Pandemia: Entrar numa unidade Covid é pisar «solo sagrado», afirma médica cardiologista

Sílvia Monteiro diz que «cuidar do próximo é uma dimensão brutal»

Foto Agência Ecclesia/PR, Sílvia Monteiro

Coimbra, 10 abr 2021 (Ecclesia) – A médica cardiologista Sílvia Monteiro afirmou em entrevista à Agência ECCLESIA que a pandemia deu aos clínicos um sentido de “missão”, sublinhou a importância do “cuidar do próximo” e disse que sentia pisar “solo sagrado” nas unidades Covid-19.

“Deste o primeiro dia em que eu me vesti com o EPI (Equipamento de Proteção Individual) completo e entrei naquela unidade, ao transpor a porta, sentia uma coisa muito forte: senti o respeito, o peso de quem está a entrar dentro de uma catedral. Ali dentro, sentia que eu pisava solo sagrado”, afirmou.

“Acredite que muitas vezes eu senti mais a presença de Deus ali do que em algumas igrejas. Isto é verdade! Quem não esteve lá dentro é difícil perceber isto”.

A médica cardiologista sublinhou que em todos os doentes que estavam na cama, “completamente abandonados, despojados, sem roupa inconscientes” via, enquanto crente, “um Cristo desfigurado em todos aqueles cateteres, sondas, cânulas”.

“Pude tocar as chagas de Cristo”, afirmou Sílvia Monteiro, que se distancia dos números divulgados pelos meios de comunicação social para considerar cada doente, “pessoas com a sua história, um rosto, família”.

Sílvia Monteiro considera que, quando se é médica católica, “tudo se torna mais fácil” porque “todo este sofrimento tinha a dimensão e a certeza da presença de Cristo”, valorizando a missão de cuidar do próximo.

“A dimensão do cuidar do próximo é uma dimensão brutal! Desde o cuidado mais simples, do tocar, dar ânimo, gestos simples de higiene, até ao cuidar mais diferenciado, à responsabilidade que nós tínhamos, que é uma responsabilidade brutal, em termos humanos”, afirmou.

Após ter trabalhado em cuidados intensivos Covid, a cardiologista diz que o corpo clínico sentia a responsabilidade de ter nas suas mãos a vida dos doentes, que “eram sagrados”, tratados em “unidades sempre impecáveis” pelo trabalho dos “cuidadores por excelência”, que são os enfermeiros.

“Nós não salvámos todos os doentes, mas acompanhamos até ao fim com a máxima dignidade”.

“Nós, profissionais, fomos tudo! Muitas vezes nós fomos o último conformo emocional para aquele doente. Fomos nós que seguramos a mão até ao último instante, porque não estava lá nenhum familiar para o fazer”, afirmou.

Numa entrevista emitida este domingo, no programa 70×7 (na RTP2, às 15h30), Sílvia Monteiro disse que o medo “nunca paralisou” o corpo clínico nem o impediu de “dar o melhor” e “a incerteza e o cansaço” foram ultrapassados pela “força que é o amor e o bem comum”.

“Profissionais de saúde, crentes e não crentes, todos se dedicaram num ato de grande solidariedade. Enquanto profissionais, houve uma transcendência do que é o dever, do que somos obrigados”, assegurou.

“Nós não tratamos números, tratamos doentes concretos, com vida, e isso feriu-nos. Enquanto profissionais tornámo-nos pessoas melhores e acredito que há de sair muita coisa positiva disto que passámos”.

Na entrevista à Agência Ecclesia, realizada no contexto do Domingo da Misericórdia, que se assinala neste II Domingo da Páscoa, Sílvia Monteiro referiu-se também ao “pulsar” das comunidades crentes e à oportunidade de renovação que a pandemia constitui para a Igreja Católica.

A entrevista é emitida no programa 70×7 deste domingo, pelas 15h30, na RTP2.

PR

«Cuidar do próximo é brutal» – Sílvia Monteiro

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Agência ECCLESIA

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