Procurar o modo «verdadeiro» da experiência crente em tempos de pandemia – Entrevista a D. Manuel Clemente (c/vídeo)

A covid-19 mudou o modo de relacionamento, paralisou setores da sociedade e transformou a experiência crente: novas possibilidades e desafios analisados pelo cardeal-patriarca de Lisboa que alerta para as «más visões de Deus» por causa do coronavírus

Agência Ecclesia – Numa entrevista recente, o Papa Francisco referiu-se às causas desta pandemia citando um provérbio que diz “Deus perdoa sempre, os homens às vezes, a natureza nunca”. É um desencontro entre o homem e a natureza que está em causa?

D. Manuel Clemente – Também é, sabendo nós que somos natureza, personalizada em cada um, em cada ser humano, mas somos natureza. Às vezes esquecemo-nos disso, pomo-nos de fora da natureza, mentalmente, embora realmente nunca estejamos porque somos tudo isso: cada um de nós é aquilo que consome, aquilo que respira. Tudo isto é a natureza, personalizada em cada um. Quando esquecemos esta ligação fundamental, as coisas não andam bem e podem ser muito perigosas. Não só nesta pandemia. Como se tem visto ao longo da história da Humanidade, há fenómenos e até catástrofes que não são da nossa responsabilidade humana, mas outros são. E tudo o que a crise ecológica manifesta, que o Papa nos tem alertado tanto, é sinal de que há muita coisa de errado na nossa relação com a restante natureza. Em nós, a natureza tem a qualidade de consciência e de responsabilidade que não tem em relação a outros seres e, por isso, mais nos responsabiliza.

A pandemia é uma epidemia generalizada que toca o planeta no seu conjunto. Mas em termos de epidemias, não precisamos de ir lá muito para trás, para a gripe espanhola do princípio do século passado, ou outras. Elas têm existido, mas nós, na Europa, às vezes, não damos muito conta disso: o que tem acontecido com o ébola e outras epidemias em África e noutras partes do mundo? Elas existem! Agora tocam-nos de perto e são tão generalizadas, porque hoje a mobilidade – a que existia até começarem estas medidas de confinamento – é de tal ordem que tudo circula muito mais rapidamente. Essa é que é a diferença. Mas epidemias e contrastes com a natureza não são só de agora.

 

AE – É o primeiro teste efetivo à globalização?

MC – É pelo menos uma manifestação de que globalizar é bom, porque nos torna mais próximos, mas implica cuidados redobrados. Sabemos que, no que diz respeito à segurança, hoje não se entra num avião como se entrava há 20 anos. Agora, em relação a outros aspetos, concretamente em relação à preservação da saúde e da não contaminação, também se terá de redobrar o cuidado.

 

AE – Olhando ainda as causas: falar em castigo de Deus é retomar um discurso que já tem 2000 anos?

MC – É falar num discurso muito velho, muito mais do que 2000 anos. Desde que os nossos antepassados começaram a fazer desenhos nas grutas pré-históricas ou riscos nas pedras, já exprimiam um certo receio sobre o que a divindade pudesse fazer ou não fazer e, por isso, era importante estar bem com essa divindade, fosse ela qual fosse. É um sentimento natural, espontâneo, face a qualquer coisa que nos limita e nos atemoriza: procurar apoio e tentar que não haja nenhuma reprimenda forte da parte dessa entidade mais ou menos suposta, imaginária ou real. É um sentimento espontâneo.

 

AE – Mas evocar um castigo divino nesta circunstância…

MC – Nós é que nos castigamos a nós próprios. E essa é a revelação bíblica de uma ponta à outra. Toda a Bíblia nos diz que Deus cria um mundo bom, mas tudo aquilo que nos implica nem sempre corre da mesma maneira e pode transtornar não só a nossa relação com Deus, mas com a criação no seu conjunto.

Somos cristãos e olhamos para Deus como Jesus nos ensinou a olhar: com tudo o mais que ele herdou e que nele se completa. Quando olhamos para Deus com os olhos de Jesus, olhamos como um Pai, que mesmo na cruz do mundo, não deixa de nos acolher e até de nos ressuscitar. Calma aí com essas más visões de Deus que Jesus Cristo supera absolutamente. Nós olhamos para o mundo e olhamos para Deus com os olhos de Jesus Cristo: filiais em relação a Deus e fraternais em relação aos outros.

 

AE – E que participação tem Deus na procura de soluções, na resolução do problema?

MC – Na ótica cristã, a participação de Deus é a que em Jesus Cristo se manifesta e que ainda nesta Páscoa celebramos: não é um Deus que está por fora, para premiar ou castigar, é um Deus que, em Jesus Cristo, assume o que nós somos, a nossa natureza humana e a reconstrói por dentro.

 

AE – Isso implica aceitar a cruz, aceitar a morte?

MC – Aceitar a vida! De que a cruz e a morte fazem parte… Aceitá-las como Jesus as assumiu fazendo de tudo isso mais vida!

 

Um novo ambiente monástico-digital

AE – O que estamos a construir nesta pandemia? Os relacionamentos digitais colocam-nos diante de um novo paradigma de relacionamentos, por causa do isolamento social e pelas possibilidades que se vão criando. Aplicando tudo isto ao setor da pastoral, que consequências tem?

MC – Nós estamos a treinar uma pastoral “monástico-internética”. “Monástico” é uma atitude que existe desde sempre no cristianismo, e não só no cristianismo, que nos retém a nós próprios, no mais fundo de nós próprios para encontrar aí outra profundidade e outro lastro para viver. É isso que a palavra monástico significa, em  sentido de isolamento do exterior para o aprofundamento do interior. O próprio Jesus tem momentos monásticos, que os Evangelhos não ocultam: quando se retira, para o deserto, 40 dias; nas várias ocasiões em que os discípulos andam à procura dele e o encontram retirado. Jesus resolve as coisas absolutamente por dentro, na sua relação com o Pai. E estas circunstâncias de confinamento a que estamos todos obrigados e devemos ser cumpridores, a bem dos outros (e que contraria muito aquilo que na vida pastoral nos impulsiona, para encontros, reuniões e não só celebrações), desenvolve essa tal atitude monástica: de aprofundamento das motivações, de afervoramento da oração, da relação com Deus, por nós, pelos outros.

 

AE – Será monástico-digital, então?

MC – Agora digital, utilizando a internet e tudo aquilo que os media hoje nos permitem para estar com as pessoa, também dessa maneira. Dando aos media esse sentido de conjugação, de contacto de proximidade, que já tem sido tantas vezes referido nas mensagem para os dias mundiais de comunicação dos sucessivos Papas, pondo tudo isso agora em ação. E estão a desenvolver-se realidades que julgo que ficarão! Mesmo quando pudermos voltar à nossa pastoral normal, não deixaremos de utilizar muito disto que agora está a vir ao de cima.

 

Unidade e autonomias da Igreja Católica em Portugal

AE – Essas experiências não têm surgido muito segmentadas?

MC – Como tudo surge… Porque as pessoas onde estão, os párocos nas suas paróquias, não podem estar diretamente com os seus paroquianos, mas têm preocupação por eles: as coisas têm de continuar a andar, a Palavra de Deus tem de continuar a ser anunciada, os ritos sacramentais continuar a ser celebrados, embora não com o povo, mas pela internet ou com outros meios, o acompanhamento das pessoas em tudo o que é sociocaritativo, quer sejam instituições ligadas à Igreja ou instituições onde os católicos estejam, públicas e privadas, nos sistemas de saúde e tudo o mais. Os párocos têm esta vontade e necessidade, até por vocação, de acompanhar tudo isto.

 

AE – Mas se pensarmos na voz interlocutora que a Igreja Católica tem de ser com a sociedade – e depois de afirmar durante muitos anos, décadas talvez, a centralidade da comunicação – não se exigiria uma resposta mais institucional, mais nacional?

MC – Embora a realidade da Igreja não seja nacional…

 

AE – Mas vamos percebendo que para se relacionar com a sociedade, muitas vozes nem sempre funciona…

MC – A realidade da Igreja Católica, como a entendemos – E não digo que seja sempre assim: há realidades nacionais na Igreja. Algumas das nossas irmãs no mundo protestante formaram Igrejas nacionais: os anglicanos são a Igreja de Inglaterra, isso quer dizer anglicanos, na sua origem –, existe a nível universal à volta do sucessor de Pedro. E o Papa tem estado constantemente presente nos media, pela força com que se manifesta celebrando sozinho, mas para uma multidão, e depois a nível diocesano, em cada igreja local. E reparo que todos os meus colegas têm estado presentes nessas redes, quer nas suas dioceses, quer quando são entrevistados pelos media nacionais e até outros. E eu próprio já tenho celebrado publicamente várias vezes e dado entrevistas.

Não gostaria de confinar a presença católica àquilo que é a presença do Santo Padre ou a presença de cada bispo na sua diocese. Creio que é muito importante ressaltar o que é a presença constante dos católicos nos vários domínios da sociedade, quer pessoalmente, porque estão presentes em todo o lado, quer da parte dos ministros ordenados que, em cada comunidade cristã, os estimulam, os impulsionam e acompanham e levam as coisas por diante. É neste conjunto que temos de avaliar a presença da Igreja. Porque senão olharmos assim ficamos sem saber para onde olhar.

 

AE – A relevância da comunicação nessa avaliação poderia emergir como fator de diálogo com a sociedade? Quando queremos saber o que está a acontecer é difícil descobri-lo imediatamente.

MC – Porque a maior parte do diálogo faz-se com quem lá está: tantas mensagens, tantos contactos, telefonemas que temos com católicos que estão nos vários setores sociais. Mas eles, que lá estão, é que efetivamente dialogam. Quem dialoga no mundo de saúde com outros profissionais de saúde são os católicos que estão no sistema de saúde, seja nacional seja outro.

 

AE – Nesse aspeto a Igreja está a acontecer.

MC – E o que passa no mundo da família é interessantíssimo: elas redescobrem-se no confinamento que têm. E as notícias que me chegam e que partilhamos do que acontece nas famílias, que aí mesmo se redescobrem como Igreja doméstica, está a dar densidade à vivência familiar católica, o que é outro dos elementos que certamente permanecerão.

 

Uma nova forma de ser e pertencer à Igreja

AE – Temos experiências ótimas dessa participação, em paróquias como dioceses, seja em Lisboa, na paróquia de Benfica, da Areosa ou Senhora da Hora, no Porto; e recordo também uma diocese, Setúbal, que emerge na comunicação com a participação de grupos e famílias. Mas genericamente, a pandemia veio colocar no centro a figura do bispo ou do sacerdote. O centro estará aí?

MC – Creio que o centro é policêntrico. Com certeza que há estas posições centrais e até chave na Igreja para articular, organizar, para que nada se disperse, se conjunge e seja espiritualmente alimentado (e os exemplos são mais do que muitos). E posso garantir que a maior parte dos meus colegas bispos, sacerdotes, diáconos, estão com uma contensão enorme do que gostariam de fazer na linha do que têm feito, no sentido de estar com as pessoas. Só não podem fazer, o que é um mérito muito grande e um bom exemplo na generalidade dos casos, de contensão.

O centro da Igreja é policêntrico: está em cada cristão, em cada cristã onde o Evangelho se pratique. E é bom ter isto presente.

 

AE – Como é que nos vamos reencontrar depois desta experiência a nível sacramental? Eucaristia, confissão: teremos formas de pertença diferentes?

MC  – Creio que tudo isso voltará à “normalidade”. Já se fala da “nova normalidade” porque algumas medidas de proteção terão de permanecer.

Tudo isso é essencialmente relacional e evangélico. Nós acreditamos na encarnação: Deus encarna, na pessoa de Jesus, hoje ressuscitada, que está presente no meio de nós com muitos sinais e sobretudo com sinais sacramentais. Mas os sinais sacramentais são coisas que se veem e com pessoas que ali estão. Portanto, tudo isso voltará.

 

AE – A forma de pertença que está a acontecer, digital, não pode permanecer?

MC – Vai complementar, até porque há muita população que não pode sair de casa, que habitualmente já não participa.

 

AE – Mas nessas ocasiões, falava-se em assistir à Missa na televisão, agora fala-se em participar…

MC – O que é bom!

 

AE – E isso vai continuar?

MC –  Certamente! São meios que estão ao nosso dispor e que vamos utilizar. Como já tivemos desenvolvimentos nesse sentido com as visitas habituais dos ministros extraordinários da comunhão às casas das pessoas. Tudo isso terá o seu futuro porque desenvolve aquilo que é a vida da Igreja: uma profunda convivência, nos seus diversos níveis e possibilidades.

Tudo isso voltará. E devo dizer que vai voltar com muita força. Falava da contensão que nós, ministros, temos de ter para não ultrapassar as medidas de confinamento que nos são impostas pelas circunstâncias. Mas a generalidade dos leigos tem vontade de um regresso em massa!

 

AE – A suspensão da celebração comunitária das Missas causou algum debate, discordância também por parte de bispos e teólogos. Que consequências tem esta medida na Igreja e nomeadamente no pontificado do Papa Francisco?

MC – Julgo que tudo isto tem um resultado muito positivo no aprofundamento daquelas dimensões monástico-mediáticas que falava. Aprofundou o porquê da Igreja no seu sentido mais íntimo e encontrou novas maneiras de manter esta convivência que a Igreja também é e continuará a ser.

 

AE – Mas aquilo que se admite agora como exceção não pode ser admitido como possibilidade, no futuro?

MC – Como complemento. Uma coisa pede a outra. E temos essa experiência! Nas relações de amizade ou de família alargada: mantemos correspondência, quer a tradicional quer a atual, pelas nossas constantes caixas de mensagens cheias, e isso não elimina a vontade, pelo contrário, de nos encontrarmos mesmo. Porque a relação é assim: quando é verdadeira, quer mais, quer ver. Se é verdadeira, não exclui a outra, pelo contrário.

 

AE – A boa intencionalidade da pessoa bastará para a reconciliação com Deus, para a participação na comunhão, nestas circunstâncias?

MC – Nós temos de ver as coisas do lado de Deus, não apenas do nosso lado. Com certeza que Deus vê os corações e sabe o que há no coração de cada um e há muito mais do que aquilo que se pode manifestar. E sabemos isso, em qualquer tipo de relação. Agora, a relação que Deus tem connosco, e acreditamos que é inteira na figura de Jesus Cristo, é uma relação como os Evangelhos guardaram: Jesus não perdoava em geral, mas tinha encontros de reconciliação. Nós não podemos refluir, para a subjetividade de cada um, estas coisas que Deus quer connosco como manteve em Jesus Cristo em termos de relação verdadeira.

 

AE – Sendo possível…

MC – Quando não é possível, não é possível…

 

AE – Mas a reconciliação é sempre possível?

MC – Os cristãos antigos, quando para aderir ao cristianismo era preciso quase uma rutura com os usos e costumes, faziam aquelas longas preparações e os catecumenatos prolongados, muitos deles morriam antes de serem batizados, porque havia uma perseguição. Em qualquer imprevisto falava-se de ‘batismo de desejo’, como agora se fala de ‘comunhão espiritual’ quando não pode ser com a receção da hóstia. Mas não deixa de ser menos verdadeiro.

 

AE – É, de facto, uma nova circunstância, também sacramental…

MC – Mais uma vez, são coisas antigas e coisas novas, com uma conjugação no que diz respeito à humanidade, e é comum.

Neste mês, em tanta conversa telefónica ou mediática com cristãs e cristãos e com outras pessoas, eu já tenho lembrado: nestes 2000 anos, cristandades já estiveram privadas da vida sacramental habitual durante séculos! O que é que se passou no Japão entre meados do século XVII e meados do século XIX? Os chamados ‘cristãos ocultos’: não podiam aparecer como cristãos à luz do dia, não havia nenhum sacerdote nem podia lá estar nenhum, batizavam os filhos, transmitiam a doutrina e sobreviveram 200 anos. Cristandades como aconteceram na Coreia ou Vietname, desde finais do século XVII até ao século XIX bem andado, também viveram nestas circunstâncias. De vez enquanto aparecia lá um sacerdote, que ia a partir das Filipinas, fazia alguns contactos, ordenava novos sacerdotes se era bispo, mas tudo aquilo era muito precário.

Este confinamento a que estamos sujeitos não é completamente inédito na vida da Igreja. E não foi por causa disso que essas cristandades deixaram de existir. Até tinham mais vontade para ter tudo aquilo que não fizeram durante muito tempo porque não podiam fazer.

Ainda não foi assim há tantos anos que me falava um bispo de África, daquelas antigas colónias onde houve uma guerra civil prolongada, que me dizia que houve zonas da sua diocese em que nem ele nem nenhum sacerdote podiam ir durante 10 anos. Os catequistas mantiveram as comunidades, batizaram as crianças e depois, quando lá conseguiu ir o bispo, apresentaram todos os cadernos em dia com os registos dos batismos. E essas comunidades não deixaram de subsistir, porque a comunhão com Cristo é uma realidade total.

 

Manter postos de trabalho

AE – Falemos das consequências sociais desta pandemia, que está a levar ao desemprego, à diminuição dos rendimentos familiares. Como perspetiva a sociedade nesse âmbito?

MC – Em primeiro lugar tudo aquilo que pode e deve ser feito, por quem gere o bem comum, quer a nível do nosso país quer a nível da Europa, tem mesmo de ser feito. Não há escapatória nem alternativa: ou fazemos um apoio forte a estas economias que estão tão abaladas ou não há Europa que chegue nem que sobre.

Depois, na responsabilidade e cidadania. E tem-me sido bom verificar, nos contactos mediáticos com o mundo empresarial, concretamente com os empresários católicos, a preocupação constante em manter os postos de trabalho, recorrendo ao layoff ou a outras alternativas que se consigam, mantendo a base humana que garanta a empresa e há de garanti-la no futuro, passando esta crise.

Iniciativas deste género, quer por parte de entidades públicas nacionais ou europeias, quer por parte de entidades privadas e também do setor social, são fundamentais. E tem sido belo e importante verificar que essa preocupação existe.

A subsistência das famílias é um problema grande. E, como tem sido dito, a pandemia é sanitária, atinge a saúde das pessoas e é preciso ser resolvida nesse campo, mas também é mental e é económica. Confinar as pessoas, que não têm “vocação monástica”, a estes “mosteiros” familiares ou às vezes sem família ou nos lares e tanto tempo, obriga a uma  adaptação mental de grande agilidade e superação de dificuldades dessa ordem. E depois económica: o sustento, a vida, o mundo das escolas, das empresas.

 

AE –  E aí encontramos muitas organizações, empresas que dependem da Igreja Católica.

MC – E atitudes pessoais concretas. Não estamos a falar no ar, mas de decisões tomadas, com risco e com responsabilidade e apelando à responsabilidade de outras pessoas que estão nessas comunidades.

 

AE – No caso do Patriarcado de Lisboa, há indicações para que os postos de trabalho não sejam extintos, em organizações que dependem da Igreja Católica?

MC – Toda a preocupação nesse sentido! Da parte institucional católica, toda a preocupação nesse sentido. Isso também se liga com a subsistência dessas organizações: não é só para alguns, é para todos, mas tem de haver com quê.

 

AE – Recordo uma expressão do bispo de Santarém e presidente da Comissão Episcopal da Pastoral social: “chegou o momento de ir às reservas e partilhá-las”.

MC – Exatamente. E há muita gente a ir às reservas.

Lembro-me que, quando esta pandemia começou e começámos a ver como devíamos atender, quer em instituições diretamente ligadas à diocese quer noutras, resolvemos concentrar os pedidos e os apoios nas cáritas diocesanas, porque nasceram para isso e o que tem acontecido a partir daí, de apoios, ofertas e de canalização conforme os pedidos (isto também acontece noutras dioceses, quer através das cáritas quer com outras iniciativas e também a Cáritas Portuguesa trabalhará nesse sentido), confirma muito a convicção que eu tenho de que há uma solidariedade básica que vem ao de cima. Depois precisa é de ser devidamente canalizada para chegar às necessidades concretas, definidas e com a melhor resposta. E isso consegue-se.

 

No fim do mandato como presidente da Conferência Episcopal Portuguesa

AE – Caso não estivéssemos confinados, esta seria uma semana para a Assembleia Plenária da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP). Ficou planeada para junho…

MC – Para já está marcada para junho. É uma assembleia importante, como são todas as assembleias, mas esta tem a particularidade de ser eletiva. Os titulares dos órgãos da Conferência Episcopal terminariam os mandatos, agora. Não temos possibilidade de nos reunir e portanto marcamos para junho. Para já está assim.

É necessário que estes órgãos da conferência, que apoiam a vida das dioceses, estas eleições sejam feitas para que se garanta o trabalho no futuro.

 

AE – Que avaliação faz dos seus mandatos como presidente da CEP?

MC – Nunca ninguém teve um mandato tão longo: tive de terminar o anterior e cumpri dois inteiros.

 

AE – E agora tem mais uns meses, pelo menos até junho…

MC – A minha avaliação é muito positiva. Antes de mais por aquilo que a Conferência Episcopal deve ser: uma possibilidade dos vários bispos diocesanos de um determinado país se encontrarem, aprofundarem temáticas dos diversos campos da pastoral, da relação com a sociedade e isso faz-se com encontro! E estas reuniões sucessivas, o retiro do episcopado, as jornadas pastorais, vão permitindo o estreitamento de laços, debates que nos ajudam muito a seguir em cada uma das dioceses. Depois há coisas que temos de tratar conjuntamente: o que diz respeito à liturgia, à catequese, ao campo social, da cultura, ecumenismo. São grandes linhas que tratamos em comum e depois continuamos, cada um na sua diocese, dentro da base comum de debate, perspetivação e fazendo alguns documentos que partilhamos com os cristãos e a sociedade numa ligação constante com o centro da Igreja Católica, os vários serviços que a Igreja mantém em Roma, em torno do Papa Francisco.

 

AE – O Papa Francisco referiu-se já a uma possível maior autonomia das Conferências Episcopais, dando-lhes não só a possibilidade de consulta, mas também de governo. Será necessário caminhar por aí, para que, em cada país, exista uma instância de diálogo e que possa pensar no todo?

MC – Já se vai fazendo. É sempre importante manter esta ligação do que se faz entre as dioceses de um país e o que se faz entre as dioceses de todo o mundo à volta do centro romano.

 

AE – Pelo meio não é necessário criar instâncias intermédias, como são as conferências episcopais?

MC – Eu gosto mais de a ver como instância conjunta, do que instância intermédia. Nós temos a referência evangélica e da tradição da Igreja, onde temos o grupo dos apóstolos e Pedro, onde vemos a sucessão episcopal e do bispo de Roma. Não há, nestes textos evangélicos e nestas referências tradicionais, nenhuma instância que se sobreponha ao que se passa nas dioceses e no conjunto das dioceses. Não é piramidal. É algo de concêntrico.

As conferências episcopais surgem em meados do século XX e depois do Vaticano II como órgãos de convivência e cooperação dos episcopados de determinados país ou de uma região de um grande país. E creio que essa referência evangélica ao que acontecia entre Pedro e demais apóstolos é suficiente para a vida da Igreja e não obstacula que, quer a nível da Igreja universal quer particular, o Evangelho progrida e as coisas se vão resolvendo, nesta cooperação que vamos cimentando e que é efetiva e afetiva. E se não for afetiva, também não é efetiva.

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