Fatu Banora é uma jovem de 22 anos, natural da Guiné-Bissau, que em Portugal encontrou o seu caminho. Aos oito anos deixou para trás a cidade e as tradições muçulmanas em que cresceu para, ao abrigo dos acordos de saúde, tratar de um problema cardíaco. Aqui ficou para poder estudar, tal como seu pai desejava. De uma infância feliz, nas ruas de Bissau, Fatu chegou às ruas de Lisboa, e em Portugal, anos mais tarde viu-se confrontada com o que tinha «fechado num baú» – o impacto e as consequências da mutilação genital feminina. Desde então colocou nomes na sua história, reconciliou-se com um passado que não pode alterar e encontrou o caminho para estar ao serviço da sua comunidade. Fatu não sabe que nome dar a Deus, mas está certa que ele conduz a sua vida e coloca no seu caminho pessoas para lhe iluminar os dias. Foi assim com a Associação para o Planeamento Familiar, com a rede internacional que luta contra a mutilação genital feminina, com a Academia de Líderes Ubuntu e com tantos amigos e família que não a largaram quando as palavras ainda não chegavam para compor e aceitar a sua história. Hoje estuda psicologia e foi a primeira galardoada com o prémio António Brandão de Vasconcelos.
«Eu sou muito do que sou porque tive pessoas comigo. Esta ideia de que somos porque os outros são é uma troca que me fascina»
«As minhas questões começaram na adolescência. Foi das piores fases em termos de propósito e sentido. Confrontei-me com questões que fizeram parte da minha infância e foi nessa altura porque comecei a sentir, na adolescência, o impacto e as consequências da mutilação genital feminina. Na altura eu associava: eu sou muçulmana e na Guiné a comunidade mais afetada pela MGF é a comunidade muçulmana; então se eu não tivesse nascido muçulmana, nada disto teria acontecido. Era uma altura de muitos porquês sem resposta que me levaram a confundir tudo, a culpar quem não tinha culpa e a ter atitudes que não me levavam a lado nenhum, só pioravam»
«Foi uma conversa muito bonita (com o meu pai). Foi a primeira vez que falamos sobre isto. Voltei atrás em toda a história: durante muito tempo coloquei dentro de um baú e fechei, mas mexeu muito comigo durante o meu crescimento, causando muita rebeldia. Tive a capacidade de dizer ao meu pai que não o culpava. Houve momentos em que os culpei, a ele e à minha mãe, mas se fui vítima desta prática os meus pais também foram, e os pais de outras meninas foram e são vítimas porque estão inseridos numa cultura que só lhe mostra aquilo»
«Fui uma privilegiada por ter tido olhares em mim. Sou muito grata por isso. Embora tenha muitas questões sobre a religião, eu acredito muito em Deus. Não sei que nome dar e de que forma praticar, mas acredito muito em Deus e que Ele está presente em todos os momentos da minha vida. Ele põe pessoas no meu caminho que me vão ajudando».