SABER APRENDER – A escutar sem pressa

Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor

O editor do La Croix – International, Robert Mikens, elogia; o Papa Francisco pela escolha de mulheres para assumir responsabilidades no Vaticano, mas crítica-o por esse número ser, apesar disso, ainda baixo. Por exemplo, o facto de apenas 17.8% dos teólogos da Comissão Teológica Internacional (CTI) serem mulheres não reflecte a teologia hoje. O que me questiono é se o sexo de uma pessoa é, hoje, a razão das nossas escolhas profissionais, em vez da competência. Isto é, passará pela cabeça de Mikens que os teólogos escolhidos para a CTI dependiam da sua competência específica? Nesse caso, não é claro que as competências estejam igualmente distribuídas entre homens e mulheres porque os interesses são sempre diversificados. Como lidar com estes ruídos culturais?

Foto de Johannes Plenio em Unsplash

Um exemplo fictício. Se a CTI precisasse de um teólogo para a linha da Teologia Dogmática e tiver apenas 10 pessoas possíveis (5 homens e 5 mulheres), mas de acordo com a seriação feita pelos currículos, um homem é o que fica em primeiro lugar, não foi pelo seu sexo que foi escolhido, mas pelas suas competências. Do mesmo modo, se para a linha da Teologia Moral, dos 10 candidatos imaginemos que 9 são homens, mas escolhe-se a mulher porque o seu CV é o mais adequado, foi a competência e não o sexo que esteve na base dessa escolha. A paridade patente no tipo de análises como a de Robert Mikens padece da incursão de uma ideia duvidosa de que a igualdade de oportunidades manifesta-se pela paridade dos números entre homens e mulheres, em vez das suas competências.

No Departamento onde trabalho, a maior parte dos professores são homens, mas não porque não haja mulheres a concorrer. No processo de seriação de um concurso público, por vezes, as mulheres ficam em primeiro, mas escolhem não aceitar o lugar. Aliás, foi por essa razão que passei no concurso que me permitiu ser Professor na Universidade de Coimbra. E a mesma situação voltou a acontecer anos mais tarde, acabando por entrar um homem para o lugar que foi dado a uma mulher que optou por uma outra proposta. A ideologia do género parece-me ser o que está por detrás de muitas análises de paridade entre homens e mulheres em cargos de responsabilidade, em vez de uma análise cuidada das competências que levaram a determinadas escolhas. Creio que isto representa um entrave ao acolhimento daquilo que é a Vontade de Deus que a todos ama, independentemente de serem homens ou mulheres. Pois, todos têm o mesmo valor e dignidade aos Seus olhos.

A estatística é uma ferramenta de análise excelente, mas não serve para os discernimentos baseados na escuta da Voz do Espírito Santo. A lógica do amor envolve uma matemática diferente onde menos pode significar mais, onde dividir faz crescer o resultado, e onde o menos votado pode ser a escolha certa. É diferente, simplesmente. Por isso, o discernimento acaba por ser um processo não linear e incompatível com os sistemas de decisão que a sociedade propõe carregadas de várias conotações ideológicas. Por outro lado, o discernimento envolve uma experiência de tempo incompatível, também, com a aceleração impulsionada pela subserviência do apetite humano de novidade à transição tecnológica que vivemos. Numa linguagem mais simples, refiro-me ao apetite da pressa.

Alvin Toffler, um historiador e futurista do século XX, na sua obra “A Terceira Vaga” descreve como o impacte tecnológico ocorre como uma série de ondas que se interceptam, com estilos de vida a substituir os anteriores, dependendo da próxima onda de inovação tecnológica. Cada onda comporta uma grande mudança que se expressa em maneiras novas de viver, ser e estar, de tal modo que alteramos a visão que temos de nós próprios. A perspicácia de Toffler está em perceber que no meio da turbulência social, as dores de crescimento a essa associadas estão entre o final de uma era e o início da próxima, isto é, nas transições entre eras tecnológicas.

Cada inovação tecnológica impulsiona a mudança de um estilo de vida. Pensemos na rádio, televisão e agora com a internet. E demora tempo para nos adaptemos à nova onda tecnológica. O que Toffler verificou é que os tempos em que a humanidade vive alguma tranquilidade com a tecnologia que desenvolveu estão cada vez mais curtos. No Antropoceno vive-se da pressa pela próxima novidade.

Stephan Rechtschaffen, médico e autor de Timeshifting diz que nos — «tornámos afazeres humanos, não seres humanos.» O que importa é a capacidade de saber fazer muitas coisas diferentes e fazer cada vez mais coisas. Por isso, quando nas apresentações de novos produtos tecnológicos nos vendem a ideia de que, com este novo portátil, teremos mais tempo para o lazer, na prática, se podemos fazer mais com a tecnologia que comprámos, mais iremos fazer. E, em vez de descansarmos, e darmos largas à nossa imaginação e criatividade, o que fazemos? Mais coisas. E com tanto afazer arriscamo-nos a ficar insensíveis à Voz da criatividade.

A criatividade é uma experiência profundamente espiritual e penso que esteja na raiz da nossa sensibilidade à Voz do Espírito. E se somos mais sensíveis à Sua Voz, não adquirimos as competências que o mundo espera de nós, mas as que Deus nos chama a desenvolver.

Por isso, nas coisas de Deus, não importa a percentagem de homens ou mulheres que as fazem porque aos olhos de Deus somos todos irmãos e filhos Seus.

Importa, sim, o quanto amor colocamos naquilo que fazemos. Uma refeição feita por amor pode fazer alguém chorar de alegria e memória. Um poema feito por amor pode durar mais de 1000 anos. Uma ideia partilhada por amor pode iluminar a mente de alguém que a torna revolucionária. E todo o gesto feito por amor, transforma o coração mais duro num de carne que bate, também, por amor.

Nunca nos será negada a oportunidade de saber aprender a escutar a Sua Voz que não ouvimos, e cujas palavras pronunciadas pelos eventos falam sempre de algo surpreendente. Algo que baralha os nossos esquemas demasiado humanos, e nos devolve um caminho com sabor a divino. Basta dar tempo para nos adaptarmos a cada onda que a criatividade do Espírito suscita em cada tempo. Sem pressa.


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