aqui está o desafio: ler. Por que razão as pessoas lêem menos?
Um relatório; da National Endowment for the Arts referia que o decréscimo dos hábitos de leitura é geral entre as pessoas, mas atinge, sobretudo, os jovens. Algo preocupante quando pensamos como eles são o futuro. Há quem atribua esse decréscimo a competências de leitura insuficientes, logo, as pessoas fartam-se de ler porque acham não ter muito “jeito” para isso. Por outro lado, pode ser o desinteresse pelo acto de ler quando em crianças fomos forçados a ler coisas que não gostávamos. Porém, existem argumentos mais ligados com o desenvolvimento das novas tecnologias.
Os smartphones transformaram muito a vida das pessoas. Existem muitos benefícios que trazem à forma de comunicarmos, mas a possibilidade de podermos aceder a um mar imenso de informação, a sobrecarga de conteúdos é capaz de nos manter entretidos e fixados no ecrã durante longos períodos de tempo. Mas o reverso da medalha foi a influência que essa sobrecarga teve, e tem, sobre a nossa capacidade de nos concentrarmos, ou de facilmente sermos distraídos. Já repararam como os anúncios são cada vez mais pequenos? Já reparam como as pessoas distraiem-se quando falamos com elas que e o que dizemos demora mais do que 2-3 minutos? Já reparam como se torna cada vez mais difícil ler longos artigos de investigação jornalística ou de outro género?
Ler um livro em papel (não tanto digital) implica segurá-lo nas mãos, mas se essas estão ocupadas a manter a nossa presença online activa, a pressão que os nossos pares exige, sobretudo os mais jovens, leva a que muitos remetam a leitura para uma actividade académica ou por obrigação escolar. A não ser que haja um estímulo recíproco à leitura entre o grupo de amigos, dificilmente um jovem sente-se inclinado a ler. Depois, em muitas famílias não existe um hábito de leitura, pelo que os filhos tendem a viver uma cultura ausente do acto de ler. E se uma pessoa não está habituada a ler, nem sempre consegue perceber o que está a ler, desentusiasmando-se. Um livro não oferece o mesmo nível de gratificação instantânea do que outras coisas. Aliás, não sei se conseguiste ler este artigo até aqui, mas não começas a sentir vontade de desligar e ver outra coisa? Conheces os benefícios de estimular o ritual diário de leitura?
- O nosso cérebro não está preparado para ler, por isso, quando lês, estimulas o cérebro e começas a pensar melhor, diminuindo o risco de contrair doenças como a demência e o Alzheimer.
- Quando lês, a mente entra gradualmente num período de relaxamento, desviando a nossa atenção das coisas que nos preocupam. E como a mente pode facilmente começar a vaguear enquanto lê, muitas vezes, surgem-nos, de repente, a solução para o problema que nos atormentava.
- A mente aguçada pela leitura começa a perceber melhor a realidade, em vez da fantasia que nos oferecem através do entretenimento. Nem é tanto pelo conhecimento adquirido enquanto lemos porque o mais normal é esquecermo-nos as coisas que lemos. E sim mais a percepção que nos leva a pensar que nem tudo o que nos querem vender tem lógica e os nossos olhos começam a ver para além das palavras ou imagens bonitas. Melhoramos a capacidade de analisar o que se passa à nossa volta e sentimos que a capacidade de concentração cresce.
- Ao ler aprendemos palavras novas, ampliando o nosso vocabulário. E não é tanto o facto de acharmos que começamos a falar de um modo mais erudito, mas antes a maior sensatez na escolha das palavras para nos expressarmos com maior profundidade aos outros.
- A leitura diária cria novas ligações no cérebro e, por isso, melhora a nossa memória. E coisas que nos esquecíamos com facilidade começam a vir à mente, levando-nos a ficar mais bem dispostos, o que afecta positivamente os relacionamentos com as pessoas ao nosso redor.
- Curiosamente, o ritual da leitura diária começará a notar-se na nossa escrita. Pois, como o vocabulário aumenta, escrever torna-se mais natural em nós e mais facilmente podemos partilhar com as gerações futuras as experiências que vivemos porque as escrevemos.
- Por fim, ler dá-nos tranquilidade e pode revelar-se um fonte inesgotável de entretenimento saudável e duradouro. Pode ser, inclusivé, uma porta que nos abre a uma vida espiritual mais profunda e rica.
Se são tantos os benefícios de ler, por que razão resistimos? São inúmeras as razões que os nossos familiares e amigos apresentam para não conseguirem desenvolver este ritual diário. O tempo, o trabalho, as responsabilidades familiares, e a falsa noção de que ler implica uma certa paz. Porém, penso que seja importante não desvalorizar estas razões por serem razões válidas que apontam para um grande desafio: o mundo acelerado em que vivemos.
Precisamos de desalecerar. Voltar a estar na condição de podermos conduzir as nossas vidas com a possibilidade de estarmos atentos à paisagem e desfrutar de toda a inspiração que essa oferece. E para desacelerarmos, um modo seria saber aprender a ler diariamente.
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