Rainha e Clarissa

670º aniversário do passamento da Rainha Santa Isabel Ocorrendo neste ano de 2006 o 670º aniversário do passamento da Rainha Santa Isabel, sucedido a 4 de Julho, dia tido como da sua memória litúrgica bem como dia que a cidade de Coimbra lhe dedica como sua Padroeira, hei por bem escrever estas parcas linhas; não que a sua história alembrada precise de ser, tal como a sua memória, mas antes e apenas tidas como uma singela saudação ou lembrança à sua pessoa (1). Nascida c. 1270, a Princesa Isabel, filha mais velha do rei de Aragão Pedro III, cedo enfrentou pela primeira vez na vida a tarefa de (tentar) apaziguar entre si mal-avindas hostes. Certo dia foi a jovem princesa chamada à presença de seu régio pai a fim de tomar conhecimento do destino que entretanto a esperava. “Aqui estou, Senhor meu pai, digno rei de Aragão, em resposta ao Vosso chamamento”, disse a jovem ao apresentar-se diante da Sua pessoa. “É chegado o momento de tomardes conhecimento dos caminhos que o futuro vos reserva. Andam os reinos de França e da Península Hispânica então em desavença uns com os outros. Avisado por Filipe III de França, hei por bem conceder a vossa mão a D. Dinis, ilustre e mui digno Rei de Portugal. É nossa intenção deste modo aquietar os entre si desavindos reinos”. “Seja feita a real vontade de Vossa Alteza, Senhor meu rei e pai, que esta Vossa humilde súbdita aceita com submissão”. Ajustados foram então os esponsais em Barcelona em 11 de Fevereiro de 1282 por mandatários do luso rei, que os veio a confirmar cerca de dois meses depois, após o que D. Isabel se meteu ao caminho com sua comitiva a fim de alcançar o seu novo reino. Entrada que nele foi pela brigantina raia, continuou então até à vila de Trancoso, onde a esperava seu concertado esposo: “Bem-vinda sejais ao vosso novo reino, minha benquista e jovem [de 12 anos] esposa”. “Mui grato me é estar por fim junto de Vossa Alteza, meu Senhor e esposo. Convosco partilharei a minha vida a partir deste momento”. “Celebraremos agora nossos esponsais nesta mesma praça, a qual vos é por mim doada nesta mesma ocasião”. “Honrada me sinto por vós, amo do meu coração, ora me fazerdes semelhante doação. Mui grata me sinto com vossa nobre deferência”. Na tarde do dia 15 de Outubro desse ano de 1282, chegada que foi à corte portuguesa, então sediada em Coimbra, e tendo-se abeirado da varanda da Alcáçova, espraiou a novel rainha seu olhar pelos campos do Mondego e seus salgueirais. Deslumbrada com semelhante vista, então pintada de outonais cores, exclamou arrebatada: “Serei quiçá uma das primeiras pessoas rendidas aos encantos de tão bela cidade. E segura estou que pelos tempos fora, pelos séculos vindouros todo aquele que da mesma se abeirar, dela ficará enamorado para todo o sempre”. Os dois filhos do régio casal em seu devido tempo surgiram. Mais afamado ficou porventura o filho varão D. Afonso, sucessor de el-rei D. Dinis e pai daquele D. Pedro que se deixou enfeitiçar pela formosura de Inês de Castro. Pela sua religiosidade e cristãs obras que houve por bem praticar então, em breve D. Isabel fez jus ao epíteto de “Rainha Santa”. Curava D. Dinis, seu esposo, de terrenas cousas e causas, enquanto ela se dedicava a alimentar o espírito e o corpo dos mais necessitados e às ditas espirituais causas. Neste campo houve ela por bem fazer erigir nos terrenos da margem esquerda do rio Mondego o Mosteiro de Santa Clara(-a-Velha). Houve ela ainda por bem apaziguar intestinas lutas e desavenças entre régios familiares, ora nas terras de onde oriunda era, ora no luso reino a que passara a pertencer por e desde o consórcio com o esposo por seu pai escolhido. Após o acabamento de seu extremoso consorte, recolheu D. Isabel ao seu palácio real de Santa Clara e passou a envergar o hábito de clarissa, embora sem esquecer a sua pacificadora tarefa, por via da qual se veio a finar em Estremoz a 4 de Julho de 1336, uma quinta-feira, à noite, quando acorria a fazer uma tentativa de apaziguamento entre os desavindos D. Afonso IV de Portugal, seu filho, e neto Afonso XI de Castela, vitimada pelo estival calor alentejão e pelo carbúnculo contraído durante a jornada. Contrariando aqueles que diziam dever o corpo da rainha permanecer em paz naquelas terras alentejanas, seu filho el-rei D. Afonso IV fez respeitar a vontade materna, que escolhera a cidade de Coimbra para descansar para sempre em túmulo de pedra, no já referido mosteiro de Santa Clara. Só que o mesmo depressa começou a ser alvo de “cobiça” por parte do rio Mondego que, dele se assenhoreando, o foi assoreando, soterrando-o e submergindo-o gradualmente. Por via deste sucedido as freiras Clarissas tomaram entrementes a decisão de mandar construir, por meados do século XVII, um novo mosteiro no alto da colina de Santa Clara, para o qual se fez em 1696 a trasladação do incorrupto corpo da rainha. Lá repousa em urna de prata e cristal, mesmo por trás da sua imagem, cimeira ao altar-mor. De dois em dois anos, no início do mês de Julho, daí desce até à cidade levada em penitente procissão numa quinta-feira à noite e aonde regressa em solene procissão na tarde do domingo seguinte. Nestas suas visitas à Baixa da coimbrã urbe foi a (imagem da) Rainha constatando o abandono a que seu primitivo mosteiro fora votado, assim condenado, semisoterrado e submerso, enquanto ouvia as preces de um novo milagre seu. A Santa houve por bem atender as preces dos crentes seus devotos e iluminou a mente dos deliberantes, os quais restituíram ao monumento a dignidade de que ele próprio mai-la urbe são merecedores. “Dada a dimensão do milagre, estamos crentes que estas rosas jamais murcharão” (2). 1 Por parte de quem veio ao mundo a escassas duas ou três centenas de metros do Mosteiro de Santa Clara-a-Velha e à vista do mesmo, e por essas bandas errou durante mais de uma vintena de anos. 2 De “Um Milagre da Rainha Santa”, in “Histórias de um Professor e Outros Quadros Vivos”. Nota: Os diálogos e o monólogo inseridos neste texto são fruto da imaginação do seu autor, embora alicerçados nos factos históricos que lhes estão subjacentes. Bernardino Costa Bibliografia consultada: VERBO — Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, Volumes VI, 1967, e XI, 1971. Borges, Nelson Correia — “Coimbra e Região”, Editorial Presença, 1.ª edição. Lisboa 1987. Costa, Bernardino Luís — “Histórias de um Professor e Outros Quadros Vivos”, Edições Casa do Professor, Braga 2003.

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