Pobreza está a atingir novas camadas da sociedade

O presidente da Rede Europeia Anti-Pobreza Portugal (REAPN) afirma que, actualmente, a pobreza «já deixou de ser aquela pobreza económica básica». «Ela já atingiu a classe média e está a atingir a classe académica e ex-funcionários de grandes empresas, que começam a ficar limitados, até na venda de bens, para poder subsistir. Isto começa a criar um certo pânico, porque ninguém sabe onde vai poder conter, ou não, a sua própria realidade», disse. Para o padre Agostinho Jardim Moreira, que ontem esteve em Guimarães para participar no II Encontro Regional do Norte de Pessoas em Situação de Pobreza, neste momento e perante a situação que se vive, «podem ir os anéis e os dedos», na medida em que tudo é imprevisível e o futuro pode ser catastrófico. Segundo o sacerdote, são os pobres quem verdadeiramente sofre as consequências da crise que se instalou, e que tem originado, por exemplo, o aumento do preço dos bens alimentares. «Este é um processo complexo e há que estar atento e ver como é que vamos conseguir ajudar mutuamente. Creio que a grande resposta que posso dar enquanto presidente da REAPN é que devemos estar bem atentos uns aos outros para impedir os desastres catastróficos de desespero das pessoas e de desumanidade e temos de construir uma sociedade mais igualitária e mais fraterna», salientou. Por outro lado, realça ainda o padre Jardim Moreira, há também o problema do sobreendividamento das famílias, que contribui para o aumento da pobreza em Portugal. Na sua perspectiva, as pessoas estão tão desesperadas que, não vendo nenhuma luz, aceitam qualquer coisa que lhes dê crédito. «Mas, isto é o fim do seu processo e pode ser o seu suicídio. As pessoas deviam ter cuidado. Não deviam tomar nenhuma posição sem ouvir alguém que lhes desse confiança, ou dar conselhos, antes de tomar decisões que possam comprometer definitivamente o seu futuro», acrescenta. Questionado se há pobreza envergonhada, o presidente da REAPN responde afirmativamente, realçando que ninguém gosta de ser pobre, a não ser aqueles que já perderam tudo, inclusive a própria dignidade e sentem que não são respeitados por ninguém. «Hoje, qualquer pessoa da classe média não tem prazer nenhum em ser reconhecida como alguém incapaz de poder participar na sociedade, e é capaz de manter o fato limpinho e manter o carro a brilhar e depois comer alimentos muito mais baratos para poder subsistir e manter o seu dia-a-dia sem atingir gravemente os recursos familiares que tem», sustentou. Encontro regional Entretanto decorreu ontem no auditório da Associação Fraterna, em Guimarães, o II Encontro Regional do Norte que reuniu pessoas vindas dos distritos de Aveiro, Braga, Bragança, Porto, Viana do Castelo e Vila Real, com o objectivo de reflectirem sobre a sua situação actual e avaliar a eficácia das políticas nacionais de inclusão. «Essencialmente reunimos aqui pessoas que são pobres, excluídas da sociedade, que vivem na dependência, muitas vezes de subsídios, e que vêm em nome pessoal dos vários distritos e também representam os grupos de distrito. Estas pessoas vieram pôr em comum quais são as perspectivas que cada uma sente em relação às políticas actuais, se elas respondem ou não às necessidades humanas», disse o presidente da REAPN. Para além de Guimarães, aconteceram também ao longo do dia de ontem outros encontros regionais em Viseu e em Beja, cujas conclusões vão agora ser reunidas num documento único a apresentar publicamente no próximo dia 17 de Outubro, data em que se assinala o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza. Esse documento, salientou o padre Jardim Moreira, pretende ser a voz de todas estas pessoas desfavorecidas, que será apresentado à comunicação social e aos responsáveis políticos no dia 17 de Outubro. «Nesse dia, em vez de haver só discursos sobre o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza vindos da Assembleia da República, nós vamos também apresentar uma proposta concreta que é a proposta dos próprios injustiçados», salientou. É preciso um olhar muito claro sobre a injustiça que o país produz «Devemos ter um olhar muito claro sobre a injustiça que o país produz porque a pobreza é o resultado de uma injustiça», disse o presidente da Rede Europeia Anti-Pobreza/Portugal, realçando que esta será a sua grande mensagem para o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, que se celebra a 17 de Outubro. Para o padre Agostinho Jardim Moreira, que falava à margem do Encontro Regional do Norte, que decorreu em Guimarães, «não se pode continuar a pensar em se construir um país assente em injustiças e no esquecimento que o ser humano é a única razão de ser de qualquer projecto ou economia». Aos jornalistas, o sacerdote defendeu ainda que o Governo deve criar um Plano Nacional de Luta Contra a Pobreza, realçando que a pobreza não se acaba com a atribuição de subsídios. O presidente da Câmara de Guimarães, que esteve presente na sessão de abertura do encontro, considerou que a dimensão da pobreza já atingiu um lastro de tal ordem que, «por muita boa vontade que nós tenhamos, somos sempre frágeis no que toca às soluções que possamos encontrar para remediar este problema. Infelizmente, nós não somos capazes de ir além do remedeio», disse.

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