A rejeição da esperança torna o mundo mais pobre e mais estreito
Depois da preparação do círio pascal e do canto do precónio, eu mesmo vos convidei para percorrermos momentos-chave da história da salvação e usei estas palavras: “Ouçamos agora, de coração tranquilo, a Palavra de Deus. Meditemos como Deus, outrora, salvou o seu povo e como, na plenitude dos tempos, enviou Jesus Cristo, nosso Salvador”. Começamos no relato da Criação e terminamos com estas palavras do Evangelho: “Procurais a Jesus de Nazaré, o Crucificado? Ressuscitou: não está aqui! Vede o lugar onde O tinham depositado. Agora ide dizer aos seus discípulos e a Pedro que Ele vai adiante de vós para a Galileia. Lá O vereis” (Mc 16, 6-7).
Sim, o Ressuscitado seguiu, vai e irá sempre à frente. Não para fugir do nosso olhar, para se livrar de nós. Pelo contrário, fez-se e faz-se ver porque Se coloca ao nível da humanidade e acompanha-a nos seus percursos, ora de lágrimas e dor, ora de exultação e esperança. Melhor: conduzindo-nos sempre à superação das lágrimas pela esperança, em ordem à alegria e à felicidade plena. Mas para que isto aconteça, estão-nos vedadas duas atitudes: a de nos atirarmos ao chão, desalentados, no meio da jornada da vida e a de rejeitar a sua ajuda e companhia.
Os Apóstolos, catequisados para a parceria com os irmãos e para a esperança na instauração do Reino de Deus, compreenderam que a Ressurreição era não só um novo Êxodo, muito superior ao primeiro, mas também uma nova e original Criação. Por isso, não desistem de ir no encalço d’Aquele que lhe garantira que “o Filho do homem haveria de ressuscitar dos mortos” (Mc 9, 9), embora ainda estivesse muito viva na sua memória a cena do Calvário. Não desistem e esperam. E vão descobrir o seu Senhor, vivo e glorioso, em tantos gestos e situações. Nem que seja no meter o dedo no lugar dos cravos, como aconteceria com Tomé.
Também hoje, como sempre, a esperança nos impede de desistir, até porque sabemos que há sempre alguém que me espera, um Pai a olhar para o meu caminho (Lc 15, 20), como no relato do filho pródigo. A história da salvação, como hoje nos recordaram as leituras da Escritura, é a história de um Deus que não desiste de nós e que “por amor”, “por nós” e “pela nossa salvação” se oferece até ao fim. Oferece-se por nós porque está connosco. O Cristo ressuscitado é Aquele que foi crucificado: ele leva a sério os nossos sofrimentos e as nossas inquietações e abre-nos as portas da felicidade que procuramos. Ressuscitando, Jesus assinala a vitória definitiva do bem sobre o mal, da vida sobre a morte. E isso é o fundamento da nossa esperança.
Creio que o nosso mundo necessita de assentar mais nesta esperança. Só esta, juntamente com a sua irmã gémea, a fé, é que nos fazem perceber que a morte não tem a última palavra, que a nossa vida não mergulhará no vazio, que os desaires contemporâneos não são o fim, mas que tudo é chamado a ascender do menos para o mais, do anti-humano para o humano integral. Tudo se transformará em algo importante. Importante não apenas nesse depois da vida, na vida a seguir à vida, para lá do tempo, mas importante já no agora e aqui que nos é dado experienciar.
A rejeição da esperança torna o mundo mais pobre e mais estreito. E num mundo assim, a fé pode sufocar e o viver perde a sua alegria. Ora, a esperança cristã não é uma fuga para um mundo idealizado, um outro mundo fora deste, porque, como nos ensina Jesus, “o Reino de Deus está entre nós” (Lc 17, 20-21). Portanto, a esperança não nos adormece, não anestesia ou distrai deste «agora» onde somos chamados a tomar a palavra e a ousar anunciar o Senhor da história.
Mais: a esperança cristã não nos priva do amor e da fidelidade a esta terra, ao hoje, aos nossos contemporâneos e às suas aspirações e lutas, não nos dispensa ou isenta da responsabilidade e necessidade de agir. A esperança não disfarça ou apaga as dificuldades, as limitações ou os pecados, mas é certeza de sermos amados pelo Senhor da Vida, que não desiste de nós, que nos leva a esperar na redenção, nos impele à conversão e nos quer ativos no mundo.
Irmãs e irmãos, o mundo continua com as suas contradições e os seus sofrimentos, as suas baixezas e gosto impuro de derramar sangue inocente. Mas pela Cruz e pela Ressurreição, a esperança mantém-se viva. É esperança na graça de Deus, que não nos obriga nem nos tolhe, mas nos auxilia no ato de discernir, no ato de ver a realidade e de escolher/optar. E de optar pela vida e vida em plenitude.
Boas e alegres festas pascais no Ressuscitado! Hossana! Aleluia!
+ Manuel Linda