Repensar Lloret del Mar

Jorge Cotovio, secretário geral da Associação Portuguesa de Escolas Católicas

Lloret del Mar, pela Páscoa, e para nós portugueses, é sinónimo de tragédia. Este ano, mais um jovem morreu em viagem de finalistas.

Duas mortes semelhantes, nestes dois últimos anos, não deixam de ser sinal de qualquer coisa de estranho. Ademais em passeio, em diversão, em convívio.

Uma viagem de finalistas, sem acompanhamento de adultos, a estes paraísos mais ou menos baratos passou a ser moda, ou seja “um valor”, de há uns tempos para cá. Um costume que se iniciou em escolas urbanas e que rapidamente se alastrou a todas as escolas secundárias.

Na cabeça do jovem pulula o entusiasmo pela liberdade. Na sua mente, surgem espontaneamente palavras como férias, diversão, liberdade, convívio, piscina, praia, discoteca, música. Mas também na mente de muitos, não tenhamos dúvidas, emerge naturalmente o desejo de novas(?) experiências: álcool, droga(s), sexo e outras.

A mistura é, sem dúvida, explosiva. Todos sabemos que muitos destes jovens são bem-intencionados. E até se comportarão bem. Mas… estão criadas as condições para pisar o risco e até ultrapassá-lo.

Entendemos os jovens que vão. Querem, por uns dias, viver a vida à sua maneira, sem o controlo dos pais e dos professores. E quem não vai, não é moderno (e até pode ser marginalizado pelo grupo). Todos querem ser modernos e bem vistos pelos pares (porque “ser diferente” é mal entendido e custa muito, até no mundo dos adultos).

Entendemos os pais que deixam ir estes jovens. Para os pais permissivos, “modernos”, não há qualquer problema. Até apoiam os filhos. Para os pais mais preocupados (para não dizer “mais responsáveis”), será difícil convencer o filho ou filha a não ir. É que os argumentos são muitos, e com palavras meigas, um beijo à mistura, e a promessa de que tudo vai correr bem, convencem mesmo. E para os pais mais desconfiados, ainda há o argumento de que a amiga tal e o amigo tal, muito responsáveis, também vão. E os pais cedem mesmo, confiados minimamente que tudo corre bem (o que sucede, suponho, na maioria dos casos).

Mas quando menos se espera, cai a nódoa no melhor pano. Mesmo os jovens responsáveis, mesmo os filhos únicos muito acarinhados pelos pais, mesmo aqueles que nada faziam prever um desastre, falham, ou são vítimas. E não sabemos, é claro, quantos outros “desastres” acontecem, que não vêm nos jornais, mas que deixam marcas indeléveis no espírito e no corpo de muitos jovens, com consequências para toda a vida.

Urge repensar a educação. A educação de casa, onde tudo começa e (quase) tudo se joga: o amor e carinho dos pais desde o nascimento (desde a conceção!) dos filhos; o tempo dado para o devido acompanhamento do crescimento (sem exageros protecionistas, claro); a progressiva responsabilização das tarefas; a educação para o trabalho, para o esforço, para a renúncia; a autoridade merecida dos pais, que inclua no léxico quotidiano a palavra “não”; o controlo discreto da vida dos filhos (sem, contudo, asfixiar a gradual autonomia do adolescente/ jovem); uma sã educação para a sexualidade; uma adequada educação para os valores do espírito (mais eficaz quando há um testemunho de vida cristã dos pais).

Mas a educação continua na escola. E aqui, neste lugar mítico onde o jovem passa a maior parte do tempo “útil” do dia, há que rever os valores que são transmitidos, não só pelo projeto educativo (e neste âmbito não haverá muito a mudar, uma vez que lá costumam estar registados valores muito bonitos), mas pelos programas das disciplinas e, sobretudo, pelos educadores (é na sala de aula que se joga muita coisa fundamental, plasmada pela atitude do professor, pela relação que cria, pelo que diz, pelo que faz).

Também a Igreja deve ter um papel importante. Outrora era mesmo fundamental. Mas terá de repensar as formas de não deixar fugir os cada vez menos adolescentes e jovens que frequentam a catequese e grupos juvenis. Talvez alguma adaptação da linguagem, talvez um maior investimento da pastoral juvenil, talvez uma imagem mais alegre e verdadeira da Igreja. Talvez um melhor testemunho de vida dos cristãos e, de entre estes, dos consagrados (que, quer queiramos, quer não, continuam a ser a imagem da Igreja).

Creio que duas mortes em dois anos vão fazer repensar estas viagens. Creio que as próprias escolas secundárias, em cumplicidade com as famílias, não vão mais aceitar mais que estes passeios se façam sem o acompanhamento (agradável, claro) de educadores, especialmente professores. Mesmo assim podem suceder desgraças. Mas vão ser, certamente, em menor número. E se a montante forem incrementadas algumas das medidas, do senso comum, aqui apontadas, creio que o panorama futuro se alterará profundamente. E deixaremos de ter tantos jovens (e familiares, e amigos) marcados negativamente por viagens que assinalam não só o “fim” do curso, mas também o fim de muitos sonhos e, às vezes, da própria vida.

Jorge Cotovio, diretor do Colégio Conciliar de Maria Imaculada, secretário geral da Associação Portuguesa de Escolas Católicas 

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