Quaresma, terceira idade e pujança de vida

Mensagem de D. António Vitalino, Bispo de Beja A preparação para a Páscoa prolonga-se durante quarenta dias, período do ano conhecido pela designação de Quaresma. É um tempo de crescimento e amadurecimento para os cristãos, olhos fixos no nosso Mestre, Jesus Cristo, que corajosamente anuncia o Reino de Deus, apela à conversão, é vítima de intrigas e invejas, não resiste aos seus malfeitores, mas se entrega nas suas mãos para salvação de todos. Este modelo de vida exigente por amor constitui para todos nós, seus discípulos, um apelo à mudança de mentalidade e de comportamento, para o crescimento e maturidade do homem integral, em que a estatura interior é fundamental. Todos os anos Papa e Bispos enviam mensagens, focando algum dos aspectos desse crescimento do homem cristão, para que aproveite o tempo favorável da Quaresma. Na mensagem do ano passado focava-se a criança na sua total dependência, abertura e simplicidade como atitudes fundamentais para entrar no Reino de Jesus Cristo. Este ano a mensagem papal aborda o tema do envelhecimento e do idoso como fase da vida propícia à melhor compreensão do mistério da Cruz de Cristo e da cruz da vida. A dignidade da pessoa em todas as fases da vida A pessoa humana é o fundamento e a finalidade de todas as instituições. Por isso deve ser respeitada, promovida e enobrecida em todos os seus aspectos constitutivos. A dignidade da pessoa humana, em todas as fases da sua existência, constitui também para os cristãos um princípio fundamental. Desde o seu nascimento até ao seu desaparecimento a pessoa humana, seja criança, adulta ou idosa, culta ou analfabeta, doente ou saudável, deve ser amparada em ordem a uma crescente qualidade de vida. Não se põe de parte a criança pelo facto de precisar dos cuidados dos adultos nem se elimina um idoso por já não ser elemento produtivo. Ninguém tem o direito de avaliar a vida humana só pelo prisma da sua utilidade produtiva, material. Jesus Cristo e o personalismo cristão ajudam-nos a descobrir facetas da vida e do seu valor, ocultas a ideologias materialistas. A Igreja e os idosos Os cristãos e a Igreja devem testemunhar ao mundo a qualidade da vida humana na maneira como acolhem e lidam com os idosos. Por isso a terceira idade deve constituir para a Igreja uma vertente importante do seu apostolado. Felizmente têm surgido na Igreja muitas instituições sociais dedicadas aos idosos, como centros de dia, apoios dominciliários, lares, etc. Mas essas obras não podem cingir-se apenas aos cuidados da subsistência e da saúde. Neste caso em nada se distinguiriam de muitas outras criadas como serviço público ou por interesses comerciais de lucro. Nas nossas comunidades paroquiais, grupos, movimentos e instituições sociais precisamos de cultivar relações humanas mais profundas com as pessoas nas fases mais adiantadas da vida. Temos de as ajudar a ligar o mistério da vida, a desagregação biológica à Cruz de Cristo. Integrá-las na sociedade, dando aí o testemunho da fragilidade da nossa vida e a firmeza da nossa esperança de vida plena na ressurreição. Mesmo o idoso limitado nas suas capacidades físicas tem uma missão a cumprir. Não podemos excluir da participação na vida comunitária as pessoas com alguns limites, pois há facetas da vida humana que elas podem testemunhar na comunidade com mais vigor que pessoas na pujança das suas forças físicas. Nas nossas comunidades paroquiais prevalecem os idosos. Apelo por isso a todos os agentes pastorais para os integrarem na sua acção, sobretudo em múltiplas tarefas de voluntariado, para enriquecimento de todos. Não os deixemos nas esquinas das ruas ou nos cadeirões das instituições, tristes e abandonados, à espera da morte. O idoso encerra em si um potencial enorme de maturidade de vida, que pode ser muito útil à nossa sociedade e à Igreja. E quando a doença os prender a casa ou ao leito, saibamos confortá-los e fortalecê-los com os auxílios da graça divina. Também aqui se aplicam as palavras do Evangelho: O que fizerdes a um destes necessitados de ajuda, foi a Mim que o fizestes (Mt 25, 40). Receber o Viático, o penhor da vida eterna Muitos dos nossos idosos no Alentejo não tiveram iniciação cristã nem receberam os sacramentos da Igreja. Nesta fase da vida, quando surgem muitas universidades para a terceira idade, porque as pessoas têm mais tempo e estão mais sensíveis aos valores culturais e espirituais, seria importante dedicar algumas das actividades de evangelização a estes irmãos idosos, preparando-os para receber a força e a consolação de Deus, o sagrado Viático para a última parte do percurso da sua vida. Muitos não tiveram oportunidade de frequentar a catequese e a igreja e nunca comungaram, mas estão receptivos à missão e mensagem da Igreja. Estamos a celebrar o Ano da Eucaristia, por vontade do Santo Padre, também ele um idoso resistente e corajoso. Que belo presente para os nossos idosos, se os ajudássemos a preparar-se para receber o Pão da Vida Eterna, a força do peregrino a caminho da Terra prometida! Destino da renúncia quaresmal A preparação para a Páscoa, a nossa configuração com a vida de Cristo, será tanto mais rica quanto meditarmos a sua vida e mensagem, recebermos os sacramentos da Igreja, acolhermos os nossos irmãos mais carenciados e também partilharmos os nossos recursos materiais com quem deles mais necessita. Por isso todos os anos o Papa e os Bispos apelam a essa partilha fraterna, como fruto da conversão, a que se costuma chamar de renúncia quaresmal. Na Quaresma do ano de 2004 o fruto das nossas renúncias reverteu, uma parte, em benefício da construção dum centro paroquial e igreja na ilha de Bolama, diocese de Bafatá, na Guiné, e, outra parte, para ajudar na reconstrução de algumas casas paroquiais da nossa diocese, em paróquias pobres e sem recursos. O total entregue na Cúria Diocesana para essas finalidades foi, até ao princípio de Fevereiro de 2005: 16.509 Euros. Obrigado aos párocos e contribuintes. Que Deus lhes retribua a cem por cento com a moeda que a traça não corrói. Na Quaresma deste ano o fruto das nossas renúncias e sacrifícios destinar-se-á, uma parte, para ajudar as vítimas do maremoto tsunami no Sudeste asiático, através da Caritas Internacional; e, outra parte, destina-se à Fundação Bom Samaritano, criada pela Santa Sé, para ajudar os países onde a Sida está a ser um flagelo nacional e a vitimar grande parte da população. Sejamos generosos, pois, fazendo bem aos outros, estamos a ajudar-nos a nós mesmos no processo de construção do Reino de Jesus Cristo e da nossa configuração com Ele. Beja, 4 de Fevereiro, Memória de S. João de Brito, mártir português na Índia, † António Vitalino, Bispo de Beja

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