«Para evangelizar é preciso aprender a amar»

Homilia perante as Relíquias de Santa Teresa de Lisieux, no início do Congresso Internacional para a Nova Evangelização 1. Celebramos a Eucaristia do trigésimo segundo domingo do tempo comum, no dia da abertura do Congresso Internacional para a Nova Evangelização, tendo no meio de nós as Relíquias de Santa Teresinha do Menino Jesus, que proclamámos padroeira deste Congresso. Ao meditar, convosco, a Palavra de Deus que acabámos de escutar, quero dizer-vos como sinto a unidade de todos estes elementos que convergem nesta celebração: a Eucaristia, a mais forte expressão de amor entre Cristo e a Igreja, a evangelização concebida como fidelidade de amor e a mensagem da Santa do Amor, proclamada padroeira das missões. Teresa de Lisieux é uma concretização apaixonante da Palavra de Jesus no Evangelho: “O reino dos céus pode comparar-se a dez virgens que, tomando as suas lâmpadas, foram ao encontro do esposo”. O anúncio cristão de Jesus morto e ressuscitado, é um pregão de amor, do amor infinito de Deus, em Jesus Cristo, da nossa ânsia de O amarmos, apesar da nossa fragilidade e pequenez. E é-nos dado mergulhar nessa voragem de amor em cada Eucaristia que celebramos. São Paulo, ao referir-se à última vinda de Cristo, diz que, para nós, ela será um encontro com o Senhor, esse encontro de amor que aprendemos a desejar quando celebramos a Eucaristia. A parábola evangélica diz-nos que se trata de um encontro nupcial. Santa Teresa foi, em toda a sua vida, esse coração virgem que ansiava pelo Seu amado. Num dos seus poemas escreve: “Cristo é o meu amor, Ele é toda a minha vida”. Há nela um “elân” esponsal, que alimenta continuamente em relação a Jesus Cristo, seu esposo, que suscita nela o desejo da entrega total, do amor extremo, do “amar, até morrer de amor” . Esta expressão “amar até morrer de amor” é sinal de que Teresa percebeu que, neste mundo, só é possível amar no “amor mesmo”, no “puro amor” que ela toca em Jesus Cristo, exprimindo o seu amor de criatura no próprio mistério pascal de Cristo, amando o crucificado e recebendo, nesse amor, a comunhão com o ressuscitado. O seu amor de esposa vai ao encontro do esposo, fá-la mergulhar nessa voragem infinita de amor divino que se exprime na Paixão de Cristo e que, na Eucaristia, se abre para ela na alegria de um amor jubiloso e na paixão do anúncio desse amor redentor. Segundo o seu próprio testemunho, foi exactamente durante a Eucaristia que ela sentiu a voragem de amor divino, no crucificado, o que despertou nela o desejo infinito de se entregar a esse amor e de o anunciar, amando. Escutemos as palavras do seu testemunho: “Num domingo (durante a missa na Catedral de Lisieux), ao olhar uma fotografia de Nosso Senhor na Cruz, fui tocada pelo sangue que escorria de uma das suas mãos divinas, experimentei uma dor tão grande ao pensar que este sangue caía por terra, sem que ninguém se apressasse em recolhê-lo e resolvi ficar, em espírito, aos pés da Cruz para receber o orvalho divino que dela escorria, compreendendo que, a seguir, eu teria de o espalhar sobre as almas. O grito de Jesus na Cruz ecoava continuamente no meu coração: «Tenho sede!». Estas palavras acendiam em mim um ardor desconhecido e muito vivo. Eu queria dar de beber ao meu Bem-Amado e sentia-me, eu própria, devorada pela sede das almas…” . A linguagem é a sua, o mistério é o mesmo de sempre, é de todos nós: na Eucaristia podemos cruzar o nosso coração com o amor infinito de Deus, expresso na Paixão de Cristo. Esta é o acto supremo de amor, expresso na humanidade, com linguagem humana. Entrar nesse amor, deixar-se devorar por ele, é sentir na sua carne a urgência e a voragem pela salvação dos homens, perceber que essa é uma inquietação de amor e assumi-la para toda a nossa vida. Santa Teresa confessa-nos que foi nesse momento que se deixou possuir por esse zelo pela salvação das almas e que a maneira de o realizar era amar, deixar-se devorar pelo amor, “morrer de amor”. Se exprimíssemos esse zelo com uma linguagem mais teológica, diríamos que a evangelização é uma expressão da caridade, porque é sempre o anúncio desse amor infinito de Deus em Jesus Cristo e que só podem fazer esse anúncio aqueles que se deixaram devorar por esse amor. E isso pode acontecer na Eucaristia. 2. Esta certeza de que evangelizar é uma expressão da caridade é algo que devemos meditar neste momento. Trata-se de perceber que só o amor redentor de Jesus pode transformar os corações. Os frutos da evangelização não brotam da eficácia dos meios humanos, mas dessa fonte inesgotável de amor, que é o coração de Cristo. Ao deixarmo-nos possuir pelo Seu amor infinito, nós tornamo-nos sacramentos do Seu amor. Os nossos meios humanos para testemunharmos o amor salvífico de Cristo, devem ser os melhores e mais autênticos de que formos capazes, na certeza de que só esse amor os torna fecundos. Santa Teresa escolheu o caminho da intensidade de amor, através de meios humanos muito simples, compatíveis com a sua vida de religiosa carmelita, a que ela chamou “la petite voie”, o “pequeno caminho”, manifestação da sua confiança total no poder transformador do amor. O primeiro ensinamento que daqui tiramos é que, para evangelizar, basta amar e que todos podem evangelizar, desde que aprendam a mergulhar na fonte do amor. Expressão da caridade, a evangelização não é, apenas, tarefa de peritos, que para isso se prepararam humanamente. As crianças, as mães de família, os jovens na sua escola ou no seu grupo, os trabalhadores no seu local de trabalho, os presos, os doentes e os idosos, podem testemunhar a salvação, se aprenderem a amar. Todos podem ter a sua “pequena via” para um amor grande, que é, em si mesmo, testemunho da salvação. Este é um aspecto fundamental do dinamismo evangelizador que queremos suscitar na nossa Igreja de Lisboa: para evangelizar é preciso aprender a amar. A capacidade de amar é um dom do coração humano, potenciado pelo dom do Espírito Santo, amor divino que Deus derrama nos nossos corações, que não só nos ensina a amar os nossos irmãos com a marca do amor divino, mas nos permite mergulhar na profundidade do amor de Deus. Essa nova e misteriosa capacidade de amar tem a sua fonte no baptismo e na confirmação e exprime-se, em aprofundamento progressivo, na Eucaristia. Aprender a amar é sempre partir do baptismo com que fomos redimidos, da confirmação, sacramento do Espírito com que fomos santificados, para mergulhar na Eucaristia, sacramento do amor. Para aprender a amar basta deixar-se amar. Esta aprendizagem do amor é um desafio para todos nós. Mas a presença das Relíquias de Santa Teresa de Lisieux, leva-me a pedir-lhe, de modo particular, que ensine a amar e seja modelo de amor, das mulheres cristãs da nossa Diocese. A vocação de amor vivida por esta mulher, foi um amor cristão na plenitude do termo, mas foi também um amor de mulher. Há uma maneira própria de a mulher amar e tantas vezes foi a elas que o Senhor escolheu para experiências marcantes entre Cristo e a criatura. Catarina de Sena, Teresa de Ávila, Teresa de Lisieux, Margarida Maria Alacoque, Isabel da Santíssima Trindade, Edith Stein, para apenas referir algumas daquelas a quem Deus chamou a um amor feminino por Cristo, total e misteriosamente belo. As mulheres podem ter um papel decisivo na evangelização, se forem mulheres eucarísticas, se escutarem o convite de amor que brota do coração de Cristo. A todas as mulheres cristãs, mas sobretudo às nossas queridas jovens, eu digo hoje, aqui, diante de Santa Teresinha: a Igreja precisa do vosso amor. Se quiserdes aprender a amar, vinde aqui, nestes dias, pedir-lhe que ela vos ensine, na certeza de que ela vos apontará Jesus Cristo Vivo, que espera por vós em cada Eucaristia. Sé Patriarcal, 6 de Novembro de 2005 † JOSÉ, Cardeal-Patriarca

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