O «Directório sobre a piedade popular e a Liturgia» publicado pela Congregação para o Culto Divino e a disciplina dos Sacramentos em 2001 [editados em português pelas Edições Paulinas e pelo Apostolado da Oração em 2003] sublinha que a piedade popular se compraz na devoção a Cristo Crucificado. Contudo – adverte-se no n. 128 – «a piedade para com a Cruz precisa, frequentemente, de ser esclarecida. Importa, na verdade, mostrar aos fiéis a referência essencial da Cruz ao acontecimento da Ressurreição: a Cruz e o sepulcro vazio, a Morte e a Ressurreição de Cristo são inseparáveis na narração evangélica e no desígnio salvífico de Deus». É conhecido e prezado o grande envolvimento do povo nos ritos da Semana Santa, alguns dos quais conservam marcas de proveniência popular. Deve, porém deplorar-se e corrigir-se o «paralelismo celebrativo» que no decurso dos séculos se introduziu, tendo como resultado «dois ciclos com formulações diferentes: um rigorosamente litúrgico, o outro caracterizado por exercícios de piedade peculiares, especialmente as procissões» (n. 138). À pastoral da Igreja compete superar esta divergência apostando decididamente numa «correcta harmonização das celebrações litúrgicas e dos exercícios de piedade. De facto, relativamente à Semana Santa, a atenção e o amor pelas manifestações de piedade, tradicionalmente tão queridas do povo, devem conduzir à necessária estima pelas acções litúrgicas, certamente sustentadas pelos actos de piedade popular» (n. 138). A propósito da celebração do Domingo de Ramos, o Directório conhece o apreço da piedade popular pelos ramos de oliveira ou de outras árvores benzidos nessa ocasião e levados na procissão. Mas preconiza: «é preciso que os fiéis sejam instruídos sobre o significado da celebração, para que se compreenda o seu sentido. Será oportuno, por exemplo, insistir em que aquilo que é verdadeiramente importante é a participação na procissão e não obter apenas a palma ou o raminho de oliveira; que estes não se devem conservar à maneira de amuletos … o que poderia ser uma forma de superstição. A palma e o raminho de oliveira são conservados, antes de mais, como testemunho da fé em Cristo, rei messiânico, e na sua vitória pascal» (n. 139). Em relação à Quinta-Feira Santa, corrige-se algum equívoco que se introduziu na piedade popular no culto ao Santíssimo Sacramento após a Missa na Ceia do Senhor. O lugar da reposição não é, de modo algum, um «santo sepulcro». Deve explicar-se aos fiéis «o sentido da reposição: realizada com austera solenidade e orientada essencialmente para a conservação do Corpo do Senhor, tendo em vista a comunhão dos fiéis na Acção litúrgica da Sexta-Feira Santa e para o Viático dos enfermos, é um convite à adoração, silenciosa e prolongada, do admirável Sacramento instituído neste dia. Portanto, em referência ao lugar da reposição, evite-se o termo “sepulcro” e, ao prepará-lo, não se lhe dê o aspecto de um lugar de sepultura; de facto, o tabernáculo não deve ter a forma de um sepulcro ou de uma urna funerária: o Sacramento deve ser guardado num tabernáculo fechado, sem fazer a sua exposição com o ostensório. Depois da meia-noite da Quinta-Feira Santa, a adoração realiza-se sem solenidade, tendo já iniciado o dia da Paixão do Senhor» (n. 141). «Entre as manifestações de piedade popular da Sexta-Feira Santa, além a Via-Sacra, sobressai a procissão do “Senhor morto”. Ela volta a propor, nos módulos próprios da piedade popular, o pequeno cortejo de amigos e discípulos que, depois ter deposto da Cruz e corpo de Jesus, o levam ao lugar em que estava “o sepulcro talhado na rocha, onde ainda ninguém tinha sido sepultado” (Lc 23, 53)» (n. 142). O Directório adverte: «é preciso que essa manifestação de piedade popular nunca apareça aos olhos dos fiéis – nem pela escolha da hora nem pela modalidade da convocação destes – como um sucedâneo das celebrações litúrgicas de Sexta-Feira Santa. Portanto, na programação pastoral da Sexta-Feira Santa dever-se-á dar o primeiro lugar e o maior relevo à solene Acção litúrgica, esclarecendo também os fiéis que nenhum outro exercício de piedade poderá objectivamente substituir na sua estima esta celebração. Por fim, para não cair num distorcido hibridismo celebrativo, evite-se a integração da procissão do “Senhor Morto” no âmbito da solene Acção litúrgica da Sexta-Feira Santa» (n. 143). Esta formulação põe em realce o critério que deve orientar a correcta harmonização entre os vários exercícios da piedade popular e a Liturgia: acolher e preservar os valores da piedade popular, orientando-os para o justo apreço e envolvimento participativo de forma complementar e integrada tanto nas acções litúrgicas como nos actos de piedade, sem ostracismos, nem hibridismos. secretariado Diocesano de Liturgia do Porto