Renovação da arquitectura religiosa sob o signo de Fátima

De Fátima a Fátima: o percurso da renovação da arquitectura religiosa em Portugal ao longo das últimas décadas decorreu sob o signo do maior acontecimento religioso do século XX no nosso país. De facto, a obra do arquitecto greco-ortodoxo Alexandros N. Tombazis atinge uma notoriedade que só Fátima lhe poderia dar e coroa um ciclo de edificações da Igreja Católica que ficam para a história da arquitectura em Portugal, na linha do que tem sido tradição ao longo dos séculos. A novidade das igrejas contemporâneas, que choca muitas vezes com definições preconcebidas do que seja uma construção religiosa, explica-se pelas tendências da própria arquitectura dos nossos dias, em particular pela utilização de novos materiais como o betão ou o vidro, com primazia para o aspecto funcional. A acentuação do carácter de serviço comunitário da comunidade cristã, a valorização da participação dos fiéis, a preponderância da reunião da assembleia, tudo isto leva ao ensaio de novos esquemas e conceitos na construção religiosa. A utilização de materiais tradicionalmente considerados como menos nobres (o betão, o vidro) e o primado da funcionalidade nas edificações são apenas a face visível de um fenómeno de renovação que em Portugal deu os primeiros passos com o trabalho de Pardal Monteiro e a sua Igreja de Nossa Senhora de Fátima, em Lisboa, edificada entre 1934 e 1938: primeira a desafiar os códigos tradicionais revivalistas, baseando-se nos projectos franceses do género, (onde se destaca a igreja de Notre Dame du Raincy, do Arq. Auguste Perret, 1922, utilizando o betão armado e simplificando as formas). Esta igreja conseguiu atrair os mais destacados nomes dos artistas plásticos modernistas, como Almada Negreiros e Francisco Franco. Obras como esta ou a sua homónima, no Porto (1935, a cargo do grupo A.R.S. – Cunha Leão, Fortunato Cabral e Morais Soares) e os seus opostos revivalistas e regionalmente estilizados de São João de Deus, Santo Condestável e São João de Brito, em Lisboa, lançaram uma viva discussão e originam as tomadas de posição muito antagónicas, entre o conservadorismo e o desejo de renovação. As primeiras obras de referência destes tempos são a Igreja de Santo António, (Arq. João de Almeida e António Freitas Leal, Moscavide, 1953), onde é visível uma austera simplicidade como primeiro ensaio de funcionalismo litúrgico e das linhas modernas da arquitectura; a Igreja paroquial de Águas, (Arq. Nuno Teotónio Pereira, Diocese da Guarda, 1950-57), marco da modernização da arquitectura religiosa pela opção declarada de “aproximação ao contexto e às formas vernáculas” e a Capela do Picote, junto à barragem hidroeléctrica com o mesmo nome, (Arq. Manuel Nunes de Almeida, Trás-os-Montes, 1958). Aquilo que se pretendia de um edifício religioso, por esta altura, é que respondesse às necessidades do culto, organizando o espaço em torno do altar. Este espaço era comunitário e traduzia, de modo plástico, a Assembleia dos fiéis, reunida para celebrar. A linguagem passou, então, da ideia de “igreja-templo” para a de “centro paroquial”, enquanto conjunto de espaços em redor da igreja, entendida como “domus ecclesiae” (casa da igreja). Desenvolvidos e experimentados, estes princípios tiveram uma materialização exemplar na Igreja do Coração de Jesus, em Lisboa, nos anos 60. Nessa mesma década, a igreja de S. Mamede de Negrelos, em Santo Tirso (arq. Luiz Cunha, em colaboração com Ferreira Pinto, 1966), foi considerada na época um verdadeiro “ponto de viragem”, pelo modo como são manipulados os processos construtivos da tradição, com uma expressão contemporânea de total coerência formal. No Centro de Caridade do Perpétuo Socorro (1966-1970), no de Nevogilde (1966-1967) e na igreja paroquial do Carvalhido (1967-1976), projectos situados todos no Porto, Luiz Cunha aplicava o princípio, então corrente, de estabelecer uma clara distinção entre o espaço religioso – a igreja – e o espaço profano – o centro paroquial. Esta convenção iria ser ultrapassada na Igreja de Santa Joana Princesa, em Aveiro (1971-1976): o espaço da igreja passava a ser multifuncional. A diversidade de abordagens pessoais iria dominar esta época. Nos finais do século XX veio a afirmar-se uma procura de limpidez formal e espacial, de abstracção e essencialidade geométrica, seja em obras de pequena escala por todo o país – capela funerária do cemitério de Freamunde, em Paços de Ferreira (arq. P. Aroso, J. P. Guimarães, 1981-1986), pequena igreja em Albergaria dos Fusos, Cuba (arq. Vítor Figueiredo, J. Pinto, 1991) – , seja com maior desenvolvimento programático – no Convento e Centro Cultural Dominicano, em Lisboa (arq. P. Providência, F. Gonçalves, N. Machado, 1989-) e no complexo paroquial de Marco de Canaveses, de Álvaro Siza Vieira (com Rolando Torgo, 1990-1995). No caso de Fátima, as exigências contemporâneas de singeleza, limpidez e funcionalidade da igreja parecem ter sido asseguradas, dado que é preciso que o edifício apareça como um elemento capaz de unir num mundo fragmentário, suprimindo o supérfluo e fazendo do interior a referência principal. Espaços de uma igreja A igreja, que se constrói para congregar e acolher a assembleia que aí se reúne para celebrar a Eucaristia, orar em conjunto, receber os sacramentos e escutar a Palavra de Deus, um lugar de encontro de cada um consigo próprio e com os irmãos, e de todos com Deus. Sendo lugar de celebração comunitária e festiva, é igualmente lugar de silêncio, recolhimento, meditação e oração. Desde o início do Cristianismo que, em diversos períodos e ambientes geográficos e culturais, se tentaram encontrar soluções adequadas para traduzir arquitectonicamente a ideia de Igreja. A passagem da dimensão familiar e doméstica à multidão de fiéis, faz crescer a aula. O seu carácter sempre justificou o natural desejo de que, pela especial dignidade e beleza, se distinga dos edifícios comuns, assumindo uma carga simbólica que não pode dispensar a participação das artes, desde a arquitectura até às chamadas artes decorativas (ourivesaria, cerâmica, marcenaria, têxteis, etc.), passando pelas artes visuais da pintura e da escultura e pela própria música. As diferentes épocas e culturas foram determinando a expressão, o estilo, as formas e até mesmo a codificação de regras ou normas a respeitar. É assim que, em grande parte, a história da arte e a história da Igreja foram caminhando a par e interagindo. A reforma do II Concílio do Vaticano (1962-1965) confirmou uma nova atitude, com a qual se produzem espaços e objectos com beleza e espírito religioso, iluminados por novos cânones artísticos. A aula A aula ou sala da assembleia corresponde aos ritos e à perspectiva de Igreja, articulada em ministérios, exigente de uma participação activa dos fiéis. Desde a planta basilical insistia-se na orientação longitudinal, com separação do altar pela cota dos pavimentos. Hoje cada membro do Povo de Deus tem valor reconhecido na celebração, realçando a visibilidade e proximidade do centro, que é Cristo, representado pelo altar, pela palavra e pela sede do presidente da celebração. Presbitério, nave Há dois elementos fundamentais no espaço: – O presbitério, onde se situa o altar, o ambão e a sede. Este é o lugar dos presbíteros e de todos os ministros litúrgicos, estando muitas vezes num plano superior relativamente à nave. – A nave (que pode dividir-se em nave central e laterais, quando separadas por colunas), onde se reúnem os fiéis. Esta parte tem várias formas, que nas igrejas novas são o seu traço identificador: rectangular, quadrangular ou em semicírculo. A nave tem bancos ou cadeiras para os fiéis. Sacrário Nos primeiros tempos da Igreja, o pão consagrado para as pessoas doentes guardava-se numa caixa fechada, na sacristia. Depois, cada igreja passou a ter uma capela do Santíssimo Sacramento, na qual se guardava a hóstia consagrada num cofre, que se chama sacrário. O sacrário encontrar-se, muitas vezes, no presbitério, mas há indicações para que as novas igrejas encontrem um lugar próprio para a Capela do Santíssimo, que serve ainda apara espaços pessoais de oração e de silêncio. Ambão O ambão é o lugar elevado onde se proclama a Palavra de Deus com solenidade. A elevação que lhe corresponde facilita a transmissão da Palavra e a visibilidade do leitor: aí se anuncia a salvação e a ressurreição de Cristo. Este lugar esteve desvalorizado durante largo período, retomando esplendor após a reforma conciliar do século XX. Unido ao ambão está o candelabro ou círio pascal. Altar O altar cristão tem origem não nos altares dos sacrifícios das antigas religiões, mas na mesa da Última Ceia de Cristo. Na reforma conciliar, o altar é sinal de Cristo, mais do que objecto meramente útil. É mesa à volta da qual Cristo quis comer a Páscoa. Ocupa portanto lugar focal, convergente, irradiante. Deve ser rodeado de espaço livre para criar a família, comunhão, intimidade. Cadeira presidencial Esta é a cadeira (sede) onde se senta o presidente da celebração. Ela deve distinguir-se de todas as outras que existem na igreja, com uma localização de relevo. Dos focos do ambão e do altar decorre a sede, como terceiro elemento determinante do presbitério, embora actualmente sem balaustradas de divisão entre este lugar e a nave. É o acto de celebrar que deve envolver todos os lugares e facilitar os movimentos.

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