Portugal: «Culpabilização» dos pobres persiste na sociedade – Maria José Vicente

Coordenadora nacional da Rede Europeia AntiPobreza critica «guetos» que isolam populações vulneráveis e assume preocupação com famílias desalojadas

Foto: RR/Henrique Cunha

Porto, 10 nov 2024 (Ecclesia) – A coordenadora nacional da Rede Europeia AntiPobreza (EAPN)/Portugal alertou para a persistência da “culpabilização” das populações mais vulneráveis, criticando os “guetos” em que muitas são isoladas.

“Ainda existe na sociedade portuguesa a ideia de que as pessoas se encontram nesta situação por sua culpa e isto tem de ser alterado. Estamos a falar de mudança de mentalidades e sobretudo de um novo paradigma”, refere Maria José Vicente, convidada da entrevista semanal Ecclesia/Renascença, emitida e publicada aos domingos.

A responsável apela a um olhar “multidimensional” que permita intervir nas causas estruturais da pobreza e exclusão social.

Questionada sobre os recentes atos de violência e protesto em bairros das periferias de Lisboa, Maria José Vicente assume a preocupação com o possível aumento da “culpabilização das próprias pessoas que estão a vivenciar estas situações”.

“Muitos dos contextos nos quais ocorreram esses incidentes são guetos, em que as pessoas foram colocadas durante os anos, sem um verdadeiro acompanhamento, muitas vezes isoladas, não inseridas na verdadeira malha urbana”, precisa.

Há discriminação e temos de a combater. Já se fala até num termo que a própria EAPN Portugal trouxe para debate, que é aporofobia, o pavor e o ódio em relação às pessoas em situação de pobreza”.

A coordenadora nacional da EAPN/Portugal alerta para a “crise da habitação”, em particular as “muitas famílias que estão a ser desalojadas e vão parar à rua”.

“Temos conhecimento de que, muitas vezes, estas famílias têm crianças. Para que as crianças não fiquem na rua estão a ser encaminhadas para centros de alojamento temporário e, sobretudo, para instituições de acolhimento de crianças e jovens”, refere.

Para a entrevistada, tornar o combate à pobreza um “desígnio nacional” exige que este compromisso “político” e “de toda a sociedade civil, de todos os cidadãos.

“Nenhum país pode falar em crescimento e em desenvolvimento se tivermos uma pessoa em situação de pobreza e exclusão social”, aponta.

Maria José Vicente convida os responsáveis políticos a “ouvir as pessoas” que se encontram em situação de pobreza e exclusão social, para avaliarem o “impacto” das várias medidas na vida destas populações.

“Muitas vezes a intervenção é imposta e não há aqui um processo de corresponsabilização e sobretudo de definição em conjunto”, adverte.

Uma das questões que a própria EAPN tem debatido é a relação bidirecional entre pobreza e saúde mental, ou seja, quem está numa situação de pobreza tem maior probabilidade de vir a ter uma doença mental e vice-versa, quem está a vivenciar uma doença mental pode rapidamente cair numa situação de pobreza e exclusão social porque também há muito estigma à volta da doença mental”.

O Papa Francisco instituiu, em 2017, o Dia Mundial dos Pobres, que se celebra no penúltimo domingo do ano litúrgico (17 de novembro, este ano), como forma de colocar o tema nas preocupações das comunidades católicas.

“É muito importante a própria Igreja, que também é um ator fundamental nesta luta, naquilo que nós definimos como designo nacional, ter esta preocupação e não só nesta altura, mas ao longo do ano abordar sempre estas questões”, observa a coordenadora nacional da EAPN/Portugal.

Para a entrevistada, a luta contra a pobreza tem de “corresponsabilizar todos os atores” e não apenas os políticos, “na defesa das pessoas”.

Henrique Cunha (Renascença) e Octávio Carmo (Ecclesia)

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Agência ECCLESIA

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