Protocolos e comportamentos ecológicos

Maria Glória Garcia

Sob a égide das Nações Unidas irá ter lugar, na Dinamarca, em Copenhaga, de 7 a 18 de Dezembro, a conferência internacional sobre alterações climáticas da qual muito se espera.

Para além de mais de uma centena e meia de chefes de Estado e de Governo, Barack Obama, Presidente dos Estados Unidos da América, irá estar presente, o mesmo acontecendo com o Primeiro Ministro da China, Wen Jiabao. Ambos anunciaram o seu empenhamento na diminuição de emissões de gás carbónico e apontaram metas ambiciosas para 2020. Pressente-se, por isso, um bom espírito de entendimento entre os representantes políticos e, bem assim, entre a sociedade civil, presente na conferência através das Organizações Não-Governamentais (ONGS) que nela participam. Há a percepção generalizada de que não há tempo a perder e se impõe reduzir a intensidade com que os desastres naturais causados pelas alterações climáticas se fazem sentir, em especial, nos países pobres, acentuando a sua já tradicional assimetria relativamente aos países industrializados e, ainda, se impõe introduzir nas decisões políticas actuais a sustentabilidade de um desenvolvimento humano com dignidade, para que as gerações futuras não sofram com as consequências negativas dos nossos exageros consumistas.

Mas as questões subjacentes à conferência, para as quais se buscam soluções, não são fáceis de resolver. E, por isso, não se pode esperar que as soluções resultem, como um golpe de mágica, de uns breves dias de conversações.

Há mais de trinta anos, em 1972, na Conferência de Estocolmo, a criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente ligou a protecção do meio ambiente ao aquecimento global e, em 1992, foi aprovada, na sequência da Conferência do Rio de Janeiro, a Convenção sobre a Alteração Climática. Cinco anos mais tarde, em 1997, o Protocolo de Quioto traduziu o comprometimento, para os países que o assinaram, na redução em 0,5 das emissões, entre 2008 e 2012, em relação a 1990. E, em Bali, na  Indonésia, em 2007, acordou-se na necessidade de traçar um caminho a percorrer conjuntamente pelos Estados.

Sabe-se hoje que os Estados Unidos da América são o maior responsável, individualmente, pelo volume de concentração de CO2 na atmosfera e que a China é, globalmente, o maior emissor de gases com efeito de estufa e ainda que ambos os Estados estão politicamente abertos à redução de emissões. E sabe-se que, em geral, os países industrializados têm uma responsabilidade acrescida no desenvolvimento de políticas de redução de emissões.

Sabe-se, também, que o aquecimento global resulta, em grande medida, das opções energéticas e das escolhas na área dos transportes, particularmente as que respeitam ao tipo de transportes que se utilizam; resulta das tecnologias e metodologias de trabalho usadas no sector industrial e das estratégias acordadas para o desenvolvimento das cidades, bem como das soluções técnicas de construção de edifícios; resulta da definição e desenvolvimento de políticas florestais e de políticas agrárias, do tratamento de resíduos, das alternativas abertas pelos agro-combustíveis… E a pergunta surge, pertinente: até onde estão os Estados politicamente disponíveis, ou melhor, até onde estão as respectivas comunidades, estamos todos nós, enfim, dispostos a alterar os nossos comportamentos e a adequá-los à nova realidade, nos diferentes sectores em que a nossa vida se projecta, isto é, na escolha dos veículos que nos transportam, dos materiais que consumimos, dos divertimentos que preenchem os nossos lazeres, da energia que usamos…?

Acresce que a crise económica e financeira mundial que estamos a viver, e que as mais recentes informações chegadas do Dubai acentuam, tornam as respostas à questão climática ainda mais difíceis, já que investir em novas e sofisticadas tecnologias de redução de emissões de CO2, experimentar fontes de energia alternativas, criar métodos mais eficientes de produção, pensar inovadoramente e desenvolver técnicas ambientalmente sustentáveis… tem custos elevados e implica transferir verbas de áreas socialmente carenciadas ou de grande sensibilidade e fragilidade económica para o investimento na redução das emissões de gás carbónico. Quem ou como irão ser financiadas as actividades conducentes à redução de emissões? E mais. Quem irá gerir e como deverá ser gerido esse financiamento? A que tipo de controlos deverá estar sujeita a gestão do financiamento e, bem assim, a eficiência das acções financiadas?

E se os estudos económicos nos mostram que, em relação aos bens públicos ou bens de todos, como indiscutivelmente o bem ambiente é, facilmente se introduz o fenómeno do «ir à boleia», isto é, o esforço de uns perante a inércia de outros não impede estes últimos do gozo dos benefícios obtidos pelos primeiros, o que incentiva «ir à boleia» e desestimula o esforço, é importante contrariar o referido fenómeno, em si mesmo portador de injustiça. A garantia de uniformidade de comportamentos, ou de comportamentos diferenciados em razão de critérios determinados pelas circunstâncias, é dada pelo direito. Por isso tão importante se torna fixar princípios jurídicos que a todos respeitem, o que a Conferência de Copenhaga se encontra em situação óptima para consensualizar (do princípio da precaução ao princípio da solidariedade intra- e intergeracional, do princípio da prevenção ao princípio da sustentabilidade do desenvolvimento humano com dignidade, do princípio dos objectivos comuns com responsabilidades diferenciadas ao princípio que impõe uma fundamentação ambiental para todas as políticas públicas…), vertendo-os depois os Estados em normas culturalmente ajustadas que todos devem cumprir.

A internacionalização do direito, para que o século XX tende e de que serão exemplo, os documentos jurídicos que vão ser assinados pelos Estados que participam nesta Conferência, só com a densificação normativa, empreendida ao nível dos Estados, poderá criar ondas de confiança nas diferentes formas de acção, pública e privada, fundadas na justiça intra- e intergeracional que as justifica e modela.

Em suma, por melhor sucedida que a Conferência de Copenhaga venha a ser, e não são poucos nem fáceis os problemas que terá de resolver, não produz, sozinha, a magia da mudança que as alterações climáticas exigem. Para que tal aconteça é preciso garantir os princípios politicamente acordados, realizar generalizadamente o direito, a nível estadual e comunitário, a fim de incorporar o futuro na acção quotidiana, localmente situada, e estar atento aos pormenores trazidos pela evolução, para que possa, permanentemente, ser assegurada a justiça presente na sustentabilidade do desenvolvimento humano com dignidade para que todos somos convocados.

Maria Glória Garcia, Prof. UCP

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