Pelo interior da Igreja

D. Antonino Dias, bispo de Portalegre-Castelo Branco, fala à Agência ECCLESIA de uma diocese em sínodo perante o desafio da desertificação, que tem a particularidade de englobar territórios do Alentejo, Beira Baixa e Ribatejo

O Semanário ECCLESIA prossegue o seu ciclo de análise à vida das comunidades católicas em Portugal com um especial dedicado à Diocese de Portalegre-Castelo Branco, uma região com cerca de 220 mil habitantes, na sua maior parte católicos.

Em entrevista, D. Antonino Dias, bispo diocesano desde 2008, destaca a unidade deste território eclesial e a importância do sínodo, cujas sessões inaugurais decorreram no final de 2012

 

Agência ECCLESIA (AE) – Está na diocese de Portalegre – Castelo Branco há cerca de 4 anos, já existe uma marca pessoal neste território eclesial?

D. Antonino Dias (AD) – Penso que sim. As pessoas já me conhecem, visto que já fiz a visita pastoral à diocese e já estou na segunda volta das visitas pastorais. Já não passo despercebido nos lugares da diocese. Há uma empatia e familiaridade que se vai criando nesta proximidade das visitas que são muito importantes na dinâmica da pastoral. Atendendo que a sede da diocese [Portalegre] está numa ponta e se não saímos daqui então… Já existe um conhecimento mútuo.

 

AE – O que encontrou nessas suas visitas pastorais feitas aos vários arciprestados?

AD – Encontrei boa gente e com fé. Pessoas abertas à formação e amigas da Igreja. Pessoas disponíveis para o voluntariado e para se comprometerem numa dinâmica de crescimento. É uma cultura que se vai fazendo e as pessoas estão alertadas para isso. Gostaríamos de mais gente, mas tenho encontrado uma abertura e aceitação muito grande. Noto nas pessoas uma fé expressiva.

 

AE – Ouve-se com frequência que a descristianização é notória no Alentejo. Tem encontrado essa caracterização?

AD – Não posso falar no Alentejo apenas. Esta diocese implica parte do Alto Alentejo, parte da Beira Baixa e parte do Ribatejo. É uma diocese que tem territórios de três distritos (Portalegre, Castelo Branco e Santarém). A maneira de ser das pessoas é diferente, mas no fundo existe uma tradição cristã e uma fé enraizada. Nota-se que as pessoas estão abertas ao dom da fé, isso anima os próprios agentes da pastoral e o próprio bispo. É mais difícil anunciar o Evangelho em pessoas que estão «um bocadinho vacinadas» contra o espírito da Igreja porque nunca foram capazes de aprofundá-lo.

 

AE – Situada em três regiões distintas, a diocese de Portalegre – Castelo Branco é difícil de caracterizar? Tem mais afinidades com alguma região especial?

AD – (Risos). O alentejano é muito bom e delicado. Nunca encontrei uma razão de queixa da gente alentejana, antes pelo contrário. Gosto imenso de estar no meio deles, mas também gosto de estar no meio dos beirões. São pessoas com uma fé, talvez, mais formada porque tiveram mais oportunidade. Têm tradições mais enraizadas e diversificadas.

 

AE – E os ribatejanos?

AD – Esta diocese tem 450 anos e tudo se vai globalizando dentro dela. Há um espírito comum que anima todas as pessoas. Torna é difícil a mobilidade das pessoas, mas há uma interacção constante.

 

AE – Nunca pensou na divisão da diocese?

AD – Esta diocese já não é a original. A diocese de Portalegre foi criada, por desmembramento da Diocese da Guarda, assumiu em 1881, a diocese de Castelo Branco. A diocese de Castelo Branco só durou cem anos e foi unificada a esta. A diocese passou a chamar-se, só, de Portalegre, mas, a meados do século passado, um bispo daqui pediu à Santa Sé que se acrescentasse ao nome também Castelo Branco.

Em relação à divisão, não vejo que tenha cabimento nesta altura. Até porque a diocese, no seu todo, tem cerca de duzentas de vinte mil pessoas. É muito dispersa e com gente muito envelhecida e pouca juventude. Com as escolas e jardins-de-infância a fecharem e a abrirem lares da terceira idade. Há um conjunto de circunstâncias que não aconselham. Pode, num certo espírito de bairrismo, algumas pessoas pensarem nisso, mas as mais sensatas e que olham para a realidade local acabam por concordar como está.

 

AE – Com estas regiões específicas, a pastoral é diferente de zona para zona?

AD – Os padres que salpicam a diocese, devido aos encargos que lhe estão atribuídos, procuram ler os sinais dos tempos e as tradições locais. Não têm dificuldade em anunciar a Palavra de Deus.

 

AE – Então existe sintonia entre albicastrenses e portalegrenses?

AD – Sim. Quando há acontecimentos aqui, os do outro lado do rio [Tejo], os de Castelo Branco e do Ribatejo vêm cá. Quando acontece do lado de lá, os daqui também se deslocam. A consciência está gerada, mas vamos acentuando, cada vez mais, a necessidade de construirmos uma diocese que se sinta unida.

 

AE – Recentemente, disse numa homilia que não queria apenas cristãos de fim-de-semana.

AD – Numa romaria muito concorrida, saiu uma notícia com o título «Bispo critica cristãos de fim-de-semana». Acho que não disse isso…

 

AE – Mas critica ou não critica?

AD – Não. Longe de mim entrar numa linha dessas. As pessoas têm inteligência para pensar e vontade para agir. Mas apelo à santificação do domingo.

 

AE – Mas prefere ter cristãos diários?

AD – Um bispo – suponho que era de Viseu – disse: “A religião é como o sal na comida, nem de mais nem de menos”.

 

AE – A desertificação humana e o encerramento de empresas nesta região são dados notórios. Como analisa a realidade social na diocese?

AD – É uma região do interior… Está a desertificar-se e a ficar sem indústria. Isto faz com que os jovens fujam para outras paragens. Se não se deita olhos a isto, esta região vai desaparecendo aos poucos. A diocese tem vinte e tal concelhos, mas nove têm menos de quatro mil pessoas, sendo a maioria delas idosas. A maior parte das escolas fecharam. É uma situação que nos devia incomodar. Quando desaparecerem algumas estruturas autárquicas, as pessoas vão sentir-se menos seguras. Mas vamos procurar que a Igreja permaneça presente.

 

AE – O que a Igreja local tem feito para estancar esta desertificação humana?

AD – A Igreja não tem muitos campos para agir nesse sentido. Agora, as pessoas que estão fixadas no âmbito da diocese, a maior parte delas estão na área dos serviços. A Igreja ainda tem um campo vasto de iniciativas e estruturas que ocupam muita gente: as IPSS, misericórdias, lares… A Igreja não pode fundar fábricas, mas sente pena da região. Se não estivéssemos ligados a Espanha, com tanta gente do lado do mar já tínhamos virado para o outro lado.

 

AE – Acha que este «barco» está desequilibrado?

AD – Acho que está um bocadinho…

 

AE – Os políticos esqueceram o interior do país?

AD – Não sei se esqueceram ou se é de propósito que não querem fazer nada ou então não podem fazer nada. Dá pena ver o interior do país a ficar despovoado. Ficam apenas os idosos e os filhos destes vêm cá, de vez em vez, para animar as festas da aldeia e assistir às associações que dão vida às comunidades.

 

AE – Tal como dá pena ver uma empresa encerrar…

AD – A cidade de Portalegre já pouca vida tem. Dá pena passar pelas ruas e ver os comércios sem ninguém. As grandes superfícies comerciais deslocaram a gente da cidade. O comércio tradicional está a desaparecer.

 

AE – O turismo rural é uma das saídas deste povo? O silêncio dos montes alentejanos é atraente…

AD – O turismo regional tem apostado nisso e tem procurado que isso aconteça. No entanto, não é fácil porque Portalegre não tem uma via rápida e o comboio fica a grande distância daqui. Os meios de transporte público são raros.

 

AE – Mas tem pólos universitários?

AD – Na diocese existem três institutos politécnicos: Portalegre, Castelo Branco e Tomar, com uma extensão em Abrantes.

 

AE – Estas instituições dão uma certa vitalidade a estas cidades?

AD – Dá sangue jovem. No entanto, vemos as dificuldades que o instituto politécnico desta cidade enfrenta para se aguentar. Vai lutando e vai conseguindo. Temos também a escola da GNR em Portalegre, mas, de vez em quando, ameaçam que vai desaparecer.

 

AE – Contacta com frequência com as forças civis e autárquicas da diocese?

AD – Tenho um relacionamento bom. Vamos dialogando.

 

AE – A diocese está em sínodo, já existem resultados desta caminhada?

AD – Sim. Foi uma graça para a diocese a iniciativa do sínodo. Uma decisão tomada colegialmente, houve muito entusiasmo e motivação desde o início. É um processo de sensibilização grande. Lançámos cerca de 70 mil inquéritos para ver quais os temas necessários a abordar.

 

AE – E depois da recolha desses inquéritos?

AD – Fez-se o estudo e a análise factorial. Depois, concluímos optar por três temas: evangelização, fé e vocações e família. O lema geral do sínodo é: «Igreja diocesana o que dizes de ti mesma?». Queremos uma dinâmica de crescimento e com a consciência de que o mais importante do sínodo não é as conclusões – que serão importantes para traçar linhas de acção -, mas as pessoas que queremos envolver neste processo de caminhada sinodal. Estão milhares de pessoas a reflectir.

 

AE – O II Concílio do Vaticano apela a essa dinâmica sinodal.

AD – Nesta diocese já se realizaram três sínodos. O último foi há cerca de 300 anos. Às vezes, brinco com as pessoas e digo: “não esperem para participar no próximo sínodo porque não sei quando será o próximo” (risos…) A diocese sabe que está em sínodo e vamos tendo ecos. As visitas pastorais ajudaram muito à dinâmica sinodal.

 

AE – A Igreja está a celebrar os 50 anos do II Concílio do Vaticano, a diocese tem actividades programadas para comemorar esta efeméride?

AD – Estamos dentro do Ano da Fé e a trabalhar nessa linha. Não podemos assumir o Ano da Fé e a celebração do concílio numa forma paralela à dinâmica do sínodo. Seria prejudicar tudo… mas estamos a integrar o Ano da Fé e a celebração do concílio dentro da caminhada sinodal. Gosto que os arciprestados tenham iniciativas de formação para o povo e alguns já fizeram conferências sobre o concílio.

 

AE – Os cristãos conhecem os documentos conciliares?

AD – Os cristãos vão conhecendo a doutrina conciliar. A doutrina vai entrando lentamente, mas é um processo que nunca está acabado. A recepção do concílio ainda se está a fazer.

 

AE – Então os documentos não estão ultrapassados?

AD – Eles têm uma actualidade muito grande. Os problemas que existiam e que levaram à convocação do concílio, esses mesmos problemas existem hoje e, talvez, de forma mais agravada.  Quando lemos os textos do concílio ficamos encantados com a beleza e profundidade dos conteúdos. 

 

AE – O que fazer então para que o concílio entre nos lares dos cristãos da sua diocese?

AD – Vai-se lutando… Não podemos gerar angústia quando as coisas não correm tão depressa como gostaríamos.

 

AE – Sendo natural do Minho, com outra vivência da fé, veio encontrar nesta diocese outro tipo de vivências. Adaptou-se com facilidade?

AD – Sou de fácil adaptação. No Minho há mais gente… Pessoas que dinamizam e que participam muito nas peregrinações e procissões. Aqui é diferente. Não há tanta gente, nem tantas peregrinações.

 

AE – Mas a religiosidade popular deste povo também é acentuada?

AD – A piedade popular é a fé e a cultura. Por isso, esta piedade exige sempre uma certa vigilância para que não se meta por caminhos onde haja muitos desvios. Às vezes pode entrar por caminhos da irracionalidade ou da superstição. A fonte da piedade popular é a fé.

 

AE – Ficou surpreendido com os resultados da prática dominical na sua diocese?

AD – Não. As pessoas daqui não podem ir muito à Igreja devido à idade porque a maior parte são idosas. Muitas destas pessoas estão em comunhão. Passamos pelas aldeias e elas dizem que visualizam as eucaristias na televisão.

 

AE – Os padres também não abundam…

AD – Não estou muito preocupado com a falta de padres. Às vezes, preocupo-me com o espírito dos padres e da presença dos padres. Acho que é bom, mas fomento para que seja cada vez melhor. Tenho cerca de 70 padres a trabalhar na diocese e cerca de 25 comunidades religiosas. Temos também umas dezenas largas de ministros extraordinários da palavra. Como não estamos juntos das fontes de formação, as coisas tornam-se mais difíceis. Em muitos sítios, as pessoas não dispensam a celebração da palavra.

 

AE – E a aposta nos novos púlpitos como a comunicação social?

AD – Temos vários jornais espalhados pela diocese. Gostaríamos que os nossos jornais tivessem mais qualidade evangelizadora. O jornal «Distrito de Portalegre» acabou. Era o jornal diocesano. O bispo que me antecedeu disse-me, logo, que tinha de acabar com o jornal. Ainda fiz uma experiência… mas a solução foi essa. Para além da razão económica, o título não servia muito a diocese. Tinha de ser um título neutro. No sínodo sugeriram o lançamento de qualquer coisa que nos unisse. Estamos a pensar…

 

AE – E o site da diocese?

AD – Apostámos bastante nele, mas reconheço que não está a funcionar como devia. Como cada secretariado tem um site, o da diocese fica desprovido de muitas coisas.

 

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