Para uma pastoral dos ciganos

D. Teodoro de Faria, Bispo do Funchal O Conselho da Pastoral dos Migrantes publicou em Dezembro passado «Orientações» para o cuidado pastoral dos ciganos, tais como o desejo de instruir-se e obter uma formação profissional, maior consciência social e política através de associações, participação da mulher na vida social e civil, número crescente de vocações ao diaconado, ao presbiterado e vida religiosa. 1. A Igreja sempre se preocupou com o povo cigano. O povo cristão nem sempre os recebeu da melhor forma, pela sua maneira de viver como nómadas, embora muitos já sejam sedentários, pela sua diversidade étnica, cultura e antigas tradições. Sofreram muito ao longo da história e de uma forma desumana com o nazismo que os encerrou em campos de concentração e os exterminou em massa. O Papa João Paulo II confiou ao Pontifício Conselho Pastoral para os Migrantes e os Itinerantes a missão de levar e empenhar as Igrejas particulares a oferecerem uma assistência espiritual apropriada aos prófugos, exilados, migrantes, nómadas e às pessoas que exercem a arte circense. A Constituição «Pastor Bonnus» chamou a atenção das dioceses para o estudo e aplicação de uma pastoral própria dirigida à evangelização e promoção humana do povo cigano. O Conselho da Pastoral dos Migrantes publicou em Dezembro passado «Orientações» para o cuidado pastoral dos ciganos, tais como o desejo de instruir-se e obter uma formação profissional, maior consciência social e política através de associações, participação da mulher na vida social e civil, número crescente de vocações ao diaconado, ao presbiterado e vida religiosa. Foi com grande satisfação que o povo cigano e toda a Igreja assistiram à beatificação do mártir espanhol Ceferino Jiménez Malla (1861-1938), considerado o primeiro cigano na história da Igreja a ser elevado às honras dos altares. Promoção humana é papel do Estado 2 – Com as «Orientações» a Igreja preocupa-se com a particularidade que deve ser dada à pastoral dos nómadas, atendendo à sua cultura que, nalguns casos, deve ser purificada, nunca esvaziada, mas integrada na cultura ambiente onde residem. A comunidade cigana que vive nesta Diocese, não causa problemas especiais à sociedade, embora não seja ainda aceite, ajudada e respeitada como é dever de todos os cristãos. Não temos, felizmente, situações de ruptura e rejeição como acontece algumas vezes no continente. A promoção humana dos ciganos é da responsabilidade do Estado, mas a Igreja deve também envolver-se em iniciativas concretas neste sentido, dando-lhe mais protagonismo e alertando os governos sobre as condições difíceis desta população. Devemos ter em conta, como afirmou a Carta Encíclica de João Paulo II «Redemptoris missio», que o desenvolvimento de um povo não depende primeiramente do dinheiro nem das ajudas materiais, mas da formação das consciências, da maturidade das mentalidades e dos costumes. «E o homem é o protagonista do desenvolvimento, não o dinheiro ou a técnica». Evangelizar é missão da Igreja 3. – A evangelização dos ciganos é missão da Igreja. Ninguém pode ficar indiferente perante a situação de marginalização desta comunidade nem da ignorância das coisas de Deus. A catequese tem de usar uma linguagem que permita aos ciganos se exprimirem como eles entendem e vivem a sua relação com Deus. Do mesmo modo a música, muito praticada e apreciada por eles, é um instrumento válido para os encontros e liturgia. O fundador do Movimento Neo-Catecumenal, Kiko Arguelo, após a sua conversão e pastoral com os ciganos, procurou compor músicas que eles apreciaram e que hoje são cantadas com sucesso, nos encontros e liturgias da Igreja Católica. Os ciganos amam muito as peregrinações. Algumas delas são célebres como a que reúne ciganos de toda a Europa no Sul da França, junto do porto donde saiu São Luís para as cruzadas. A peregrinação é importante para reunião de famílias, para cumprir promessas, ser caminho de oração, encontro com o «Santo» ou a «Santa», para unir o grupo, e pode ser uma experiência que conduz a Cristo e à Igreja. Os ciganos estão a ser seduzidos pelas seitas, quando habitualmente eram católicos. Os novos movimentos eclesiais deviam desempenhar uma missão importante junto do povo cigano, tendo em conta o seu forte espírito comunitário, cordialidade, alegria, abertura. Esta acção pastoral será mais eficiente se se desenvolver dentro de pequenos grupos, porque neles é mais fácil a partilha da experiência de fé, a personalização, o encontro consigo próprios e com a sua cultura e a sua responsabilidade de leigos. No anúncio da catequese deve-se incluir sempre um diálogo que os permita exprimir como vivem a sua relação com Deus, porque as situações da vida dizem-lhes mais que ideias e conceitos redundantes, as suas reacções são mais instintivas do que fruto de um pensamento teórico. As palavras utilizadas por um catequista podem ser incompreensíveis para um cigano. O sacramento mais pedido é o baptismo, mas é preciso assegurar um acompanhamento espiritual da família e do baptizado de forma a não interromper o ciclo da iniciação cristã. É conveniente escolher com muito critério o padrinho ou a madrinha, pois estes vão iniciar uma relação privilegiada e continuada com a família. O baptismo deve ser celebrado na presença da comunidade cristã para se poder iniciar uma relação com eles. A pastoral da confirmação é pouco conhecida da comunidade cigana. Com base no modelo catecumenal, este sacramento permitiria recuperar as carências da iniciação cristã. A Eucaristia, apesar de ser o vértice da Igreja, não é aceite no seu pleno significado pelo povo cigano. Privilegiam os banquetes sagrados, celebrados em honra de um santo ou pela paz dos defuntos. O matrimónio tem na tradição cigana muitos rituais, os noivos assumem os deveres conjugais perante a comunidade – liberdade, fidelidade, indissolubilidade e fecundidade. A união matrimonial aproxima-se da visão católica do matrimónio e não é uma simples união sexual. O número de ciganos residentes na Diocese não é muito grande, mas nem por isso deixam de ser importantes para a pastoral. É preciso passar da suspeita à confiança, pois devemos ter em conta tantas injustiças sofridas ao longo dos séculos que os leva a desconfiar das iniciativas que procuram penetrar no seu mundo cultural e religioso. No ano 2000, João Paulo II pediu perdão pelos pecados cometidos nas desavenças entre ciganos e cristãos ao longo da história. Os novos movimentos eclesiais, que o Espírito Santo suscitou na Igreja, poderão criar relações de abertura, cordialidade e disponibilidade que favoreçam uma melhor evangelização do povo cigano, sem esquecer que eles serão os melhores apóstolos de si próprios. Funchal, 30 de Abril de 2006 D. Teodoro de Faria, Bispo do Funchal

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