Pouco para festejar no Dia da Europa

Francisco Sarsfield Cabral

O 61º aniversário da histórica declaração do então ministro dos Negócios Estrangeiros de França, Robert Schuman, sobre a integração europeia (na altura, no carvão e no aço) não acontece numa fase animadora quanto ao futuro da Europa. É certo que a CEE, e depois a União Europeia, já passaram por muitas crises, entretanto superadas. Mas a crise actual parece mais funda e mais preocupante.

O grande objectivo inicial da integração europeia era a paz, em particular a paz entre a Alemanha e a França, países que em menos de um século se haviam defrontado em guerras sangrentas, duas delas mundiais. Hoje tal objectivo está garantido, pelo menos aparentemente.

Por outro lado, a Alemanha que emergiu derrotada da II Guerra Mundial sentia uma enorme dívida face aos seus vizinhos (fora ela a agressora nos anteriores conflitos) e face à própria humanidade: lembremos os campos de extermínio. Ora a reconciliação com a França e a integração europeia foram a via para os alemães voltarem a ser aceites pela comunidade internacional. Acontece que hoje estão no poder em Berlim políticos que não viveram a guerra nem o nazismo e que, portanto, querem que a RFA se comporte como um país normal, defendendo os seus interesses sem mais dívidas a pagar aos parceiros europeus.

Helmut Kohl, que forçou os seus concidadãos a trocarem o marco pelo euro, pretendia “uma Alemanha europeia, não uma Europa alemã”. Para ele, a integração da Alemanha no projecto europeu era a forma de o seu país exorcizar velhos demónios. Já Angela Merkel não encara assim a UE. Recorde-se o longo tempo que levou a organizar uma ajuda (se é que de ajuda se pode falar) à Grécia. E o autêntico “Directório” de um só país que a Alemanha hoje representa na UE, em prejuízo da Comissão Europeia, tradicional aliada dos Estados membros pequenos e médios.

Paralelamente, desapareceu um importante “cimento” da integração, que era a ameaça soviética (levando os Estados Unidos a apoiarem essa integração). Muitos países da antiga órbita soviética integram agora a União; mas há dúvidas se, de ponto de vista económico e também no plano político (veja-se a Hungria), algumas dessas nações estão a ser fiéis ao espírito europeu.

Durante a guerra fria os países europeus viveram debaixo do guarda-chuva nuclear norte-americano. Washington mantinha tropas na Europa, sobretudo na Alemanha, para dissuadir uma invasão soviética. Caído o muro de Berlim e reunificada a RFA, nem por isso os europeus trataram a sério da sua defesa. O que leva à irrelevância da UE nas grandes questões internacionais, a começar pelo Médio Oriente.

Do ponto de vista económico, o euro atravessa dificuldades, com os problemas da “dívida soberana” da Grécia, da Irlanda e de Portugal e com a timidez em encontrar uma resposta europeia para essa crise. O próprio Mercado Interno – livre circulação de pessoas, serviços, capitais e mercadorias – se encontra ameaçado. Por exemplo, Berlusconi e Sarkozy querem reintroduzir temporariamente fronteiras no interior da União, por causa dos imigrantes, área onde não há uma política europeia e algumas políticas nacionais se rendem à extrema-direita xenófoba e racista. Acresce que o dinamismo económico da UE, com a excepção da Alemanha, é actualmente bem mais fraco do que o dos países emergentes ou o dos Estados Unidos.

Existe, assim, o risco de a União entrar num processo de desagregação. Ora a desintegração europeia seria uma tragédia, até porque representaria desperdiçar um modelo original, muito invejado noutros continentes, de partilhar soberania entre Estados nacionais. Numa altura em que estes perdem poder face às forças económicas no quadro da globalização, a UE oferece uma via única para que a democracia e a sobreposição do poder político ao poder económico sejam efectivas.

Para isso, porém, são preciso líderes com visão de futuro e capazes de mobilizar uma opinião pública cada vez mais eurocéptica em torno do projecto europeu. A integração europeia ou renasce ou morre.

Francisco Sarsfield Cabral, Jornalista 

(texto escrito com a anterior ortografia)

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