Pela Vida

Um convite à reflexão do grupo interconfessional universitário Pela Vida Mais uma vez, vamos ser chamados a exprimir a nossa opinião de cidadãos acerca da questão jurídica da “despenalização da interrupção voluntária da gravidez”. Desde logo, a forma como a questão é enunciada traduz um equívoco, remetendo o eixo da decisão para um aspecto que, sendo socialmente relevante, está longe de constituir o núcleo fundamental do assunto. Na verdade, despenalizar corresponde aqui, na intenção legislativa, a descriminalizar e, na prática, a liberalizar ou mesmo a promover a prática do aborto, uma vez que o único critério decisório seria a própria decisão da mãe. Apresenta-se como argumento maior para a proposta de liberalização do aborto o facto de as mulheres que interrompem a sua gravidez fora das condições impostas pelo actual quadro jurídico serem julgadas, condenadas e cumulativamente expostas à recriminação social por um acto que, na maior parte das vezes, decorrerá de um inadequado ambiente familiar, deficientes condições socio-económicas, instabilidade laboral ou outros constrangimentos. Todavia, não pode deixar de ser estranho que, em vez de atacar de forma séria e consequente as situações de irresponsabilidade individual, de pobreza, a deficiente formação escolar, a dificuldade de acesso a meios de planeamento familiar, autoritarismo patronal ou outras limitações que podem empurrar as mulheres para o aborto, promovendo a justiça social, a equidade de acesso aos cuidados clínicos, a discussão de valores e outras condições para uma maternidade e paternidade mais protegidas, as autoridades que legítima e democraticamente nos governam apenas tenham para oferecer a solução aparentemente mais fácil, banalizando como direito legalmente consagrado o descarte da vida em gestação. Aliás, a actual possibilidade de penalização da prática do aborto não só raramente se traduz em penas efectivas para as mulheres que abortam, como também é ultrapassável sem qualquer alteração às normas legais em vigor. Pelo recurso à figura da “suspensão provisória do processo” prevista no Código do Processo Penal ou a outros dispositivos legais disponíveis ou que poderão vir a ser criados, não se torna legítima a prática do aborto, mas evita-se, com claro benefício para a mulher, a família e a sociedade, que as mulheres que o praticam como último e desesperado meio de fuga sejam duplamente penalizadas. Considerar a mulher como dona do seu corpo e atribuir-lhe capacidade exclusiva na decisão de interromper a vida do ser que alimenta no seu ventre é desresponsabilizá-la do acto gerador que possibilitou o dom dessa vida; é desresponsabilizar e cercear a vontade do progenitor que concorreu para que tal vida se corporizasse; é condenar sem apelo nem recurso o pequeno ser que por vontade alheia foi concebido e por vontade alheia é impedido de completar o seu caminho para a autonomia. Como a ética e a democracia há muito nos ensinaram a liberdade de um que restringe a de outros transforma-se em opressão para todas as partes, e converte-se em inaceitável prepotência quando atinge o direito mais profundo e legítimo – o da Vida. A inviolabilidade e o dever de protecção à vida humana desde a sua raiz biológica estão consagrados na Declaração Universal dos Direitos do Homem, ao afirmar que “todo o indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”, e na Carta Europeia dos Direitos da Infância, aprovada pelo Conselho da Europa em 1979, onde se declara que “desde o momento da concepção, a criança que vai nascer deve gozar de todos os direitos enunciados na presente Declaração”. O grande avanço da Ciência, que nos aproximou um pouco mais da compreensão da nossa identidade, que nos tornou familiarizados com termos e realidades como “cromossomas”, “material genético”, “gâmetas”…, leva a que nos concentremos no valor intrínseco do genoma humano. Este conjunto de todo o material genético que somos, tem o seu momento de constituição na fusão de dois gâmetas. Cada um por si não é bastante, mas da fusão surge um novo ser. Único e irrepetível. Para nós, cristãos do século XXI, esta é uma possibilidade particular de perceber o dom da vida, o mistério da nossa existência “à imagem e semelhança de Deus”. A vida é, pois, uma realidade e um valor que só podemos entender como dádiva integral e gratuita de Deus. Assim, o dever de protecção à Vida, desde os estádios mais precoces até ao final do ciclo individual de cada homem ou mulher, é um princípio indiscutível, representando, mais que um imperativo moral absoluto, um factor ontológico da nossa natureza, razão de segurança e perenidade e, como tal, condição de renovação e felicidade. Como cristãos ligados à Universidade apreciamos os esforços da ciência e da razão para promover o conhecimento cada vez mais profundo dos mistérios da Vida, da orgânica das sociedades e do comportamento dos indivíduos. Mas recusamos toda a utilização oportunista do conhecimento para subverter princípios básicos de humanismo e dignidade de todos os homens e mulheres, crianças, adultos ou idosos, que a moral natural, a ética social e a fé que professamos nos oferecem. O grupo que preparou esta reflexão envolve cristãos de várias tradições eclesiais: anglicanos, baptistas, católicos-romanos, evangélicos e metodistas. Nesta partilha de sensibilidades e atitudes religiosas, temos descoberto o dom da diversidade e enriquecido a nossa espiritualidade. A defesa da dignidade e santidade da vida humana uniu-nos neste Manifesto e convite à reflexão. Contra a liberdade para matar e oprimir o direito dos mais fracos, propomos uma política de protecção à Vida: · Promovendo os conhecimentos e sensibilidades que permitam aos homens e mulheres decidirem do direito de serem ou não criadores de um novo ser; · Respeitando todo o ser humano, quer o que já viveu muitos anos, quer o que tem apenas alguns dias, quer o que é saudável, quer o que é doente; · Reconhecendo que ninguém tem o direito de decidir da vida ou morte de qualquer ser humano e que por isso urge colaborar na erradicação da guerra, da fome, das sentenças de morte; · Promovendo formas efectivas de apoio e valorização das mães e pais em dificuldades, que optam pelos seus filhos; · Respeitando e apoiando, em espírito fraternal, a recuperação das mulheres que coagidas pela solidão, pela pobreza ou pela falta de esclarecimento e ajuda induzem ou consentem o aborto dos seus filhos; · Promovendo iniciativas que combatam o envelhecimento da população através de uma política visível de protecção à maternidade e à paternidade, designadamente através de apoios sociais, melhoria dos cuidados de saúde e adequação da legislação laboral, impedindo que a maternidade possa ser factor de descriminação ou insegurança no trabalho. Se bem que a justiça dos princípios permaneça inabalável seja qual for o resultado do próximo referendo nacional, confiamos que a reflexão dos portugueses os conduzirá à decisão que entendemos indiscutível. Uma decisão pela Vida e pela Justiça, defendendo quem pelos próprios meios não pode fazê-lo. Porto, Janeiro de 2007 Pela Vida. Manifesto do Grupo Interconfessional Universitário

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