S. Paulo, migrante, Apóstolo das Gentes

Jornadas sócio-pastorais das migrações Fátima, 18.01.2009: Homilia do Dia mundial do migrante e refugiado Leituras: 1 Sam 3, 3-19: Falai, Senhor, que o vosso servo escuta Sl responsorial 39: Eu venho, Senhor, para fazer a vossa vontade 1 Cor 6, 13-20: Os vossos corpos são membros de Cristo Jo 1, 35-42: Foram ver onde morava e ficaram com Ele. 1. Foram ver onde morava e ficaram com Ele nesse dia, é com esta frase breve e incisiva que S. João narra o começo da constituição da comunidade apostólica à volta de Jesus e, podemos dizê-lo, é assim que começa a Igreja e todas as comunidades e grupos que desde há dois mil anos nela se constituem. Foi assim que aconteceu com a primeira comunidade cristã de Jerusalém, aquelas que surgiram nas viagens apostólicas de S. Paulo, na Ásia e na Europa, as comunidades à volta de Francisco de Assis, de Santo Inácio de Loiyola e de muitos outros fundadores de movimentos religiosos na história da Igreja. Amados peregrinos, estamos aqui neste lugar sagrado da Cova da Iria, nesta igreja dedicada à Santíssima Trindade, vindos de muitas terras, também convocados por alguém, que pensamos morar aqui ou ter aqui uma presença especial, com o desejo de conhecer melhor estes locias sagrados, ouvir a sua mensagem e confiar-lhe os nossos anseios. Como sabemos, foi Maria, a Senhora deste lugar, que nos chamou, ela que há 92 anos aqui apareceu a três pastorinhos, os bem-aventurados Francisco e Jacinta e a sua prima Lúcia. Mas ela é a mesma que há dois mil anos disse acerca do seu Filho Jesus, fazei tudo o que Ele vos disser. E se nós o fizermos, também presenciaremos os sinais do seu amor. Nesta celebração já nos falou, disse e pediu muitas coisas. Saberíamos exprimir algumas das suas palavras? Algumas delas até as cantámos e repetimos várias vezes. Por exemplo, eu venho, Senhor, para fazer a vossa vontade, usando as palavras de um Salmo. Estaremos mesmo dispostos a fazer a sua vontade, como Ele fez a do Pai que O enviou para estar connosco, nos mostrar o seu amor e nos arrastar consigo para a casa do Pai? Talvez alguns se perguntem, mas afinal nem ouvimos a sua voz, como é que podemos conhecer a sua vontade, para a pôr em prática? Realmente encontramos muitas desculpas para o nosso egoísmo e preguiça. E nem sequer nos podemos desculpar como o jovem Samuel, que ainda não conhecia a voz de Deus e foi preciso escutar o conselho do seu tio mais velho, o sacerdote Eli. Também nós precisamos da ajuda de muitos intermediários, para discernir e compreender a Palavra de Deus. O facto de termos vindo aqui e querer permanecer alguns momentos aos pés de Maria demonstra a nossa vontade de abrirmos o nosso coração. Por isso escutemos a voz da Senhora deste lugar e d’Aquele que ela deu ao mundo, cujo natal celebrámos há poucos dias e quer ficar connosco até ao fim dos tempos, levando-nos pela mão, por vezes até ao colo, para a casa do Pai, a Jerusalém celeste. 2. Caríssimos peregrinos, hoje o Filho de Deus e de Maria fala-nos também através da Igreja e do sucessor de Pedro, o Santo Padre, convidando-nos a celebrar o dia mundial do migrante e do refugiado. Na sua mensagem para este dia o Papa Bento XVI apresenta-nos S. Paulo como migrante e apóstolo das gentes, isto é, de toda a humanidade, sem exclusão de nenhum povo. Ao apresentar S. Paulo como modelo para a missão da Igreja junto de todos os deslocados das suas terras de origem, seja por motivos económicos seja forçados pelo desrespeito da sua dignidade, dos seus direitos como cidadãos, o Santo Padre desafia-nos a acompanhar estas pessoas, a defendê-las e anunciar-lhes o Evangelho da verdade, da sua dignidade de filhos de Deus e irmãos nossos, sendo solidários com eles e acompanhando-os no caminho para a pátria definitiva. S. Paulo soube tornar-se próximo de todos, sem acepção de pessoas, exortando-os a viverem a sua liberdade de filhos de Deus, de concidadãos de uma pátria, onde não há homens livres e escravos, estrangeiros e cidadãos, mas um só povo de irmãos. É este mesmo S. Paulo de quem hoje escutámos um excerto da sua primeira carta aos Coríntios, uma comunidade formada na sua segunda viagem apostólica e que se deixou seduzir por alguns costumes pagãos, indignos da sua pertença a Cristo e da sua identidade de filhos de Deus. Aos Coríntios outrora, como a nós, hoje, Paulo diz-nos que somos templos do Espírito Santo e que fomos resgatados da escravidão do pecado pelo dom da vida de Cristo na cruz. Por isso já não somos pertença dos poderes deste mundo, mas de Cristo e devemos viver de acordo com essa pertença e dignidade. Disto devemos ser também testemunhas no mundo de hoje, fazendo-nos eco das exortações de S. Paulo junto dos nossos irmãos migrantes, não ficando calados e inertes perante a exploração dos estrangeiros na nossa sociedade, a quem muitas vezes é roubada a sua dignidade, separando-os das suas famílias, não retribuindo com justiça o seu trabalho ou explorando os seus corpos como mercadoria de prazer dos nossos vícios. Afinal não temos consciência de que o pobre e o estrangeiro são o rosto de Cristo e templos do Espírito Santo? Como ousamos atentar contra a dignidade da pessoa humana e contra Deus, fazendo dos nossos corpos instrumentos do mal, da corrupção, da degradação do ser humano? 3. Aqui, junto da Mãe de Jesus, viemos fortalecer a nossa esperança, a nossa fé e caridade, para sabermos viver em paz e hospitaleiramente com todos os nossos irmãos, sejam eles da nossa família ou de outros países, que aqui procuram o que não encontraram noutra parte. Connosco eles querem contribuir para a transformação das terras desertas e secas em terras povoadas e irrigadas com a linfa da vida. Apesar do desemprego e da crise financeira e económica que o mundo atravessa, a Europa já não consegue subsistir sem o contributo dos imigrantes. A redução da natalidade entre nós deixou muitas aldeias desertas e muitos sectores da vida social e laboral sem as forças activas necessárias. Há terras a transformar-se em matagais, com idosos ameaçados pelas chamas dos incêndios; há doentes à espera de uma companhia amiga, que lhe dê consolação e ajuda na sua debilidade; há herdades por cultivar e culturas a apodrecer nos campos por falta de mão de obra para trabalhos que os nossos jovens já não procuram. Mas não é só por motivos de ordem económica que devemos acolher ou tolerar os imigrantes, mas sim por que são pessoas humanas como nós, com direitos e deveres, são o nosso próximo, a quem os mandamentos de Deus nos mandam amar, como a Deus e a nós mesmos. 4. Aqui em Fátima, neste dia mundial dos migrantes e refugiados, sentimo-nos e somos de verdade uma grande família dos filhos de Deus. Como João junto da cruz, também nós acolhemos Maria como nossa Mãe no íntimo do coração. Aqui lhe prometemos fazer o que seu Filho, Jesus Cristo, nos disse ou disser, a ela recorremos em todas as nossas aflições. E, por certo, cada um de nós, sente as dificuldades de muitos companheiros de caminho pelas terras onde vivemos. Há muita gente a morrer de fome ou a viver em condições subhumanas e por isso anda pelo mundo à procura de um trabalho justamente remunerado. Alguns ficam pelos caminhos, no deserto, no mar ou nas fronteiras e são tratados como criminosos, só porque não resignaram a vegetar em países sem condições de vida humana. Outros caem nas mãos de exploradores sem escrúpulos, que roubam a sua dignidade e os usam para satisfazer os seus vícios. Muitos vivem e trabalham fora dos seus países, são vistos e tratados com inveja, como se fossem ladrões dos nossos empregos e do nosso pão. Outros ainda são obrigados a fugir das suas terras, para evitar a prisão, os maus tratos e a própria morte, vivendo como refugiados noutros países. E em todas estas categorias de migrantes podemos encontrar casos de maior ou menor violência, que nos deveria envergonhar de mais parecermos lobos e inimigos do que seres humanos e filhos de Deus. Manifestando a nossa solidariedade com todos os que sofrem, não devemos esquecer que o maior dom que podemos confiar-lhes é a restituição da sua dignidade de seres humanos, que o anúncio do Evangelho de Jesus Cristo confere. Por isso não lhes devemos faltar com o anúncio da boa nova, como Paulo o fez outrora. Por outro lado, em face da crise económica de que tanto se fala, que afecta o trabalho e as fontes de subsistência de muitas famílias, também de muitos imigrantes, por vezes até os primeiros a serem descartados, porque mais indefesos, não devemos fechar-nos no nosso egoísmo, mas antes fortalecer os laços da solidariedade. É em tempo de crise que se demonstra aquilo que somos, amigos e irmãos solidários nas alegrias e tristezas, na dificuldade e penúria, ou inimigos e adversários, pensando que o bem de todos impossibilita o nosso. 5. Amados peregrinos, a história da humanidade mostra-nos muito sofrimento causado pelo próprio homem, pelo pecado do homem, mas também nos aponta muitas tentativas de ajuda para mudança de rumo, para que não aceitemos o mal como uma fatalidade. Dentro da própria Igreja, nas nossas comunidades cristãs, há desavenças, invejas e rupturas. Ao longo dos séculos muitas feridas foram ficando abertas e esperam pela nossa medicina para cicatrizar. Uma dessas feridas entre os cristãos são as rupturas em diversas igrejas e confissões, reclamando-se do nome de Cristo, mas não cumprindo a sua vontade, como Ele a expressou na última ceia, na oração sacerdotal. Que todos sejam unidos como nós, Eu e Tu, ó Pai, o somos. Para que estas feridas se curem temos a medicina da oração. Por isso, com toda a Igreja e com as Igrejas ecuménicas começamos hoje o Oitavário de oração pela unidade dos cristãos. Que nenhuma comunidade e nenhum cristão deixe de elevar ao céu esta prece pela unidade. Ninguém está dispensado, se quer cumprir o pedido solene de Cristo no discurso da despedida. Olhando para Jesus Cristo e Maria, vemos neles a aurora da vitória do bem. Aqui em Fátima estamos mais sensíveis a estas mensagens, que Nossa Senhora repetiu de novo neste lugar há 92 anos e nos transmitiu através da linguagem simples dos três pastorinhos: convertei-vos, fazei penitência, rezai pela conversão dos pecadores, deixem de ofender a Nosso Senhor, rezai o rosário… então haverá paz, acabará a guerra, a Rússia converter-se-á…Continua a ser urgente a escuta deste apelo. Muitos continuam a chafurdar no pecado e até exigem a protecção da lei para as suas atitudes criminosas, egoístas, para a sua cultura do pecado e da morte. As guerras e as ameaças de novas guerras não são apenas do passado e do presente, mas serão uma realidade no futuro, se não nos convencermos todos que o testemunho da vida de Jesus é o único que pode salvar a humanidade e o mundo. Ele proferiu e viveu as bem-aventuranças, que nos desafiam a pautar por elas a nossa vida. Felizes os mansos, porque possuirão a terra. Felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. Felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia. Felizes os puros de coração, porque verão a Deus. Felizes os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus. Felizes os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o Reino do Céu (Mt 5, 5-10). 6. Irmãos peregrinos, Jesus Cristo chama-nos, interpela-nos, mas também nos acompanha e está connosco aqui, agora e sempre. Nesta celebração peçamos-Lhe que fortaleça a nossa esperança e o nosso empenho por um mundo melhor. Com Cristo, radicados n’Ele e em união uns com os outros, bispos, padres, consagrados, pais, filhos, jovens e adultos, seremos uma força, que nenhuma dificuldade fará recuar no compromisso de seguir Jesus. Aqui estamos, Senhor. Fazei de nós vossos mensageiros. Com Maria, que escolheu este lugar e os três pastorinhos para relembrar ao mundo o Evangelho, boa nova de salvação para todos, queremos também nós comprometer-nos a tomar como lema da nossa vida a resposta de Maria à vontade de Deus: faça-se em mim segundo a vossa vontade e como Jesus estar sempre prontos a repetir: eu venho, Senhor, para fazer a vossa vontade.

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Agência ECCLESIA

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