Quem te conhece melhor: Deus ou o Facebook?

Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor

A conectividade gratuita tem um preço. Actualmente, as grandes companhias de informação, como a Google, Facebook, Amazon, etc., sabem mais sobre nós do que nós sabemos sobre nós próprios. Eu pensava que apenas a Deus atribuía esta característica.

O documentário recente produzido pela Netflix, Nada é Privado, leva-nos a pensar no relacionamento que temos com a tecnologia e como essa afecta o nosso comportamento. Ainda que te consideres ser parte do grupo de pessoas que não se deixa influenciar pelos anúncios e conteúdos que gratuitamente são oferecidos no Facebook, há uma parte significativa de pessoas que se deixa influenciar. E como vivemos numa sociedade democrática, o modo como o comportamento de uma parte das pessoas é influenciado pode afectar o modo como é narrada a nossa história. Não é preciso mais do que 0.1% para que um partido ganhe. Para a população Portuguesa de cerca de 10 milhões, isso significa apenas 10000 pessoas. Não é muito. Se uma empresa (spoiler) como a Cambridge Analytica, ou um grupo extremista com recursos económicos (como no caso da Rússia), consegue “orientar” as intenções de voto de um país como os Estados Unidos, será que isto põe em causa a democracia?

Ninguém quer saber. Por que razão haveria de abdicar de partilhar as minhas alegrias e tristezas com os meus amigos do Facebook, prescindir da dopamina que recebo com Likes, ou prescindir das buscas que faço no Google que me mostram cada vez mais e melhor o que procuro naquele momento? Não faz sentido e tudo parece apenas uma teoria da conspiração para animar o nosso dia. Será?

A tecnologia associada às redes sociais não surgiu com o intuito de controlar as pessoas, mas de as conectar. O ser humano é um ser relacional. Por isso, é normal que em tão pouco tempo milhares de milhões de pessoas tenham aderido às redes sociais como o Facebook, Twitter, Instagram (agora parte do Facebook), ou mesmo ferramentas de comunicação como o WhatsApp que estão numa categoria entre serem um chat e uma rede social através dos grupos que criamos. Mas se isso leva a que pessoas sem qualquer referência moral se apropriem dos nossos dados e usem a análise dos padrões de comportamento para os alterar no sentido que desejam, estamos diante de um cenário que antes fazia parte dos livros ou séries de ficção. Aliás, a alteração de comportamento através da análise dos dados pessoais de milhões de pessoas devia ser considerado como um arma de micro-destruição.

Como lidar com este cenário é o desafio que temos diante de nós.

De facto, quando me referia ao facto de Deus saber mais sobre nós do que nós sabemos sobre nós próprios, queria dizer que Deus conhece-nos intimamente. Mas ao dar-me conta de que o conhecimento e modelos que temos hoje sobre análise comportamental a partir dos dados pessoais que empresas como Facebook dispõem, permite-me dizer o mesmo, deixou-me um pouco confuso. O que é bom. Não há nada como algo que nos tira da zona de conforto para nos impelir a aprofundar melhor o pouco que conhecemos de Deus.

Deus conhece o nosso íntimo, mas não só. Deus compreende o nosso íntimo melhor do que nós o compreendemos. Dito de outra forma, Deus percepciona o nosso íntimo melhor do que a percepção que temos de nós próprios.

O modo como interpretamos a realidade depende do fluxo de informação que circula, e daí a capacidade que certas companhias têm de alterar o nosso comportamento através de anúncios e vídeos especialmente dirigidos a nós. Mas o modo como vivemos a realidade não depende apenas do modo como a interpretamos, incluindo, também, o modo como a percepcionamos. E a percepção depende do fluxo da consciência. Quanto mais nos damos conta, e estamos cientes, daquilo que nos envolve e afecta, mais conscientes nos tornamos de nós mesmos e das nossas escolhas, bem como do efeito que essas podem ter na narrativa humana.

Quando o fluxo da consciência é menor do que o fluxo de informação significa que nos tornamos mais consumidores de informação do que questionamos a informação que circula. E o resultado de qualquer excesso de consumo é a obesidade, neste caso, a obesidade digital que afecta a nossa personalidade. Tornamo-nos autómatos por sermos controlados pelo vídeo, anúncio, comentário, link que nos oferecem a seguir e clicámos. E gastamos um tempo sem fim no consumo de informação ficando com a sensação de estarmos em cima do acontecimento quando, na realidade, somos nós o acontecimento que alguém quis controlar.

Despertar a consciência é o que aumenta o seu fluxo. E isso consegue-se aprendendo a questionar o que lemos, a diminuir o consumo de informação, sobretudo através das redes sociais, e a dedicar mais tempo à escuta do nosso íntimo. E a razão é simples.

Deus habita no íntimo de cada um de nós.

É esse o motivo pelo qual Deus nos conhece e compreende bem, melhor do que qualquer empresa que domine os nossos dados. Pois, por mais que partilhemos, nunca partilhamos tudo ou da melhor forma. A percepção que as empresas de dados (Big Data) têm de nós pode-se alinhar com os nossos desejos, mas nem sempre o que desejamos é o que nos constrói, faz felizes, ou nos evolui como seres humanos. Porém, no íntimo está toda a verdade e o facto de Deus habitar o nosso íntimo é o que Lhe permite entrelaçar-se connosco, dando-nos a possibilidade de viver a Verdade.

Escutar o íntimo significa dar espaço à escuta d’Aquele que nele habita. Aquele que quer sempre o melhor para nós sem colidir com o melhor para os outros, apesar das diferenças, ou ainda com o melhor para o mundo que nos rodeia que faz, também, parte da Sua criação.

A nossa vida precisa de mais espaço para a quietude; do que tempo para as redes sociais. Aliás, no documentário que recomendo ao leitor está explícita parte da razão pela qual deixei as redes sociais: o direito humano à posse dos seus dados que não existe ainda.

A criação de espaço e tempo para estar com a nossa intimidade é a solidão que Jesus terá experimentado no deserto que precedeu o seu apostolado que mudou o curso da nossa História. Uma solidão que não isola como o nosso ecrã, mas liberta o nosso horizonte para sermos de novo livres para olhar em frente e à nossa volta.

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