Refugiados: «O Ocidente deve começar a ajudar na origem e não no destino final» – D. Ignace Dogbo

Presidente da Conferência Episcopal da Costa do Marfim abordou situação do país depois da guerra civil

Foto Fundação AIS

Lisboa, 01 ago 2018 (Ecclesia) – A convivência pacifica entre cristãos e muçulmanos na Costa do Marfim é um exemplo e um sinal de uma nova era para aquele país africano, depois de vários anos de guerra civil e de instabilidade social e política.

Numa entrevista publicada hoje pela Fundação Ajuda a Igreja que Sofre (AIS), o presidente da Conferência Episcopal da Costa do Marfim destaca o facto de “aqui as religiões coexistirem pacificamente”, como “uma grande família”.

Isto apesar da diversidade que marca o território (mais de 60 etnias presentes), com uma maioria dividida entre o Cristianismo e o Islão, também com uma faixa, embora menor, de católicos, no norte do país, e “muitos seguidores de religiões tribais”, explica D. Ignace Dogbo.

Como é que esta convivência foi atingida? E sobretudo, como é que ela não tem sido ameaçada pelos conflitos ao longo dos últimos anos?

De acordo com o também bispo da Diocese de Katiola, a chave do sucesso esteve em primeiro lugar no plano político, com a ação do primeiro presidente da Costa do Marfim, depois de conquistada a independência do domínio francês.

Félix Houphouët-Boigny, que governou o país entre 1960 e 1993, “fez muito a favor do diálogo inter-religioso. Certificou-se de que fosse construída uma mesquita e também uma igreja no mesmo lugar. Isso promoveu a coexistência pacífica”, salienta D. Ignace Dogbo.

Um trabalho que tem tido continuidade ao longo dos anos, também depois da guerra civil, com responsáveis políticos a implementarem “duas comissões de reconciliação” e a nomearem “bispos para cargos importantes”.

No entanto, ainda é preciso trabalhar mais na recetividade destes esforços, junto das populações locais.

“As comissões, formadas por membros das várias partes em conflito, etnias e religiões, trabalharam muito e fizeram várias sugestões. Mas foram ignoradas. Deste modo, a Igreja teve que intervir. Sozinhos não podemos alcançar a reconciliação, mas talvez possamos iniciar um processo na sociedade”, sustenta o presidente da Conferência Episcopal da Costa do Marfim.

Nesse sentido, a Igreja Católica local preparou “um novo plano pastoral” para o período entre 2019 e 2023, com “alguns passos concretos”.

“O primeiro passo para a reconciliação é a união. Unidade para dentro e para fora – esse é o caminho que os marfinenses devem seguir agora. Queremos formar 30 padres em todo o país para que sejam mediadores e possam ajudar quando houver conflitos nas regiões ou comunidades. Um outro passo é intensificar o contacto com outras denominações cristãs e com os Muçulmanos”, realça D. Ignace Dogbo.

No diálogo com este responsável católico, dois outros pontos sobressaíram: a crise dos refugiados e a ameaça dos extremismos religiosos e

Sobre a questão dos refugiados, aquele responsável defende que “o Ocidente deve começar a ajudar na origem e não no destino final” destas pessoas, ou seja, é preciso ajudar as pessoas em África e não apenas quando chegam à Europa”.

Muitos jovens da Costa do Marfim também têm batido à porta do Velho Continente, lançando-se numa “viagem perigosa, primeiro através da Líbia, depois atravessando o Mar Mediterrâneo”.

“Alguns deles são pequenos agricultores que não conseguem preços justos para os seus produtos, como o cacau. São tratados como escravos. O Ocidente poderia fazer a diferença pagando preços justos para que essas pessoas vivessem do seu trabalho. Então não emigrariam. Uma política de comércio justo é a melhor forma de ajuda aos países em desenvolvimento!”, aponta o bispo de Katiola.

Quanto à questão dos extremismos religiosos, D. Ignace Dogbo destaca a tendência islâmica que começa a fazer-se notar na Costa do Marfim, de forma mais evidente, vinda de territórios vizinhos “como o Mali e a Nigéria”.

Verifica-se “por exemplo esforços para garantir que haja mais casamentos entre homens muçulmanos e mulheres cristãs”.

“As mulheres, então, são obrigadas a converter-se e as crianças recebem uma educação muçulmana”, contextualiza.

Por outro lado, “muitos empresários de Marrocos começaram a investir no país e a privilegiar os parceiros muçulmanos”.

“Também tentam atrair os jovens cristãos com dinheiro: Damos-te trabalho mas, em troca, deves converter-te ao Islão”, sublinha D. Ignace Dogbo, que frisa o esforço que a Igreja Católica tem feito para “travar esse tipo de campanha, apoiando projetos que permitam aos jovens criar redes entre eles e encarregar-se da sua própria educação”.

A falta de mais vocações e de melhores infraestruturas, igrejas, seminários e outras instalações pastorais, são outros desafios da Igreja Católica naquele país africano.

JCP

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