Papa e peregrinos viveram Via-Sacra com sabor a Índia

Guerras, pobreza e injustiças nas meditações do arcebispo Thomas Menamparampil, que lembrou o exemplo de Mahatma Gandhi A Ásia voltou a estar em destaque na Via-Sacra a que o Papa presidiu esta Sexta-feira Santa, no Coliseu de Roma, com as meditações do arcebispo indiano de Guwahati, D. Thomas Menamparampil, para as 14 estações. Em 2008, os textos tinham sido escritos pelo Bispo de Hong Kong, Cardeal Zen Ze-kiun. Milhares de pessoas acompanharam a celebração no local e outros milhões o fizeram através da rádio e da televisão, em todo o mundo. Bento XVI aproveitou a ocasião para recordar as vítimas do sismo que atingiu a Itália na passada Segunda-feira, provocando mais de 280 mortos e milhares de feridos e desalojados. “Unimo-nos em oração com Maria, a Virgem Nossa Senhora das Dores, rezando com todos os aflitos, mormente com todos os atribulados da zona desastrada de L’Aquila: pedimos que nesta noite escura se levante, para eles também, a estrela da esperança, a luz do Senhor ressuscitado”, disse. No final desta celebração, o Papa tomou a palavra para dizer que “revivemos a trágica vicissitude de um Homem único na história de todos os tempos, que mudou o mundo, não matando os outros, mas deixando-se matar pregado numa cruz”. “A dolorosa paixão do Senhor Jesus não pode deixar de mover à piedade mesmo os corações mais duros, porque constitui o cume da revelação do amor de Deus por cada um de nós”, referiu. Bento XVI frisou que “no decurso dos milénios, falanges de homens e mulheres deixaram-se fascinar por este mistério e seguiram a Jesus, fazendo da própria vida por sua vez, como Ele e graças ao seu auxílio, um dom para os irmãos. São os santos e os mártires, muitos dos quais nos são desconhecidos”. “Mesmo neste nosso tempo, quantas pessoas, no silêncio da sua vida diária, unem os seus sofrimentos aos do Crucificado, tornando-se apóstolos de uma autêntica renovação espiritual e social”, acrescentou, antes de perguntar: “O que seria do homem sem Cristo?”. O rosto de Jesus, observou, “reflecte-se no de cada pessoa humilhada e ofendida, doente e atribulada, só, abandonada e desprezada. Derramando o seu sangue, resgatou-nos da escravidão da morte, quebrou a solidão das nossas lágrimas, entrou em cada uma das nossas penas e aflições”. Os textos proclamados ao longo das 14 estações falaram sobre o mistério do sofrimento cristão, sobre a violência que atinge grupos étnicos e religiosos, a pobreza, a discriminação das mulheres e sobre conflitos entre interesses económicos e políticos. Males, segundo o arcebispo Menamparampil, que brotam da avareza e do orgulho. A escolha do arcebispo indiano é lida como um sinal de solidariedade aos cristãos na Índia, que têm sido alvo da violência de facções fundamentalistas hindus. D. Thomas Menamparampil, 62 anos, salesiano, conduz uma arquidiocese onde os católicos são 50 mil, numa população de 6 milhões de pessoas. As meditações ofereceram uma análise sobre a realidade actual, onde muitas vezes o sentido do sagrado e o ímpeto em direcção a Deus são sufocados pelo efémero e por escolhas oportunistas. Diante do ódio e das guerras, escreveu o prelado indiano, “quando a justiça é administrada de modo distorcido nos tribunais, quando a corrupção é radicada, as estruturas injustas oprimem os pobres, as minorias são suprimidas e os refugiados e os migrantes, maltratados”. Para o Arcebispo, quando as mulheres são obrigadas a humilharem-se e as crianças dos bairros pobres buscam comida no lixo, não devemos perguntar-nos de quem é a culpa, mas “que responsabilidade temos nessas formas de desumanidade”. O cristão, afirma D. Thomas, deve ter uma conduta justa, íntegra e honesta, deve ter a coragem de assumir decisões responsáveis quando presta um serviço público, deve combater pela justiça, desafiando o inimigo com a certeza da própria causa, suscitando a boa vontade do opositor, para que desista da injustiça com a conversão do coração. O bispo indiano cita como exemplo desta atitude Mahatma Gandhi. Diante das ofensas históricas que ferem as memórias das sociedades, o perdão “deve fazer-nos transformar a ira colectiva em novas energias de amor”, assinala. “As tragédias fazem-nos reflectir. Um tsunami diz que a vida deve ser levada seriamente. Hiroshima e Nagasaki continuam a ser lugares de peregrinação. Quando a morte nos atinge, um outro mundo se apresenta ao nosso lado. Então libertamo-nos das ilusões e temos a percepção de uma realidade mais profunda”, pode ler-se. “Não é a eloquência que convence e converte”, recorda o arcebispo na reflexão da 11ª estação: “É um olhar de amor no caso de Pedro; a serenidade sem ressentimento no sofrimento, no caso do bom ladrão. A conversão verifica-se como um milagre. Deus abre os nossos olhos”. Nas palavras de D. Menamparampil não faltaram referências à Índia: “O modo de Jesus de combater pela justiça não é o de suscitar a ira colectiva das pessoas contra o opositor, com a consequência de formas ainda maiores de injustiça”. Pelo contrário – sublinhava o arcebispo no texto da 3ª estação –, quem segue Jesus procura desafiar o inimigo com a razão da própria causa e suscitar a boa vontade do opositor de modo que ele desista da injustiça com a persuasão e a conversão do coração. “Mahatma Gandhi levou para a vida pública esse ensinamento de Jesus sobre a não-violência, com surpreendente sucesso”, assinalou. Na 8ª estação, dedicada ao Cirineu que ajuda Jesus a levar a Cruz, as meditações falaram no “protótipo do discípulo fiel que toma sobre si mesmo a cruz e segue Cristo. Não é diferente de milhões de cristãos de humildes origens, com um profundo apego a Jesus. Privados de fascínio, de elegância, mas com uma fé profunda. Homens e mulheres com tal fé continuam a crescer em terras da África e da Ásia e nas ilhas distantes”. As imagens do livro com que os fiéis acompanharam a celebração são um produto típico da arte indiana, da autoria da Ir. Marie Claire Naidu. A cruz passou pelas mãos de dois jovens de Roma, uma família, uma jovem e duas religiosas da Índia, uma pessoa com deficiência, duas jovens africanas, um doente em cadeira de rodas e dois frades da Terra Santa. (Com Rádio Vaticano)

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