Paulo nas telas de Ilda David

O Esplendor de Deus num resplendor humano extraordinário

A evangelização, anúncio de Cristo vivo e ressuscitado aos Homens de hoje, assume na Igreja diversas formas para traduzir a Palavra, o Logos encarnado na vida da humanidade. Em cada tempo histórico, a arte assume um cariz cultural, procurando dizer por tons claros e escuros, por traços contínuos e descontínuos, a dimensão desconcertante da Palavra de Deus.

A exposição de pintura de Ilda David', que foi inaugurada no dia da conversão de S. Paulo (25 de Janeiro) e finda no dia 29 Junho (festa de S. Pedro e S. Paulo), procura representar a vocação de Paulo como o "mais surpreendente dos milagres" (Teixeira de Pascoaes). Dá-nos um novo olhar, numa espécie de «frescura metafórica» (P. Ricoeur), acerca da missão do Apóstolo.

Uma gramática visual, umbral de beleza, patente na pintura de Ilda David', em cujos quadros as imagens são palavras vivas, que espelham com clareza a vida e a importância do Apóstolo dos gentios para a Igreja de todos os tempos e lugares.

A visão de Deus, a irrupção do esplendor divino na vida de Paulo, é-nos apresentada num «resplendor extraordinário» (Teixeira de Pascoaes), que acende em nós a memória cristã, no presente e para o futuro, de homens e mulheres comprometidos com uma Igreja peregrina, encarnada na história humana e na cultura de cada tempo. «Numa cultura da globalização onde o fazer, o criar e o trabalhar ocupam um lugar fundamental, a Igreja é chamada a promover o "essere", o "laudare" e o "contemplare" para desvelar a dimensão do Belo» (Paul Poupard).

Qual a pertinência desta exposição para Igreja e para a cultura de hoje? Vivemos actualmente uma pluralidade de diferenças, de conhecimentos, de saberes, de valores. A abertura de Paulo aos gentios, com todo o seu fulgor fulminante, conduzido e mediado pelo Espírito, poderá ser uma referência para a Igreja contemporânea. Eis o seu grande desafio: fazer do mundo, de cada pessoa concreta, tal como na relação íntima entre Pai e Filho, a habitação de Deus e da plenitude do seu Amor. Sem medo, a Igreja terá de se abrir à novidade, à diferença, a realidades desconhecidas e a linguagens novas, sem com isso perder a sua identidade evangélica. Se as pessoas têm dificuldade em «descobrir a "res significata", quer dizer o próprio Cristo, é necessário repensar a "res significans", quer dizer tudo o que conduz a Ele e aos mistérios da fé, em função da sua cultura, para uma evangelização renovada» (Paul Poupard).

Desafio cultural, é certo, mas também um desafio evangelizador, catequético e vocacional. Afirmava S. Irineu que as imagens são quadros vivos para iletrados. Não somente para as pessoas que não sabem ler, mas também para aqueles que vivem à margem da fé. A arte tem em si uma dimensão universal, cosmopolita, que em breves traços diz, por vezes, mais do que mil palavras. Por certo, diante do espectáculo da arte contemporânea, necessitamos de novos códigos de leitura, visto que as cenas bíblicas parecem ter-se evadido da nossa memória, mesmo entre cristãos! Aquilo que faz da arte ser religiosa não é somente apresentar figuras ou cenas religiosas, retiradas de um determinado livro Sagrado, mas também do estilo, da intencionalidade e do impacto que ela provoca no intérprete, numa espécie de «conversão», tal como aconteceu com Paul Claudel quando escutava a beleza da música litúrgica junto às colunas da catedral Notre Dame.

João Bénard da Costa, homem da e de cultura que fez da vida um encontro com a Beleza suprema, numa das suas profundas meditações acerca do Belo interroga-se: «Por que é que, não só na religião católica mas em praticamente todas as religiões, os templos, os lugares de oração, são – ou foram – privilegiadamente lugares de Beleza? Porquê a imediata associação da Beleza a um lugar onde se vai não para admirar uma coisa bela, mas para rezar, para entrar em diálogo com o transcendente…». Ilda David', numa entrevista concedida ao jornal Diário do Minho aquando da inauguração da exposição, expressava o seguinte: «Invade-me uma responsabilidade acrescida, um temor. Embora tenha já um painel de azulejos numa outra igreja, é sempre uma sensação tremenda. Porque é um lugar dedicado, onde se reza, onde se presta culto a Deus». É a epifania do esplendor de Deus, Luz que transforma, num resplendor extraordinário de criatividade humana.

Esta exposição, feita a partir dos Actos dos Apóstolos e das Cartas de Paulo, que reúne 34 quadros, deveria provocar esse tremor, dada a intensidade com que atinge os nossos sentidos, tornando-a Evangelizadora. Ela inaugura uma nova experiência de oração, em versão de solilóquio e de encontro interior na Palavra feita Imagem e Semelhança, capaz de transformar a nossa visão, projectando a mente no infinito, numa espécie de «sublevatio mentis» (sublevação da mente) mas sem «alienatio mentis» (alienação da mente). Simultânea pedagogia e experiência de oração. Deus faz-se, assim, presente no aroma do incenso, que nos eleva a contemplar a Beleza, Deus, que transforma o mundo pelo Amor.

É Catequética porque parte da Palavra, que chama e apela para a escuta, onde a pintura não é mera representação mas interpretação simples e diáfana da complexidade semântica que, porventura, as palavras possam apresentar.

Sim. Porque a arte tem dinamismos capazes de gerar mudança. Em torno de Paulo, Apóstolo seduzido e circundado da Luz de Cristo, esta exposição tem seguramente uma finalidade Vocacional, de modo a gerar uma nova consciência e mentalidade renovadas, que vão ao encontro dos anseios de todos aqueles e aquelas que querem viver radicalmente a partir de Cristo, na Igreja e no mundo.

Porque acreditamos que o Espírito resplandece em cada coração humano, ao longo de seis meses, aproximadamente cerca de 5 mil pessoas passaram pelo claustro e pelas galerias da Igreja de S. Paulo do Seminário Conciliar de Braga, onde a Palavra se fez Imagem e Semelhança. Neste número significativo, encontram-se grupos paroquiais, movimentos religiosos, Universidades, Grupos de Jovens, Departamentos eclesiais diocesanos e paroquiais, Colégios, Bispos das dioceses de Portugal e Espanha (aquando da realização do Jornadas Ibéricas das Comunicações Sociais, da Cultura e dos Bens Culturais da Igreja, das Conferências Episcopais de Portugal e Espanha), grupos de Catequese e muitas outras pessoas a título individual ou familiar. Uma multidão imensa, em idade e condição social distintas, que, em torno desta figura ímpar do cristianismo, procurou aprofundar e viver a fé com outra gramática do olhar.

Para que o conteúdo se tornasse acessível, o Seminário procurou sempre acompanhar os grupos organizados para melhor entenderem a linguagem da arte contemporânea, que seria facilmente interiorizada se a Palavra estivesse na memória, «na boca e no coração» (S. Paulo). Segundo a própria pintora, «as imagens demasiadamente explícitas podem tornar o texto banal. Evocar o texto de uma forma não explícita pode aproximar-nos mais dele». E porque nem tudo é traduzível ou compreensível humanamente, vale a pena deixar este testemunho, entre muitos outros, presente no livro de honra de visitas da exposição: "Entre o ver e o compreender vai uma distância semelhante à que separa o Paulo judeu do Paulo discípulo de Cristo" (P.e João Alberto Correia, pároco de S. Miguel de Frossos – Braga).

Lugar de Beleza e de meditação da Palavra, a visita à exposição tornou-se também um motivo de dinamização vocacional com espaço para diversas expressões artísticas para apresentar Paulo ao mundo de hoje (Pintura, Cinema, Oratória e Teatro). Porque a arte é dinâmica e impulsionadora de imaginação e criatividade, a partir desta exposição muitos outros eventos foram ocorrendo. Elucidados pelo esplendor dos quadros, e num âmbito vocacional intenso, os diversos grupos foram introduzidos na vida do Apóstolo pela Oração, mediante os textos paulinos.

Em parceria com a Sociedade Bíblica, apresentou-se o filme Hino da Caridade de S. Paulo, interpretado por Eunice Muñoz, bem como o filme sobre a Vida de Paulo, realizado pelo Seminário aquando da abertura do Ano Paulino. Impulsionados pelo impacto da exposição, vários actores e actrizes profissionais leram, no Auditório Vita, as sete cartas de reconhecida autenticidade paulina. Sob o efeito deste impulso, o Grupo de Teatro S. João Bosco do Seminário de Braga, com arte e encanto, interpretou o musical «Paulo de Tarso», visto por cerca de 2 mil pessoas.

Com todas estas iniciativas, a diocese de Braga beneficiou do privilégio de estudar a teologia paulina com D. António Couto (cerca de 3 mil pessoas em Braga, Famalicão, Guimarães e Póvoa de Varzim, de nove encontros com regularidade mensa), de contemplar a vida de S. Paulo com Ilda David', de escutar as Cartas paulinas com os actores profissionais Luís Miguel Cintra, António Fonseca e António Durães e a actriz Márcia Breia, e de aceder à trama da vida do Apóstolo com uma impressionante representação teatral.

Numa verdadeira confluência de vontades, de iniciativa divina e humana, este acontecimento tornou-se uma dádiva, um testemunho de evangelização, que proporcionou o acesso à beleza da Verdade (Cristo), mediante o silêncio eloquente das telas, enformadas pelo «Dabar» de Deus, numa genuína «experiência do Espírito» (H. Matisse), actuante no hoje da história da salvação.

Por desafio e cheios de esperança, como afirmava D. Jorge Ortiga, na alocução inaugural da exposição, «acreditamos que, do ponto de vista da pastoral vocacional, da cultura e da evangelização, os frutos serão imensos, de modo a intuirmos a visão da glória de Deus para a humanidade nas Cartas de Paulo e a assumirmos a nossa vocação ao serviço do amor».

 

Seminário Conciliar de Braga

 

Slideshow: www.portal.ecclesia.pt/ecclesiaout/snpcultura/tvb_cartas_sao_paulo_ilda_david_imagens.html

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