Parecer sobre o estado vegetativo persistente não abre as portas à eutanásia em Portugal

Daniel Serrão explica posição assumida pelo Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida O parecer aprovado pelo Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) sobre o estado vegetativo persistente (EVP) admite a suspensão dos tratamentos de suporte básico de vida a pessoas em EVP. O documento, apresentado no final desta manhã em Lisboa, deixa claro que “toda a decisão sobre o início ou a suspensão de cuidados básicos da pessoa em Estado Vegetativo Persistente deve respeitar a vontade do próprio”. Essa vontade “pode ser expressa ou presumida ou manifestada por pessoa de confiança previamente designada”. Daniel Serrão, membro do CNECV e da Academia Pontifícia para a Vida (organismo da Santa Sé), explica à Agência ECCLESIA que não estamos em presença de uma forma velada de permitir a eutanásia no nosso país. “A eutanásia é a morte intencional de uma pessoa a seu pedido, quer dizer, há um pedido para ser morta por outra pessoa, que o acolhe e executa com um acto intencional”, descreve. Os casos abrangidos pelo parecer nº 45 do CNECV são diferentes, defende este especialista. “Aquilo que acontece é a recusa – perfeitamente justa e de acordo com a posição da Igreja – de meios extraordinários de tratamento quando destes meios não seja legítimo esperar qualquer benefício para o doente”, assinala. Na última Conferência Internacional do Conselho Pontifício para a Pastoral da Saúde (CPPS) (11 a 13 de Novembro de 2004), que teve como tema “Os Cuidados Paliativos”, o Cardeal Lozano Barragán condenou os que apontam a eutanásia como solução, bem como “os que tentam, de maneira dolorosa e inútil, prolongar uma agonia em que já não há resposta do doente”. O EVP surge geralmente em consequência de um traumatismo craniano ou de uma paragem cárdio-respiratória, com profundas consequências a nível neurológico: os doentes ficam sem capacidade de pensar ou agir conscientemente, mas respiram sozinhos e o seu coração trabalha espontaneamente. “Neste caso, em determinadas condições, corre-se o risco do encarniçamento terapêutico, porque a pessoa só tem vida vegetativa e não comunica nem responde a estímulos, sem que haja possibilidade dessa situação regredir”, aponta Daniel Serrão. O diagnóstico do EVP pode ser alcançado com uma fiabilidade aceitável e reprodutível, sendo diferente de outras que apresentam também alterações profundas da consciência, como o estado minimamente consciente, ou o coma. A dependência é total, mesmo para a alimentação e a hidratação. O nº 2 do parecer do CNECV salvaguarda mesmo que “a pessoa em Estado Vegetativo Persistente tem direito a cuidados básicos, que incluem a alimentação e hidratação artificiais”. Daniel Serrão admite que esta é a questão mais difícil, lembrando a posição assumida pelo CPPS no seu último encontro: “em determinadas circunstâncias, a alimentação e a hidratação pode ser progressivamente diminuída, permitindo que ela morra em paz, no seu tempo”. “Não é o mesmo que matar uma pessoa à fome”, aponta. No conjunto de cuidados paliativos estão incluídos a administração de proteínas e líquidos, mas o membro do CNECV lembra que se chega a uma fase em que o próprio organismo já não metaboliza nada do que se lhe dá. “Quando isso se demonstra, na perda peso, levanta-se a questão de saber se se deve continuar a alimentação ou se deve deixar que a evolução natural para morte se faça”, frisa. Daniel Serrão vinca, como é referido no parecer, que qualquer análise da situação relativa a uma pessoa em Estado Vegetativo Persistente deve ser extremamente cautelosa e partir de um diagnóstico rigoroso sobre o seu estado clínico. “Para termos a certeza a certeza e fazermos o diagnóstico são preciso dois anos, não é algo que se decida da noite para o dia”, assegura. “Os meios de suporte de vida não foram feitos para estes doentes, mas para aqueles dos quais se espera a recuperação, para salvar a vida daqueles cuja vida é salvável”, insiste. A tomada de posição do CNEV foi suscitada por um pedido de um hospital de Lisboa, a propósito de um caso concreto de um doente em estado vegetativo persistente. O Pe. Vítor Feytor Pinto, coordenador da Comissão Nacional da Pastoral da Saúde, já reagiu a este parecer, sublinhando que “a equipa clínica não pode enjeitar a responsabilidade de assumir a luta pela vida sempre”. “Podemos estar perante os chamados cuidados fúteis, inúteis, desproporcionados e, de facto, esses não têm razão de ser e devem ser suspensos, mais isso é um critério médico, não é a família nem o doente que decide”, afirmou em declarações à RR. Parecer sobre o Estado Vegetativo Persistente Parecer nº 45 do CNECV Tendo em consideração: a) que o Estado Vegetativo Persistente é uma situação clínica e o seu diagnóstico pode ser alcançado com uma fiabilidade aceitável e reprodutível, sendo diferente de outras que apresentam também alterações profundas da consciência, como o estado minimamente consciente, ou o coma. b) que o prognóstico pode ser determinado com um grau aceitável de segurança, e só excepcionalmente é imprevisível. c) que a pessoa em Estado Vegetativo Persistente, embora desprovida de actividade cognitiva e de autoconsciência, não pode ser entendida como estando morta nem pode ser considerada em estado terminal. d) que a manutenção da vida da pessoa em Estado Vegetativo Persistente depende necessariamente da alimentação e hidratação artificiais. e) que não existe um entendimento uniforme relativamente a considerar nos casos concretos se a alimentação e hidratação artificiais são tratamentos ou simplesmente cuidados básicos. f) que existem discrepâncias sobre o que, para cada caso particular, se considera tratamento proporcionado ou desproporcionado, de modo a que possam ser aplicadas soluções uniformes às pessoas em Estado Vegetativo Persistente, gerando divergências sobre o que, para o caso concreto, é considerado tratamento fútil. g) que a pessoa em Estado Vegetativo Persistente guarda em qualquer circunstância a dignidade intrínseca ao ser humano, que é. h) que a pessoa em Estado Vegetativo Persistente não tem possibilidade de tomar actualmente decisões sobre a sua saúde, designadamente sobre o início ou a suspensão de tratamento e de suporte vital. i) que, não existindo manifestação de vontade anterior coloca-se a questão de saber se é do seu melhor interesse que a vida seja prolongada pela continuação do tratamento médico. O CNECV é de parecer que: 1. qualquer análise da situação relativa a uma pessoa em Estado Vegetativo Persistente deve ser extremamente cautelosa e partir de um diagnóstico rigoroso sobre o seu estado clínico; 2. a pessoa em Estado Vegetativo Persistente tem direito a cuidados básicos, que incluem a alimentação e hidratação artificiais; 3. toda a decisão sobre o início ou a suspensão de cuidados básicos da pessoa em Estado Vegetativo Persistente deve respeitar a vontade do próprio; 4. a vontade pode ser expressa ou presumida ou manifestada por pessoa de confiança previamente designada por quem se encontra em Estado Vegetativo Persistente. 5. todo o processo de tratamento da pessoa em Estado Vegetativo Persistente deverá envolver toda a equipa médica assim como a família mais próxima e/ou a pessoa de confiança anteriormente indicada e pressupor a disponibilização da informação conveniente a todo o processo decisório, tendo em consideração a vontade reconhecível da pessoa em Estado Vegetativo Persistente nos limites da boa prática médica, e tendo em conta a proporcionalidade dos meios que melhor se adeqúem ao caso concreto. 6. em consequência, não poderão ser aplicadas soluções uniformes às pessoas em Estado Vegetativo Persistente impondo-se pois, uma avaliação criteriosa em cada situação. Lisboa, 15 de Fevereiro de 2005, Paula Martinho da Silva Presidente Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida.

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