Portugal: «Vivemos numa crise social em permanência desde a pandemia», denuncia presidente da Cáritas do Porto

Paulo Gonçalves destaca impacto do aumento dos custos com a habitação, lamentando aumento das taxas de juro

Foto: RR/Henrique Cunha

Porto, 09 jul 2023 (Ecclesia) – O presidente da Cáritas Diocesana do Porto alertou para a persistência e agravamento da crise socioeconómica em Portugal, em particular pelo aumento dos custos com a habitação.

“Vivemos numa crise social em permanência desde a pandemia”, refere Paulo Gonçalves, em entrevista à Agência ECCLESIA e Rádio Renascença, emitida e publicada este domingo.

O responsável falava a propósito da apresentação, pela Cáritas Portuguesa, da sua nova campanha, ‘Doar Com Certeza’, e os resultados do Programa ‘Vamos Inverter a Curva da Pobreza’, na última semana.

“Os problemas persistem de tal forma que a Cáritas Portuguesa resolveu prolongar esta campanha, pelo menos, até final de 2023. Efetivamente, nós não estamos a conseguir inverter a curva da pobreza”, observa.

Para o presidente da Cáritas Diocesana do Porto, a habitação é o problema “mais complexo de todos”.

“O Estado tem falhado a toda a toda a linha. Como é que um jovem hoje, com os salários tão baixos existentes em Portugal ou praticados em Portugal, pode sair de casa dos pais e constituir família e, objetivamente, ter uma vida digna?”, questiona.

O entrevistado considera que se vive um “clima de tensão social”, de forma permanente, nos últimos anos.

“Todos os problemas que existiam têm-se vindo a acentuar: a inflação, o custo médio de vida ou a própria habitação”, aponta.

Temos famílias endividadas, grandes dificuldades do ponto de vista da habitação, e depois, naturalmente, o dinheiro não chega até ao final do mês. Temos muitas famílias que, a partir de determinada altura do mês, têm muita dificuldade em colocar pão na mesa. E é isso que nos devia preocupar a todos”.

Paulo Gonçalves questiona as políticas comunitárias, com mais atenção “às questões financeiras, às questões económicas do que propriamente aos valores e à humanidade”, alertando para o impacto do aumento das taxa de juro.

“Ou pagamos as obrigações com o Banco ou passamos fome. Encontrar um equilíbrio, aqui, é que está a ser difícil nesta altura”, indica.

Para o presidente da Cáritas do Porto, se as taxas de juro “continuarem a aumentar de forma tão expressiva”, vai haver “cada vez mais famílias em dificuldade”.

“Não sei até que ponto vamos reverter este fraco desempenho económico, que é comum a praticamente todos os países europeus”, prossegue.

Nos últimos anos, a Cáritas apoiou em todo o país cerca de 31 mil famílias, 47% das quais em situação de desemprego; em 20% dos casos, as famílias têm rendimentos que se revelam insuficientes para “suportar as suas obrigações”, precisa Paulo Gonçalves.

O responsável fala ainda dos imigrantes que “vão bater à porta de instituições com o perfil da Cáritas”.

Surgem-nos todos os dias novos casos, na Cáritas, de imigrantes que naturalmente estão completamente desprotegidos, não têm qualquer tipo de retaguarda. E, muitas vezes, vivem em situações perfeitamente desumanas, no nosso território, não é? Todos nós temos conhecimento de dezenas de imigrantes que vivem numa única habitação em condições muito precárias”.

Paulo Gonçalves refere que há “novos pobres”, falando num desaparecimento da classe média, em Portugal.

“Há uma pobreza envergonhada que vai surgindo todos os dias, pessoas que tinham uma vida relativamente estável”, precisa.

O presidente da Cáritas do Porto considera que estratégia nacional de luta contra a pobreza “já deveria estar mais do que definida”, porque se vive uma “corrida contra o tempo”.

“O diagnóstico já está feito, mas os apoios sociais estão a sair a conta-gotas, de forma avulsa, quando há mais ou menos pressão social”, adverte, pedindo “uma estratégia efetivamente integrada, que responda às questões da habitação, da pobreza e a um conjunto de outros problemas que vão surgindo no dia a dia”.

O entrevistado teme que a crise venha a afastar muitos alunos do Ensino Superior, por considerar que as suas famílias “não podem suportas os custos” associados aos estudos e à estadia noutro local.

Henrique Cunha (Renascença) e Octávio Carmo (Agência Ecclesia)

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