Programas de combate à pobreza são «ineficazes»

Manuela Silva pede democratização empresarial e consciência colectiva para o fenómeno da pobreza O estudo «Um Olhar Sobre a Pobreza» liderado por Alfredo Bruto da Costa para o Centro de Estudos para a Intervenção Social (Cesis) indica que 52,4 % dos agregados familiares portugueses viveram numa situação vulnerável à pobreza pelo menos durante um ano, no período entre 1995 e 2000. A linha de pobreza é definida por uma valor de 388 Euros por mês (em 12 meses). O fenómeno atinge um grande número de pessoas que trabalham, mas cujos salários não chegam para satisfazer as necessidades básicas: 49,7 % da população pobre, em pelo menos um ano, tinha o trabalho como principal fonte rendimento. Os programas de combate a este problema revelam ineficácia. Também o relatório do Eurostat, organismo estatístico da União Europeia sobre a situação social nos Estado-membros indica que Portugal é o país com maior desigualdade na distribuição de rendimentos entre os 25 e é o único que apresenta um desnível entre pobres e ricos superior ao dos Estados Unidos da América. Segundo o relatório existem 957 mil pessoas a viverem com menos de dez euros por dia. O fenómeno da pobreza não é novo. Talvez os números ajudem a revelar uma situação cada vez mais preocupante e agrave a análise que a sociedade tem feito sobre o aumento dos preços de produtos alimentares, de combustíveis e de rendas de habitação. Manuela Silva, Presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz, não esconde a sua preocupação sobre a ineficiência de alguns programas, nomeadamente do Programa Nacional de Luta Contra a Pobreza e nas medidas do Rendimento Mínimo garantido, actual Rendimento Social de Inserção. “Haverá vários factores que explicam”, mas Manuela Silva aponta a falta de cultura de avaliação que Portugal tem. “Uma política avaliativa poderia olhar para o que fez, mas também para o resultado das acções”, dando assim visibilidade a esses mesmos resultados. A cultura de avaliação deve “integrar a elaboração das políticas. Não basta a criação de políticas como se de ensaios se tratassem”. A percentagem elevada gasta nas políticas de combate à pobreza “vale pouco se não diminuir o número de pobres e se as condições de dignidade humana não melhorarem”. Aumento de salários não basta Segundo a também economista, a repartição funcional do rendimento é uma questão básica. O aumento dos salários “supõe uma alteração da repartição do rendimento produzido entre todos os intervenientes do processo económico”, indica. Os salários representam, actualmente, a principal parcela de rendimentos dos estratos da população. Manuela Silva afirma que se deve repensar todo o funcionamento da economia. Os salários são ditados pelo mercado de trabalho, que por sua vez, “não é de modo algum transparente, nem o trabalho humano pode ser visto como uma mera mercadoria”. A Presidente da CNJP pede uma reforma do modelo de funcionamento da economia, em particular do sector produtivo, mas também do sector público, porque os níveis de remuneração “têm de corresponder às necessidades fundamentais das pessoas”. A democratização das empresas é outra condição fundamental para uma política equitativa. Manuel Silva indica que as tomadas de decisão não devem estar dependentes apenas dos decisores do interesse do capital, que são os gestores. “Os gestores têm os níveis de remuneração pautados pela remuneração de capital e não por factores que deveriam ser critérios de avaliação das empresas, entre eles as condições de trabalho e o nível de remuneração dos trabalhadores”. O estudo do Cesis “vem revelar o mau funcionamento do sistema económico”. Manuela Silva sublinha que não é com medidas de política social que se resolve o problema de pobreza, nem a nível nacional nem internacional. As baixas remunerações são exemplo da não intenção de mexer na estratificação social e votar a sociedade ao imobilismo. A alteração de pensões e de salários “implicaria mudanças na faixa dos actuais pobres”. Sem tais mudanças “as percentagens elevadas de pobreza vão continuar”, adverte a economista. O estudo do (Cesis) vem revelar que “não só instantaneamente existe uma percentagem elevada de pobres – a incidência da pobreza – mas também mostra que quando se analisam períodos mais vastos, se verifica que a probabilidade do risco de pobreza é muito elevado” – quase metade da população no período de cinco anos que o estudo apresenta. Manuela Silva adverte que todos têm responsabilidade neste fenómeno. “A pobreza não é um fenómeno simples, mas muito complexo que deve envolver diferentes entidades, como os serviços educativos, de saúde, de justiça, de inserção social, numa convergência”, indica. A situação conjuntural que as sociedades atravessam, são mais do que períodos. “O que vem agudizar estes problemas e vem exigir uma maior vigilância dos governos e administrações”, afirma Manuela Silva que sublinha “nada justifica que se continue a ter níveis de pobreza”. A Presidente da CNJP afirma que a opinião pública pode ter um papel importante no incentivo a uma maior responsabilização dos intervenientes no combate à pobreza. “O aumento dos alimentos, dos combustíveis, das rendas de casa são questões que vão ter uma enorme repercussão nos grupos sociais de baixo rendimentos que os pode atirar para situações de pobreza”, adverte. Combater Preconceitos Para combater preconceitos e demissões, a CNJP vai propor a organização de uma audição pública que visa dar voz aos pobres para erradicar a pobreza. “Queremos desmontar preconceitos, que impedem outro olhar”, explica Manuela Silva. A economista admite que o fenómeno da pobreza é encarado a nível individual quando este é um fenómeno social. A sociedade encara de forma preconceituosa a pobreza, acreditando que os pobres são preguiçosos e não se esforçam para sair deste ciclo. A Presidente da CNJP indica que o problema não se baseia apenas no mudar mentalidades, mas de mudança de poder. “O poder económico está demasiado concentrado e funciona a favor de quem detém esse mesmo poder”, ou seja, os accionistas e detentores de capital. Em Outubro último, a CNJP entregou na Assembleia da República uma petição contra a pobreza, subscrita por 20 mil pessoas. A petição encontra-se actualmente nas mãos da relatora nomeada. Aguarda-se um parecer, a elaborar pela relatora para que a petição seja levada à discussão no plenário da Assembleia da República. Ainda sem prazos estabelecidos, Manuela Silva adianta que “vamos fazer diligências para que o agendamento seja feito ainda nesta sessão legislativa”.

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