Que novas empresas?

José Maria Raposo, Associação de Economia de Comunhão

Da vida e obra de Chiara Lubich, fundadora do Movimento dos Focolares, nasceu o projeto de “economia de comunhão na liberdade”, uma demonstração de que o seu carisma é destinado (como o é também a mensagem evangélica) a renovar não apenas a vida pessoal e a vida da Igreja, mas também as estruturas sociais.

 

Os ideais e objctivos da “economia de comunhão” encontram eco em vários aspetos da mensagem da encíclica Caritas in Veritate. Assim, a ideia de que «o princípio da gratuidade e a lógica do dom como expressão da fraternidade podem e devem encontrar lugar dentro da atividade económica normal» (n. 36). Na verdade, as empresas que aderem a este projeto são movidas pelo objetivo de partilha dos seus lucros em prol do combate à pobreza e da formação de pessoas numa cultura de comunhão.

Mas o que deve distinguir essas empresas não é apenas um determinado destino para os seus lucros. Nelas se procura viver o ideal evangélico da fraternidade, concretizando uma outra proposta da Caritas in Veritate: «viver relações autenticamente humanas de amizade e camaradagem, de solidariedade e reciprocidade, mesmo no âmbito da atividade económica e não apenas fora dela ou “depois” dela» (n. 36). Para isso, a empresa deve ser vista, como salienta a encíclica de João Paulo II Centesimus Annus, como uma “comunidade de pessoas” e não apenas uma “sociedade de capitais” (n. 43).

À luz destes ideais, pode tentar-se avaliar o conjunto de modificações na vida das empresas e na regulação das relações de trabalho que resulta do acordo de concertação social recentemente assinado e de um conjunto de outras medidas legislativas em perspetiva.

Os proponentes dessas alterações invocam a sua necessidade para o crescimento económico e a competitividade das empresas e, no que se refere ao regime dos despedimentos, a equiparação à maioria dos outros países europeus.

É de saudar o sucesso do diálogo e da concertação social diante de uma crise que coloca empresários e trabalhadores no mesmo “barco” e cuja superação não pode prescindir da colaboração de uns e outros. Também parece indiscutível que essa superação exige esforços acrescidos (há que trabalhar mais e melhor), pois na raiz da crise está um desequilíbrio entre o que temos produzido e o que (Estado e particulares) temos consumido.

Mas o que deve também questionar-se é se no compromisso alcançado a carga dos trabalhadores e o sacrifício dos seus direitos não será excessivo e desproporcional. É significativo que a central sindical que assinou o acordo de concertação social o tenha feito não tanto pelo mérito das medidas que o integram, mas pela vontade de evitar outras ainda mais gravosas para esses direitos.

Quando se reduzem a cerca de um terço as indemnizações por despedimento (invocando a média europeia), pretendendo que o sucesso e futuro das empresas dependerá da facilidade com que se despede, esquece-se que o nível dos salários que serve de base a essas indemnizações está muito abaixo da média europeia. No imediato, quando se prevê o aumento significativo do desemprego (e porque o subsídio respetivo também será reduzido), são de prever graves consequências destas medidas no plano social. Numa perspetiva de mais largo alcance, facilitar assim o despedimento contribuirá para que os trabalhadores se sintam apenas um custo de uma “sociedade de capitais” e não, como pretendemos, parte integrante, motivada e ativa, da empresa como uma “comunidade de pessoas”.

José Maria Raposo, Associação de Economia de Comunhão

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