Presidente da CNIS fala em «sinais preocupantes»

1. Pela conjugação de um complexo conjunto de factores, nos últimos anos, o chamado Estado-Providência, legitimamente, tem sido arrastado para o centro de uma acesa polémica em que é responsabilizado pela manifesta incapacidade para realizar objectivos que lhe caberiam, nomeadamente a eliminação da pobreza e a implementação e sustentação de respostas sociais em que sejam devidamente acauteladas a vertente humanista e a vertente comunitária, dado que a solidariedade social tem justamente a sua génese na pessoa humana, que é, na sua essência, um ser uno e ao mesmo tempo solidário com toda a humanidade, à qual ela pertence e da qual cada indivíduo é, simultaneamente, parcela e agente activo. E por muito que custe a alguns detentores de uma visão estatizante, uma conclusão parece clara: mesmo assessorado por toda a moderna tecnologia, por mais sofisticada que seja, o Estado não tem capacidade de tratar e resolver todos os problemas em domínios tão sensíveis para o bem-estar das famílias, especialmente das mais desfavorecidas. 2. Mas é evidente que o Estado tem as suas competências e atribuições de que, de modo algum, se deve alhear. Enquanto sociedade superiormente organizada, o Estado deve: . Em primeiro lugar, estimular as iniciativas válidas existentes no seio da comunidade; . Em segundo lugar, apoiar o surgimento de iniciativas válidas da sociedade em muitas áreas, entre outras, na da Assistência Social, da Saúde e da Habitação, da Segurança Social, do Mutualismo, das iniciativas locais de emprego, cultura e convivência… . Em terceiro lugar, providenciar pela coordenação das iniciativas para um efectivo serviço em rede e alargado para um maior benefício do mais amplo conjunto de beneficiados; . Em quarto lugar, tutelar as iniciativas para que não ousem desviar-se dos seus fins e para que sejam dotadas dos meios necessários que viabilizem a sua acção e que acautelem contra estrangulamentos; . Em quinto lugar, suprir… A subsidiariedade é exactamente o respeito por esta ordenada organização e radica no princípio constitutivo segundo o qual não se deve deixar a uma organização social superior máxima, o Estado, aquilo que melhor pode ser feito por uma organização ou por uma sociedade mais elementar… Mais elementar, porque mais atomizada, mais pequena. No mínimo, a família ou a pessoa humana. Isto é o princípio de subsidiariedade social. É um princípio simultaneamente de liberdade e sendo de liberdade é um princípio de iniciativa e de harmoniosa hierarquia e subordinação de valores. É um princípio que encerra em si a ideia de subordinação e hierarquização de valores, na medida em que pressupõem que o ser esteja antes do ter, a dimensão espiritual e material antes da dimensão material e física, a convivência antes do isolamento, a família antes da cidade (no sentido lato), a cidade antes do Estado. E num Estado Democrático e Solidário, a subsidiariedade é um princípio sagrado: a proximidade e o exercício da cidadania em que os cidadãos se organizam para responder pronta e solidariamente aos desafios e carências dos seus concidadãos são sua alma de vitalidade e são, também, seus inquestionáveis e sagrados valores… 3. Em Portugal, entre as mais de 3.000 Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) existentes, mais de metade, distribuídas equilibrada e uniformemente pelo País, têm actividades de tempos livres para crianças e jovens, ou seja, têm a valência de ATL, com muitos e válidos equipamentos, uma riquíssima experiência, muitos trabalhadores ao seu serviço e muitos dirigentes que se lhes dedicam com engenho, coração e arte. Aí se desenvolvem inúmeras actividades nos domínios artístico, científico, cultural, desportivo, tecnológico e das tecnologias da informação e comunicação, com iniciativas testadas de ligação ao meio, de solidariedade e promoção do voluntariado e com aposta na abertura à dimensão europeia da educação, nomeadamente, com actividades de apoio ao estudo, ao ensino do inglês e de outras línguas estrangeiras e com iniciação e desenvolvimento musical e outras expressões artísticas. São todas essas instituições particulares de solidariedade social, com a valência de ATL, um preciosíssimo instrumento numa formação mais equilibrada e integral das crianças e dos jovens, no apoio à família e no correcto exercício cívico de implementação subsidiária de competências e responsabilidades. Não se perfilam como potenciais concorrentes da Escola, antes, situando-se numa linha de convergência entre ela e a família, orientam também para ela, suprem algumas das suas eventuais carências que poderão estar na base de algum absentismo ou inadaptação, e, simultaneamente, proporcionam complementarmente algumas competências para as quais a Escola não está propriamente vocacionada e que, por sua vez, a família não reúne condições de favorecimento. O Despacho nº 12.591/2006 do Ministério da Educação (Diário da República de 16 de Junho – 2ª série) que define as normas a observar no período de funcionamento dos estabelecimentos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário bem como na oferta das actividades de animação e de apoio à família e de enriquecimento curricular parece brotar de uma preocupação legítima e aparenta um tom de bondade. Porém, enferma de males que não se podem ignorar. Por um lado, não obrigando os agrupamentos de escolas a privilegiar as experiências já existentes e suficientemente testadas que as IPSS’s implementaram e denodadamente vêm sustentando, permite o fim de muitas dessas iniciativas. E, por outro lado, padecendo de uma visão perigosamente estatizante ao canalizar para as Autarquias toda a responsabilidade de iniciativa e de viabilização, está a ignorar a extensa rede de ATL’s já instalada no País, com todos os seus equipamentos, trabalhadores e dedicados dirigentes voluntários e, também e claramente, está a subverter o princípio da subsidiariedade, está a criar novas despesas com equipamentos e meios paralelos aos já existentes, muitos dos quais suportados pelo erário público, está a pôr em risco muitos postos de trabalho e está a fazer perigar a cooperação num Estado que todos gostaríamos que fosse tão democrático como solidário. Pe. Lino Maia, presidente da CNIS

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