D. Jorge Ortiga, presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, perspectiva encontro com Bento XVI no Vaticano A viagem que os Bispos de Portugal realizam ao Vaticano, neste mês de Novembro, é a primeira do novo milénio. Desde 1999, data da última visita Ad limina, muita coisa mudou na vida das várias diocese do país, na Igreja e no mundo. Em entrevista à Agência ECCLESIA, D. Jorge Ortiga, presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, perspectiva este encontro histórico com Bento XVI. Agência ECCLESIA (AE) – Como é que o Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) irá descrever os trabalhos pastorais da Igreja nos últimos anos? D. Jorge Ortiga (JO) – A imagem da igreja portuguesa é aquela que cada bispo levará da sua diocese. Uma visita Ad limina é um contacto de cada diocese com o Papa e com os dicastérios romanos. Há um relatório que apresenta, essencialmente, as preocupações e anseios de cada diocese. Estes integram-se no conjunto de todo este país. Penso que há preocupação de todas as dioceses: a Igreja em Portugal terá que apostar num modo mais convincente na evangelização. Reconhecemo-nos um país maioritariamente católico, mas com necessidade de uma fé mais personalizada. Não esquecemos o programa escolhido pela CEP para este triénio, “reflectir sobre a transmissão da fé nestes tempos de mudança”. Este tema conduz-nos a uma reflexão sobre o número de sacerdotes e as vocações para suscitar um espírito de maior corresponsabilidade dentro de cada uma das dioceses. A Igreja em Portugal terá que olhar, com serenidade e calma, para determinadas zonas e aspectos da vida portuguesa que estão a afastar-se de modo claro da mensagem cristã. AE – Perante este cenário, os bispos portugueses levarão um semblante carregado ou sorrisos quando apresentarem as suas dioceses? JO – É difícil de dizer, mas vamos com muita esperança. Na mensagem enviada a Bento XVI disse que sentimo-nos servos da esperança. Reconhecemos as sombras e os contrastes da sociedade e também da igreja portuguesa, mas descortinamos esta esperança que nos faz acreditar num futuro de mais intervenção e de mais interpelação da igreja em Portugal. AE – Ao afirmar que nem tudo está bem, nota insuficiências pastorais? JO – Os cristãos, minimamente conscientes, sentem-se insatisfeitos. Há uma ruptura entre a cultura (tanto do povo simples como do mundo universitário) e a fé. Este dado inquieta-nos muito. O indiferentismo religioso e o fenómeno da globalização que invadem os costumes e tradições preocupam-nos. Apesar destas lacunas, acreditamos que Cristo é o fermento para uma sociedade mais fraterna e evangélica. AE – As estatísticas dizem que cerca de 90% da população portuguesa é católica. Todavia, apenas um quinto (cerca de 2 milhões) é que participa nas Eucaristias. Os portugueses são “católicos não praticantes»? JO – Actualmente, há um conceito diferente de prática religiosa. Evidentemente que não devia haver cristão nenhum sem a frequência da Eucaristia Dominical. No entanto, temos de reconhecer que alguns dizem-se católicos, mas depois não frequentam. Não manifestam a alegria do encontro com a comunidade. Outros estão impossibilitados de o fazer por causa do trabalho, pela idade ou doença. Há uma grande franja da população que está impossibilitada de participar na Eucaristia Dominical. AE – As «novas catedrais» do consumo não são também concorrentes de peso? JO – Não estou a arranjar desculpas. Sei que há casais que preferem esse estilo de vida, mas sei também que muitos casais vão – uma vez ou outra – aos santuários. AE – Católicos de santuários, de peregrinações e de romarias? JO – Também. Portugal conserva as suas tradições com muito ardor e entusiasmo. As procissões/peregrinações continuam a congregar muitas pessoas. É importante que estas sejam espaços de celebração, mas, sobretudo, de evangelização. AE – Evangelizar a Religiosidade Popular? JO – É urgente porque temos imensas festas pelo país. É um desafio que se coloca à Igreja Portuguesa. Rasgar caminhos AE – Descobriram os «perigos» destes fenómenos contemporâneos. Não chegou a altura de utilizarem novas linguagens e novos métodos evangélicos? JO – Neste preciso momento, a Igreja terá que apresentar a sua verdadeira identidade. Nos tempos que correm – numa sociedade que se diz agnóstica e ateia -, esta diferença terá que resplandecer. O grande desafio está voltado para dentro, mas com a consciência que é fundamental utilizar metodologias novas para penetrar nos dinamismos e opções das pessoas que estão fora. AE – Nestes tempos essa «identidade diferente» é convincente? O «produto» não deverá ser apresentado com uma «roupagem nova»? JO – Não podemos enganar ninguém. A identidade da Igreja está no Evangelho. Por outro lado, levamos a Roma a alegria de termos um «Ano Paulino» e, simultaneamente, um Sínodo sobre a Palavra. Talvez, a Igreja em Portugal tenha a necessidade de se auto-evangelizar para poder evangelizar. O Evangelho, como Boa Nova de Cristo, é de ontem, hoje e sempre. A Igreja não pode colocar uma «roupagem nova», mas compreender os seus conteúdos de forma autêntica e profunda. AE – Ao referir-se à «Auto-evangelização», pensa que os cristãos não estão evangelizados? JO – Sem dúvida nenhuma. Penso que poucos (talvez nenhum) se sentem verdadeiramente possuídos pela mensagem de Jesus Cristo. Este é um desafio para bispos, sacerdotes, religiosos/as e leigos. É um confronto permanente que nos coloca perante a Boa Nova. AE – Não falta alegria aos cristãos? Os chamados rostos pascais… JO – Infelizmente sim. Temos que repor nas pessoas uma fé libertadora e que suscite um espirito de Ressurreição e de Aleluia. O cristianismo é a religião do amor e da alegria. AE – Com o novo «Motu Proprio» de Bento XVI não haverá o perigo de promovermos o lado enigmático da celebração com o uso do Latim? JO – Existiram más interpretações deste «Motu Proprio». Bento XVI diz que o Latim pode ser usado – nalgumas ocasiões -, mas não é o rito habitual. Em termos de música, o gregoriano está na moda… AE – Se as celebrações forem em Latim não afastam as pessoas? JO – As celebrações não serão em Latim… Só em casos excepcionais. AE – A Igreja está a potencializar os Meios de Comunicação Social que possui? JO – Nunca estamos satisfeitos. As estruturas existem… No entanto era essencial que os cristãos estivessem mais presentes neste mundo da Comunicação Social. Ouvir o Papa AE – Antes da entrega dos relatórios, existiram conversas preliminares com os bispos das outras dioceses? JO – Não existiram encontros preparatórios ou de reflexão. A visita é com cada um dos bispos e cada um deles é que faz o seu relatório anual e quinquenal. Depois confrontamo-nos com as principais coordenadas, que, suponho, são idênticas em todas as dioceses. AE – Então só Bento XVI e os vários dicastérios é que sabem a imagem que aparece no «puzzle» da Igreja Portuguesa? JO – Não. Cada Congregação tem conhecimento daquilo que os bispos reconhecem de positivo e negativo. Depois, estas fazem as suas sínteses e alertarão para algumas realidades. Posteriormente, o Papa deixará um discurso programático fundamentado nas ideias reflectidas pelos diversos dicastérios. AE – Será um discurso programático, mas para executar? JO – Evidentemente. Depois de lido, iremos esmiuçá-lo e trazê-lo para o nosso quotidiano. AE – Os bispos nas suas dioceses ou a Conferência Episcopal Portuguesa? JO – As duas coisas. A próxima assembleia plenária debruçar-se-á sobre o discurso que Bento XVI nos fará. Depois, cada bispo na sua diocese irá dar-lhe a concretização necessária. AE – Está a imaginar um discurso com advertências e elogios do Papa aos bispos portugueses? JO – Vamos de coração aberto e com uma inteligência capaz de entender o seu discurso. Se forem advertências são advertências. Se forem estímulos são estímulos. Se forem louvores são louvores… Como sucessores dos apóstolos estamos empenhados na mesma aventura e com a consciência de que nem tudo está bem. Apesar de tudo, notamos que existe caminho e somos fiéis à Igreja de Roma. Trabalho de equipa AE – Quando elaborou o relatório para a visita Ad limina consultou os arciprestes e responsáveis pelas diversas áreas de pastoral? JO – O relatório é feito a partir do trabalho dos arciprestes e dos vigários das respectivas áreas. É um relatório anual, onde os números e os dados são fornecidos pelas estruturas intermédias. Da nossa parte, é um recolher e formular – com cunho pessoal – aquilo que os outros afirmam e dizem. AE – Os bispos auxiliares também são consultados? JO – São consultados e participam nessa elaboração. Estarão presentes, comigo, nos diversos encontros em Roma. AE – Então, terão uma palavra activa? JO – Com toda a certeza. Alguns deles fazem parte das diversas comissões. No encontro pessoal com Bento XVI terão uma palavra a dizer. AE – O pastor deve estar próximo do seu rebanho. Não seria preferível existirem mais dioceses e menos bispos auxiliares? JO – Não podemos estar no trono como antigamente. Temos de ir ao encontro do povo e sair dos gabinetes. A divisão das dioceses pode facilitar ou não. AE – É a favor ou não da reorganização do território eclesial? JO – Nalguns casos sim. No momento oportuno isso poderá acontecer. Jovens e família AE – A pastoral está dividida por diversos sectores. Olhando para a Pastoral Juvenil pode apontar os «Outonos» e as «Primaveras» deste sector específico? JO – A «Primavera» está no surgimento de diversos movimentos com carismas diferentes que congregam multidões de jovens. Os grupos existentes nas paróquias portuguesas indicam-nos que a juventude não está tão longe de Cristo como poderíamos pensar e imaginar. Por outro lado, é necessário reconhecer este «Outono»: A Igreja em Portugal ainda não teve capacidade para delinear um programa catequético básico para todos esses grupos e movimentos. Um programa que fosse capaz de integrar a diversidade na unidade. Os movimentos têm a sua espiritualidade e formação, mas necessitariam de um sentido com mais unidade. AE – Mas a Igreja propõe um itinerário catequético de dez anos. JO – Termina quando os jovens têm cerca de 16/17 anos. Termina – em grande parte das dioceses – quando se celebra o Sacramento do Crisma. Este deveria significar não apenas a celebração de um sacramento, de índole mais ou menos social, mas uma opção por Cristo e uma integração responsável na Igreja através de serviços nos diversos ministérios paroquiais. AE – Todos os anos são crismados milhares de jovens. Como não são aproveitados, é uma espécie «check-in» para saírem da Igreja? JO – É uma das nossas dificuldades. Temos de nos interrogar. Temos de alterar a metodologia. Pessoalmente, estou convencido de que vale a pena todo este itinerário catequético porque é algo que se semeia. Mais tarde ou mais cedo, eles voltarão. AE – Na Pastoral Escolar, a Igreja Portuguesa está a sentir também dificuldades inesperadas? JO – São dificuldades que teremos que ultrapassar. As aulas de Educação Moral e Religiosa Católica (EMRC) são colocadas em horários nem sempre mais convenientes e oportunos. Como são opcionais, a juventude prefere os momentos de liberdade. No entanto, a Pastoral Escolar não poderá estar apenas ligada às aulas de EMRC. Temos de encontrar algo que envolva mais os jovens e a comunidade educativa (professores e funcionários). É fundamental dar o salto e entrar também na Pastoral Universitária que é desafiada pelo mesmo problema. AE – Como a Igreja propõe valores, o mundo escolar é uma aposta urgente? JO – Os professores de EMRC têm formação universitária (habilitação própria) e estão atentos à dimensão transversal da educação. Uma aula de EMRC não é uma aula de catequese. Deve situar-se num processo de formação, como resposta cristã às questões que surgem na sociedade. AE – Com estão as relações dialogais entre a família e a Igreja? JO – Encontramos famílias profundamente empenhadas – muitas surpreendem-nos com o seu espírito de vivência – mas também temos também o oposto. A Igreja terá que trabalhar muito mais na preparação para o Matrimónio. Não só a preparação próxima mas também a remota. A Igreja não poderá limitar-se à celebração dos sacramentos. É urgente acompanhar, de forma mais próxima, os casais jovens. AE – Actualmente, será que o Sacramento do Matrimónio não é apenas uma festa social? JO – Muitos preferem ter o casamento pela igreja porque é mais bonito. Depois tudo é colocado de lado e algumas vezes aparece o divórcio. Por outro lado, também temos casais que se prepararam e vivem aquele sacramento. AE – São casais cristãos, mas que votam a favor do aborto? JO – Pode acontecer. No entanto não podemos esquecer o trabalho feito pelos casais na campanha do aborto. AE – É compreensível ser cristão e votar a favor do aborto? JO – Evidentemente que não. O casal cristão sabe a doutrina que professa e sabe que esta é pela vida. Temos de condenar o erro, mas aceitar a pessoa. Igreja e sociedade AE – A Pastoral Social é um dos rostos mais visíveis da Igreja Portuguesa. No entanto, as pessoas estão descontentes com algumas medidas governamentais e a hierarquia da Igreja já levou essa preocupação ao Primeiro-Ministro. Sente que os políticos ouvem a voz da Igreja? JO – Ninguém ignora que a Igreja foi, até há pouco, talvez a única que se interessou pelos pobres e pelos mais necessitados. A Igreja tomou várias iniciativas e procurou alertar para os problemas da pobreza, marginalidade, crimes, exploração e corrupção. A Igreja esteve sempre do lado dos mais pobres. Faz parte da missão da Igreja. Nos últimos tempos, tem crescido uma maior intervenção por parte do Estado nessa área. Têm surgido dificuldades por outros que pretendem ocupar esse espaço. AE – Porque é que os outros querem ocupar esse espaço que a Igreja ocupava e onde desempenhava serviços meritórios? JO – Os Papas falam numa Igreja perita em humanidade. Se, amanhã, não existir fome neste país – o que não é verdade – se não existir desemprego – o que não é verdade – ficaríamos satisfeitos. Há muito trabalho para fazer na vivência das obras de misericórdia. É fundamental olhar para o fenómeno da solidão. AE – Depois destas denúncias como está o relacionamento Igreja/Estado? JO – Estamos de acordo com a Lei da Liberdade Religiosa. No entanto esperamos, ansiosamente, que a Concordata seja regulamentada em alguns pontos para evitar tantas coisas que estão a surgir. AE – O caso dos capelães hospitalares é um deles? JO – São muitos casos que nos obrigam a estar atentos. Neste momento, continuo a acreditar na boa vontade do governo e dos diversos ministérios. Não quero ofender ninguém – também não posso ser ingénuo –, mas existem muitos quadros intermédios que dificultam as palavras dos ministros. Há interferências que dificultam esta caminhada. AE – O que fazer para eliminar os obstáculos desta caminhada? JO – Estarmos atentos e disponíveis para o diálogo. AE – Levarão essas dificuldades – regulamentação de alguns pontos da Concordata – a Bento XVI? JO – Não, mas se surgir alguma conversa falaremos. No entanto, digo que a questão da aplicação da Concordata estará presente nas nossas conversas. AE – Conversas com Bento XVI? JO – É provável. Não queria estar a antecipar os discursos. AE – O conceito «laicismo» está em voga. A Igreja tem de descobrir novos caminhos para ultrapassar os «ismos» contemporâneos. JO – Gostava que existisse uma interpretação de uma laicidade justa. AE – O que significa uma laicidade justa? JO – Significa uma separação entre dois poderes. O Estado pode ser laico, mas a sociedade portuguesa não é laica. Os portugueses dizem-se maioritariamente católicos. Para além do catolicismo, existem outros fenómenos religiosos. Isto não pode ser destruído por meia dúzia de pessoas. O laicismo protagonizado por pequenos grupos não pode impedir a laicidade justa. Se alguns não acreditam na dimensão transcendental do homem não a podem negar nem obstruir.