Portugal tem fraca tradição de voluntariado

Pe. António Vaz Pinto, o mentor dos Leigos para o Desenvolvimento, espera uma consciência colectiva da necessidade de apoio aos países em vias de desenvolvimento Movimento missionário, claramente cristão e católico, os «Leigos para o Desenvolvimento» comemoraram recentemente 20 anos de fundação. Nascido para ir ao encontro de populações e povos em vias de desenvolvimento, foi novidade no país. Em entrevista à Agência ECCLESIA, o sacerdote Jesuíta António Vaz Pinto, recorda as origens e avalia o presente. Agência ECCLESIA – Como é que nasceram os «Leigos para o Desenvolvimento»? Pe. António Vaz Pinto – Eu estava em Coimbra a dirigir o Centro Universitário Manuel da Nóbrega (CUMN), quando em contacto com alunos dos últimos anos, de várias faculdades, eles se questionavam: o que vamos fazer a seguir? Curiosamente, quando fui para Lisboa fundar o Centro Universitário Pe. António Vieira (CUPAV), encontrei um grupo de pessoas com a mesma preocupação. “Vamos apenas ganhar dinheiro, fazer carreira? Não poderemos nós usar os nossos talentos ao serviço de uma causa mais nobre e, provavelmente, em relação aos países de língua portuguesa?” A ideia foi germinando… começaram a fazer-se os estatutos para obter personalidade jurídica e a dar a formação adequada. Foi um processo lento. Nessa altura, em Angola e Moçambique, havia guerras tremendas, e por isso não valia a pena pensar ir para esses países. Pareceu-nos que, ideal seria partir para São Tomé e Principe, com o acordo dos bispos locais. Foi então que partiu o primeiro grupo de seis voluntários, iniciando uma longa caminhada. Hoje, vinte anos depois, já são cerca de 250, os que partiram e voltaram. AE – Na época em que foram fundados os «Leigos para o Desenvolvimento», em Portugal, não era normal um movimento deste género, nomeadamente de cariz católico… AVP – Não havia nada de semelhante, pelo menos que eu saiba, com uma certa visibilidade e estrutura. Por vezes acontecia uma pessoa ou outra associar-se a uma congregação ou ordem religiosa. Havia também, com grandes deficiências de estrutura e de formação, os chamados cooperantes. Mas uma coisa destas, com caracter claramente eclesial, mas de leigos, foi uma novidade absoluta. Sobretudo, porque estas não são pessoas para missões de emergência. Isto é desenvolvimento, exige continuidade e que as pessoas estejam pelo menos um ano, ou, muito recomendavelmente, dois. Muitos estiveram até três e quatro anos, para uma continuação do trabalho. AE – Passados 20 anos, que evolução se verifica em relação às origens desta Organização Não Governamental (ONGD)? AVP – Primeiro diversificámos a nossa presença. Neste momento estamos numa missão em Díli, três em Moçambique, duas em Angola e uma São Tomé. A formação também melhorou muito. Hoje em dia, o candidato a voluntário tem de ser uma pessoa com o curso finalizado, ou que tenha uma significativa experiência profissional. Na formação tem um ano inteiro, com variados módulos, com acompanhamento pessoal, exercícios espirituais e trabalho no terreno. O movimento alargou-se e hoje está ligado aos Centros Universitários da Companhia de Jesus, em Braga, Porto, Coimbra e Lisboa. A formação é dada localmente e há para isso há uma equipa composta por leigos e com um assistente eclesiástico, Jesuíta, em cada um destes locais. Há, também, vários momentos durante esta formação anual em que todos os candidatos se encontram para se conhecerem e partilharem experiências. Portanto, pode-se dizer que houve uma diversificação, um alargamento da formação e da base de recrutamento, que é uma maior profissionalização. AE – Que desafios se colocam agora, passados 20 anos? AVP – Continuar e melhorar a formação, e também a profissionalização dos trabalhos no local. Criar uma consciência colectiva em Portugal acerca da problemática e da necessidade de apoio aos países em vias de desenvolvimento, e dar uma marca muito cristã porque o serviço da fé passa pela promoção da justiça. Por outro lado é necessário aprofundar e a melhorar o diálogo cultural e o desenvolvimento integral do homem. AE – Há cerca de 20 anos, como já disse, isto era uma novidade em Portugal. E actualmente, como vê o panorama do voluntariado no país? AVP – Eu acho que nós temos uma tradição muito fraca de voluntariado. Quando comparamos o voluntariado português com Espanha, França ou Itália, verificamos que temos, de facto, um voluntariado em quantidade e qualidade muito enfraquecido. Mesmo ao nível da cooperação, permanece a concepção desta, entre empresas ou entre estados, esquecendo-se que as Organizações Não Governamentais, como é o caso dos Leigos, têm muito menos meios materiais, mas estão muito mais inseridas no terreno, e muito mais próximas das pessoas. E até a canalização de meios financeiros para elas pode dar muito mais fruto. No entanto, há todo um “mar” de coisas a fazer e a melhorar.

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