Que pastoral em tempo de Verão?

Se o Verão sugere um certo abrandamento da acção pastoral da Igreja, considerada sob ponto de vista do ritmo da normalidade do quotidiano, como uma espécie de interregno à espera de um novo ciclo, isso não deverá significar ausência de projecto na programação anual das comunidades cristãs.

Entendamo-lo, outrossim, como um tempo de especial atenção, a solicitar, por isso mesmo, uma particular resposta pastoral.

A Igreja, consciente da sua missão de “sal” e “luz” do mundo, portadora de um desígnio de salvação universal, cedo se foi dando conta das sementes de revelação subsistentes nas culturas dos povos e, por isso, ainda que nem sempre com a melhor resposta, foi-se-lhe  impondo a pedagogia do diálogo como via privilegiada na sua acção evangelizadora.

Foi assim, por exemplo, que múltiplas tradições culturais de natureza cósmica e outras, foram aproveitadas para potencializar o anúncio do mistério cristão. Basta-nos lembrar o 25 de Dezembro que, para os cristãos, deixa de ser a festa do nascimento do sol para ser assumido como o dia do nascimento de Cristo, sol invicto. Também a Páscoa oferece o seu contexto agrícola e pastoril do ciclo da Primavera para se impor como memória da vida nova, presente no acontecimento do êxodo libertador do povo de Deus e, consequentemente, na passagem de Jesus Cristo deste mundo para o Pai, pela morte, sepultura e ressurreição.

Este diálogo continua-se, e, no nosso hoje, em que a sociedade industrial, urbana e técnica, tem vindo a provocar alterações profundas nos comportamentos e estilo de vida do homem contemporâneo, não esteve ausente na reflexão da Igreja na sua procura de discernimento dos sinais dos tempos. A estas mudanças, de facto, alude, com lucidez, a constituição Gaudium et Spes, nestes termos: “As condições de vida do homem moderno sofreram tão profunda transformação no campo social e cultural, que é lícito falar de uma nova era da história humana. Novos caminhos se abrem assim ao progresso e difusão da cultura, conferindo-lhe uma nova expressão (…) As maneiras de viver e os costumes tornaram-se cada vez mais uniformes; a industrialização, a urbanização e outras causas que favorecem a vida comunitária, criam novas formas de cultura (cultura de massas), de que resultam novas maneiras de sentir e de agir e de utilizar o tempo livre” (GS. 54).

O fenómeno da mobilidade humana está cada vez mais presente na vida de todos nós, sem dúvida como uma das consequências da globalização.

A mobilidade, enquanto pausa oportuna e confortante para a pessoa se encontrar consigo própria, com os outros, com a beleza, com novas realidades e culturas, é sempre possibilidade de enriquecimento, promoção e elevação. Torna-se, assim, uma válida cultura do ócio que, para os cristãos, se traduz também em tempo de encontro com Deus, tempo de enriquecimento libertador, tempo de comunhão e fraternidade, tempo de testemunho e partilha da fé.

 

Educar para esta dimensão de mais alargado entendimento e vivência do tempo livre, faz parte da acção evangelizadora da Igreja e, por isso, deveria merecer um particular tratamento pastoral, nomeadamente a preparar o verão, enquanto época de mais intensa mobilidade.

Seria, assim, recomendável:

–                     Que as paróquias oferecessem aos seus paroquianos com projectados programas de férias, oportunas informações acerca dos destinos por eles escolhidos, sobretudo  contactos com as comunidades cristãs locais e até mesmo alguma indicação a nível de serviços e alojamentos, bem como propostas de válida ocupação de tempos livres;

–                     Que, por sua vez, as paróquias destinatárias dos itinerários escolhidos, oferecessem um bom programa de serviço de acolhimento, informando e orientando quem as procura, através de um atraente desdobrável e também no respectivo site, com uma mensagem de saudação, a publicitação dos horários das Eucaristias e de outros actos celebrativos e eventos vários;

–                     Que se possibilitassem, igualmente, em várias línguas, informações actualizadas em locais públicos, nomeadamente nos aeroportos, postos de turismo, hotéis, parques de campismo, residenciais, agendas culturais dos municípios e, naturalmente, no exterior dos templos, saudando quem chega e fornecendo oportunos esclarecimentos e contactos;

–                     Que se proporcionasse, através de equipas de leigos, particularmente os jovens, um horário mais dilatado de abertura de igrejas e santuários e um conveniente acolhimento nas celebrações litúrgicas;

–                     Que nas paróquias de grande afluência de turismo estrangeiro, se previsse ao domingo uma Eucaristia designada por Missa internacional ou, pelo menos, a existência de textos com as leituras e orações em inglês;

–                     Que o serviço diocesano da Pastoral do Turismo, além de uma actualizada informação no site da Diocese, diligenciasse, em diálogo com as paróquias de maior afluxo turístico, a promoção de encontros inter-comunidades, devidamente anunciados, com convívio, animação e partilha;

–                     Que nas festas populares fosse tida em conta a presença de visitantes, de modo a envolvê-los na respectiva programação;

–                     Que ao longo do tempo de veraneio se organizassem circuitos e visitas guiadas a Igrejas e Santuários, bem como a outros locais e monumentos de particular interesse na zona;

–                     Que se desse a conhecer, através de uma exposição – amostragem, a fisionomia e vida da comunidade local.

 

Entretanto, não se pode também ignorar que há uma mobilidade interna em que é notório o êxodo daquelas comunidades que, a partir do interior, se deslocam para o litoral e para outros centros de maior afluxo turístico, criando um certo vazio, não só quantitativo como qualitativo, nas respectivas paróquias.

Ainda que, temporariamente, há que adequar a vida destas comunidades a essa situação e, na medida em que, por sua vez, as paróquias das zonas destinatárias conhecem a necessidade de maior resposta celebrativa, não seria despropositado pensar algum apoio de sacerdotes das paróquias mais vacantes àquelas como manifesta necessidade dessa inter-ajuda pastoral. Assim se possibilitaria também a esses sacerdotes a oportunidade de algum descanso, no âmbito de uma fraterna comunhão presbiteral, que este Ano Sacerdotal veio relevar, e o Santo Padre, ainda recentemente, não sua mensagem aos consagrados, em Fátima, no dia 12 de Maio, relembrou, quando disse: “Como é maravilhoso quando vos acolheis uns aos outros…”. Também aqui se impõe que, a seu tempo, a nível das estruturas vicariais e diocesanas, seja tida em conta e devidamente reflectida e programada esta necessidade.

Por outro lado, há também pessoa que nas nossas comunidades não têm grande hipótese de desfrutar, por elas próprias, de um merecido repouso ou, pelo menos, da agradável vivência de alguns momentos lúdicos fora do seu habitual enquadramento. Bom seria que estas situações merecessem, igualmente, a atenção pastoral que lhes é devida, na programação anual das respectivas comunidades, providenciando-se as necessárias diligências e meios.

Enfim, a chamada Pastoral de Turismo, no quadro da Pastoral da Mobilidade, é ampla e tem sempre como destinatária a pessoa e a sua promoção integral. Por isso deve sempre partir da convicção de que o outro é alguém que Deus ama e a quem quer fazer participante da felicidade dos seus dons. Quando nos visita é um dom desconhecido e, não obstante, esperado. Mas esta feliz convergência de ser um desconhecido, simultaneamente esperado, e não exclusivamente por factores económicos, converte-se, a nível eclesial, numa excelente oportunidade para abrir o coração, a mente, o espírito e também para nos prepararmos em atitude de hospitalidade bíblica (cf. Sl 15, 1; Gn 18, 1ss; Mt 25, 25; Rom 12, 13), para o acolher como ele é: um filho de Deus, ainda que, por vezes, nem ele próprio tenha consciência plena desta dignidade.

 

Que a nossa condição de peregrinos encontre também nesta pastoral da mobilidade, particularmente através da valorização de um merecido repouso e saudável tempo livre, a alegria de nos sentirmos em Páscoa permanente, a usufruir do maná com que o Senhor de muitas maneiras nos quer alimentar, sobretudo com os dons da beleza, da paz, da reconfortante espiritualidade e do fraterno acolhimento.

Cón. José Pedro de Jesus Martins, Vigário Episcopal da Diocese do Algarve

Partilhar:
plugins premium WordPress
Scroll to Top