Precisamos de acreditar, com esperança

Entrevista a D. Armindo Lopes Coelho à «Voz Portucalense», a propósito dos 50 anos de sacerdócio e das ordenações sacerdotais diocesanas Voz Postucalense – A primeira comemoração deste ano jubilar constituiu uma manifestação de unidade eclesial em torno do Bispo da Diocese. Inicialmente D. Armindo tinha afirmado pretender apenas uma celebração familiar. Porém a presença do Episcopado e do clero diocesano, bem como das autoridades civis, teve uma dimensão universalizante. Como avalia todo o desenrolar deste processo de comemoração? D. Armindo Lopes Coelho- Porque esta questão diz respeito a um processo, importa precisar a história deste processo. Assim, na reunião de Curso de 2003 pedi aos meus condiscípulos que não me convidassem para as celebrações que promovessem neste ano de 2004. Porque da minha parte e por minha causa nada de festivo faria. Entretanto, os meus condiscípulos não se importaram com o meu pedido. E mais. Fui confrontado com uma Comissão diocesana presidida por um Bispo auxiliar. Houve naturalmente uma amiga confrontação. Aceitei presidir à celebração do 25.º aniversário da ordenação episcopal em 25 de Março. E aceitei que a ordenação geral deste ano de 2004 fosse adiada para o dia 1 de Agosto (Esta data coincide com a minha ordenação sacerdotal há 50 anos, embora contraste com a data que nos anos mais recentes tem sido destinada para as ordenações gerais da Diocese). Tudo o resto não foi, não é comigo. Reconheço e afirmo que a celebração de 25 de Março foi uma eloquente manifestação da Igreja diocesana. Impressionou-me, como a toda a gente, o testemunho dado nas várias dimensões: a presença do Episcopado, do Clero, das Autoridades civis e do Povo. Não fui eu que convidei, mas de facto considero-me o mais impressionado e o mais grato. VP – A escolha do dia 1 de Agosto para as ordenações sacerdotais deste ano teve como motivação o dia em que tais ordenações se verificaram em 1954, ano em que D. Armindo foi ordenado. A celebração desse dia reúne também os colegas que completam este ano o seu jubileu de 50 anos. Simultaneamente os sacerdotes da diocese são convidados a associar-se às ordenações e ao jubileu. Que sentido especial atribui a este conjunto de eventos? D. Armindo – Não falto à verdade se disser que não fui consultado também sobre os convites feitos para o dia 1 de Agosto. Marcada a data das Ordenações diocesanas, recebi do Seminário Maior um completo programa: Almoço no fim da Celebração na Sé, e Te-Deum na Igreja do Seminário às 15 horas. Não imagino sequer o que vai acontecer com as limitações de espaço e de tempo, sem falar nas actividades do Clero diocesano sobretudo nas paróquias. Evidentemente que me sinto perplexo com o que tem sido a notícia e até a publicidade destas celebrações na Diocese. Como perplexo me deixaram as publicações editoriais que, a propósito, me foram apresentadas como factos consumados. É caso para dizer que à minha passividade, omissão ou falta de iniciativa me responderam com notícias, acontecimentos, prendas, correspondência e tantas expressões de simpatia que na verdade me trazem mergulhado numa confusa satisfação. Que sentido especial atribuo a este conjunto de eventos? Como avalio todo o desenrolar deste processo? Não consigo explicar melhor. Nem tento explicar mais. VP – As últimas reflexões e orientações dimanadas dos órgãos colegiais diocesanos (Conselho Presbiteral e Conselho Pastoral), com a sugestão e apoio do Bispo, orientam-se para a prioridade da evangelização, tendo por base a valorização da Sagrada Escritura. Como fundamenta esta opção e que horizontes anseia para ela? D. Armindo – A evangelização é a missão primordial, primeira e primária da Igreja. É assim historicamente, e é permanente este processo histórico. Seria um erro pensar que alguma vez foi ultrapassada a fase de evangelização para se iniciarem as fases seguintes na história do Cristianismo e da Igreja. João Paulo II escreveu que “a história não é simplesmente um progresso necessário para o melhor, mas antes um acontecimento de liberdade, e ainda um combate entre liberdades que se opõem entre si” (Familiaris Consortio, nº 6) . E, falando de marcas do nosso tempo (indiferentismo religioso, ateísmo e secularismo), já lembradas em vários documentos, o mesmo Papa adverte: “Repetidas vezes eu mesmo recordei o fenómeno da descristianização que atinge os povos cristãos de velha data e que exige, sem mais delongas, uma nova evangelização” (Christifideles Laici, nº 4) . Datada de 1998, esta Exortação Apostólica é a referência mais importante à nova evangelização, com o apelo para refazer o tecido cristão da sociedade, da sociedade em geral e da própria comunidade dita cristã. Entretanto hoje e no espírito do magistério eclesial, tanto se fala de nova evangelização como de primeira evangelização. As circunstâncias são obviamente diferentes, mas a missão da Igreja deve orientar-se com renovada e retomada prioridade para a evangelização. A opção das prioridades diocesanas, encimadas pela evangelização, foi anunciada e justificada no início oficial do terceiro milénio da era cristã. Estas prioridades têm sido reafirmadas e tratadas no Conselho Presbiteral e no Conselho Pastoral Diocesano. O tema da Evangelização recebeu novo e queira Deus que seja decisivo impulso a partir das últimas jornadas de Reciclagem do Clero, na forma particular de Evangelização pela leitura da Bíblia. Os sacerdotes participantes assumiram o compromisso pelo empenhamento nesta via e neste processo. Creio estar assim assegurado o critério e garantida a continuidade do programa assumido. VP – Um dos temas propostos ao Conselho Presbiteral foi uma reorganização actualizada das estruturas diocesanas, em ordem a uma maior funcionalidade pastoral. Tenciona avançar com essa reestruturação durante o seu mandato? D. Armindo – A proposta do Conselho Presbiteral, não sendo unânime nem uniforme, tem grande interesse na situação actual. Todos desejamos uma maior funcionalidade pastoral. É certo que a exigência de reestruturação cresce na medida da desactualização ou envelhecimento. O tempo vai marcando reformas que acontecem com naturalidade, nomeadamente quanto às vigararias ou áreas pastorais. Mas há outras reformas necessárias que tocam na sensibilidade, na idade ou longa prática das pessoas. E aqui não pode haver, no meu critério, revoluções ou desconsiderações. Resta a contemporização prudente, mesmo que mal interpretada ou mal classificada. Certo é que se fará o que for necessário e possível. VP – A acção doutrinária de Bispo de D. Armindo, sendo baseada sempre nos textos bíblicos e nas circunstâncias da sua proclamação, tem tido frequentemente uma dimensão de intervenção social e cultural, como se comprova na publicação do opúsculo Uma Visão profética da sociedade, que a Fundação Voz Portucalense editou. Como fundamenta e analisa essa sua preocupação de intervir na análise da realidade social? D. Armindo – Concordo que o seu reparo ou observação corresponde à realidade. De facto as leituras da Sagrada Escritura são habitualmente a fonte que orienta as minhas palavras, sobretudo quando se trata de fazer uma homilia em Celebração Litúrgica. É meu hábito, e é orientação da Igreja. Sigo esta orientação e disciplina, sem constrangimento e sempre com satisfação. É um dever agradável. Por outro lado entendo que, quanto possível, me devo situar, por força do magistério episcopal e diocesano, no ambiente que respiramos, eu e os que me ouvem ou lêem o que se publica. Tenho relutância em fazer referências pessoais explícitas ou descaradas, mas penso que é necessário que se perceba que falo para pessoas concretas e situadas no mundo em ambientes que às vezes devem ser comentados ou mesmo criticados. Só tenho que me penitenciar de não ir mais longe ou mais além na análise, clarificação, questionamento ou leitura da realidade social. VP – A Diocese do Porto tem cerca de dois milhões de habitantes, 477 paróquias e um défice claro de sacerdotes, a que se tem obviado pela grande generosidade de muitos. Tem vindo a repensar este tema de uma forma constante, como se observa por muitas das suas intervenções públicas. Que perspectivas vê para o futuro neste domínio? D. Armindo – Se eu tivesse claramente e sem hesitação perspectivas para o futuro da Diocese a partir do “défice claro de sacerdotes” certamente que falaria menos vezes ou de forma menos constante. Falar ou escrever sobre este tema é um processo de pensar e um desafio à imaginação e criatividade de quantos conhecem a realidade e por ela se preocupam. Evidentemente que é preciso encontrar e oficializar lugares e funções para os Leigos. Não caminhamos no sentido de termos sacerdotes para a actividade paroquial do passado. A reestruturação ou reorganização actualizada de que se vem falando tem que ver com a situação actual. Precisamos entretanto, e com urgência, de preparar os cristãos para os ministérios aprovados e para novos ministérios que já têm sido indicados e pedidos, nomeadamente no Conselho presbiteral e no Conselho pastoral diocesano. Mas devo lembrar que neste momento há na Diocese mais oferta do que procura. Espero que a regionalização de Escolas vicariais ou interparoquiais, já em funcionamento, contribuam para encontrar as respostas necessárias e urgentes. Precisamos de acreditar, com esperança. Eu sou e estou optimista. VP . D. Armindo faz parte da Comissão Permanente da Conferência Episcopal Portuguesa, que tem produzido orientações importantes para a sociedade portuguesa, a propósito de acontecimentos relevantes. Que balanço faz desta actuação? D. Armindo – O Conselho Permanente da Conferência Episcopal Portuguesa reúne mensalmente, e sempre se debruça sobra a “situação actual” nas áreas que dizem respeito à missão da Igreja. De facto têm sido dadas “orientações importantes” para a Igreja e para a sociedade portuguesa em geral. É a nossa análise e leitura da realidade social, com as orientações que tal leitura aconselha. Tem-se a impressão de que às vezes tais orientações não provocam as reacções esperadas. Nem de aceitação nem de repulsa. VP – Portugal viveu nos últimos tempos uma grande euforia centrada no êxito da Equipa nacional e da organização do Europeu de futebol. É um dado concreto de contornos sociológicos interessantes. Crê que o efeito psicológico sobre a população possa criar uma dinâmica que ajude a vencer a crise social? D. Armindo – De facto o Euro 2004 resultou numa atitude colectiva de euforia, dentro do País e nos países onde vivem comunidades de portugueses. Sendo certo que o futebol não interessa a todos e provoca sentimentos negativos de muitos, é indubitável que Portugal se reanimou e saiu de uma quase depressão perigosa, e como que se renovou com a presença das equipas e adeptos estrangeiros, com os êxitos da equipa nacional e com o patriotismo que desde há tempos parecia arredado da alma nacional. A bandeira nacional apareceu multiplicada a ocupar curiosamente os lugares mais impensáveis. Foi bonito, e não se apagou ainda, nem se apagará da memória e de tantas situações ou lugares, o eco e repercussão deste acontecimento. O que vimos e sentimos foi, creio, muito positivo e benéfico. Portanto, Portugal não deixará de beneficiar deste acontecimento em consequências positivas e esperançosas. Não chegarão estas consequências para vencer “a crise social”, mas certamente que por aqui a crise não se agrava. Pelo contrário. Tem-se falado muito da auto-estima. Entendamo-la e entendamo-nos. Sem exageros, sem fanatismo ou chauvinismo, mas com verdadeira modéstia, optimismo e esperança. Entrevista proposta por M. Correia Fernandes, Director de “Voz Portucalense”

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