Padre António Henrique, diocese de Viseu
Vivemos hoje o primeiro dia de primavera!
Apesar do forte e devastador impacto das alterações climáticas que (re)clamam uma urgente, necessária e crescente consciencialização no “cuidado com a «Casa Comum»”, a primavera continua a ser um tempo cheio de esperança e uma oportunidade para (se) (re)nascer.
Abraçado por duas grandes solenidades – São José (19 de março) e Anunciação a Nossa Senhora (25 de março) – o equinócio da primavera, que ocorre entre 20 e 21 de março (hoje, portanto!), no hemisfério Norte, sinaliza o início desta estação do ano, tão delicada quanto esplendorosa. E é neste ambiente de passagem, em que o inverno cede gradualmente lugar à primavera, em que somos peregrinos para a Páscoa eterna, que encontramos estas duas figuras fundamentais na história da salvação: José e Maria.
Neste caminho para a Páscoa, – “nova Primavera” que desponta no horizonte da nossa vida – e em pleno coração da quaresma (estamos sensivelmente a meio!), a Igreja celebra estas duas grandes e importantes solenidades que, de algum modo, apontando para o Natal, não deixam de projetar a sua luz sobre o tempo litúrgico que vivemos e de nos inspirar a viver melhor e em maior profundidade este processo de renovação.
Hoje, contudo, olhamos mais para São José que é o santo (popular!) da primavera; afinal, oferece-nos a maravilhosa oportunidade de festejar a alegria do dia do pai. É, também, o ícone deste exórdio de estação que antecipa o perfume do jardim florido, que (pre)anuncia a Páscoa. É aquele que, a cada ano, bate à porta da primavera e, abrindo-a, nos introduz nesse maravilhoso mundo de beleza e vida que se renova.
Quase oito dias depois (25 de março) ouvimos o seu nome no episódio da Anunciação a Nossa Senhora, unindo-o à descendência de David; àquela linhagem da qual deveria nascer o “novo” rebento (cf Is 11,1), o Messias, qual nova Primavera da humanidade em Cristo reconciliada e renovada.
Começando por se manifestar de forma humilde e discreta, qual imagem de São José, a primavera, apresenta-se reveladora de uma frágil e nova beleza que nos leva à primeira página daquele belo poema da Criação (Gn 1), em que Deus, criando, vê que tudo era bom, muito bom! À primeira vista tão frágil, o pequeno e humilde rebento/botão esconde em si toda uma força de esperança capaz de ultrapassar/vencer as dores do processo até se tornar flor e/ou fruto. Que, também nós, saibamos/aprendamos a ver como Deus e a cuidar como São José.
Se a primavera inaugura um tempo em que sentimos e percebemos a cada dia, de forma mais intensa, a esperança e a beleza da vida que rebenta e nasce, não é menos verdade que a vida e exemplo de São José nos antecipam aquela luminosidade que dissipa os medos da noite e nos abre à certeza de que Deus providenciará em favor do seu povo. Até porque, mesmo depois do inverno mais rigoroso, surgirá a beleza e a ternura de uma Primavera que nos (pre)enche a vida com a paleta de cores e aromas de uma eternidade inaugurada no tempo, mas ainda não plenamente, por nós, alcançada: “novos céus e nova terra” (Ap 21,1; 22)!
Nos relatos do nascimento de Jesus (Evangelhos da Infância: Mt 1–2; Lc 1–2) impressiona e estimula-nos a figura primaveril de São José. Podemos imaginar a perplexidade, as dúvidas e as dores deste homem, que os textos não escondem. Como a semente na escuridão da terra e na esperança do que poderá vir a ser, José, no meio da noite da perturbação, no sono e no sonho, descobre, no mais (pro)fundo de si, a verdade da sua vida, da sua história e abre a sua vida à grandeza da missão. Tal como os rebentos da primavera, São José inspira-nos a viver enraizados/agarrados/unidos a Deus para podermos, também nós, como os rebentos e ele próprio, viver aquela transformação que nos capacita para manifestar as maravilhas de Deus.
E, recordemos, é nesse silêncio da noite e do sono – que estaria a ser no coração e na cabeça de José um inverno rigoroso– que acontece a grande e profunda resposta a José. É num sonho que Deus, respeitando e aproveitando o silêncio de José, entra serenamente e o põe a par dos Seus planos que passam pela maternidade divina de Maria e pela sua missão esponsal/paternal. E é neste papel que José se dá a conhecer como o «jardineiro» da Primavera de Deus, cuidando do Menino e Sua Mãe.
Às palavras do anjo, José obedece sempre, prontamente e de cada vez, como nos confirma a expressão do evangelista, que é de si muito sugestiva, e que pode ser interpretada, digamos, como um sinónimo da resposta de Maria (fiat). A primeira vez que esta expressão aparece é no final da anunciação de que José é destinatário: “fez como lhe ordenou o anjo do Senhor” (Mt 1,24a).
Quanto destaque dado ao «fiat» de Maria, que celebramos no próximo 25 de março, e quanto esquecimento do “fiat” (o “fez”, o sim) de José!
Existe uma estreita e rica analogia entre a «Anunciação» a José, no Evangelho de São Mateus (Mt 1,18-24a) e a «Anunciação» a Maria, no Evangelho de São Lucas (Lc 1,26-28). “O mensageiro divino introduz José no mistério da maternidade de Maria que demonstrou uma disponibilidade de vontade, semelhante à disponibilidade de Maria”, em ordem àquilo que Deus lhe pedia por meio do seu anjo. A fé de Maria encontra-se com a fé de José. A bem da verdade, José não respondeu ao «anúncio» do anjo como Maria (fiat), mas sim com o cumprimento de tudo quanto lhe tinha sido dito: “«fez» como lhe ordenara o anjo do Senhor”.
Pelo sim «fiat» de Maria e pelo «fez» de José, “nova” Primavera irrompeu no tempo enchendo-o de “pequenas flores brancas de esperança”, mesmo nos ambientes mais inóspitos e escuros; pois “não podem os espinhos afogá-las, uma vez que foi o Amor quem as chamou à vida”!
Mas, por que será que é no coração da quaresma e não do advento que São José tem um especial lugar de celebração?
Talvez seja para nos recordar que no “longo” caminho para a Páscoa temos necessidade de olhar e interiorizar ainda mais os passos de São José. Talvez, para, como na primavera, “ativar” em nós aquela luz da transfiguração que lhe dissipou o inverno e anoite da dúvida, e nos recordar que a luz/dia ganha espaço à noite e nos servir de candeia que ilumina o trajeto para seguirmos os caminhos de Deus. Quem sabe para nos fazer sentir, através dos aromas desta estação, aquele perfume de Betânia! Ou, quem sabe, por ser aquela presença silenciosa, mas decisiva, como jardineiro, no cuidado a cada crente, como fez com Maria e o Menino, para que cheguemos alegremente à celebração do mistério da Páscoa, cume do mistério do Natal.
A primavera, como São José, que se vai manifestando lentamente e no silêncio, revela-nos que a sua humildade se reveste desta nobreza! Que no despontar dos seus rebentos a vida está a acontecer… que no surgir de cada manhã há um pouco mais de cor, perfume e luz…
A vida de São José ensina-nos a importância significativa do que é aquele processo interior, escondido e sonhado (abrir-se ao mistério do amor de Deus), de uma semente que vai, lentamente, tornando-se botão e rebento até que se apresenta como flor e/ou fruto que traz(em) esperança à vida (à nossa e à dos outros). Uma beleza que contém e assume em si todas as dores pelas quais foi necessário passar para que se possa experimentar e contemplar aquela Beleza que encanta, alegra e transforma o coração e a vida do homem. A Beleza que salva o mundo.
Naturalmente que estamos a falar em dois planos: a flor que, depois da semente germinar se torna botão e rebento, nasce ao florir e mostra a sua beleza e morre… e aquela Flor, cujo cuidado e proteção esteve confiado a São José, que tendo vindo ao mundo, tendo nascido e crescido, floriu, morreu, mas cujo perfume permanece por todo o sempre… é o perfume do Evangelho!
É assim, que pela mão de São José (19 de março) e à luz do anúncio feito a Maria (25 de março), contemplando as maravilhas da primavera, podemos atravessar o deserto, subir ao monte e percorrer todo o caminho até Jerusalém, onde, com certeza, encontraremos o jardim florido cujo perfume nos inspira a cantar, como os passarinhos, a alegria da Vida Nova.