P. João Alberto Correia, Associação Bíblica Portuguesa
A 30 de setembro de 2019 (dia de S. Jerónimo), com a Carta Apostólica Aperuit illis (Lc 24, 45: “Abriu-lhes o entendimento para compreenderem as Escrituras”), o Papa Francisco determinou que o III Domingo do Tempo Comum fosse o Domingo da Palavra de Deus. O facto de ocorrer em plena Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos (18 a 25 de janeiro) “não se trata de mera coincidência temporal: a celebração do Domingo da Palavra de Deus expressa uma valência ecuménica, porque a Sagrada Escritura indica, a quantos se colocam à sua escuta, o caminho a seguir para se chegar a uma unidade autêntica e sólida” (Aperuit illis, 3). A Palavra que nos norteia, une-nos…
Se todos os Dias do Senhor são Domingos da Palavra, o próximo Domingo reveste-se de uma importância maior, pois é desejo do Papa que “a Palavra de Deus seja cada vez mais celebrada, conhecida e difundida para que se possa, através dela, compreender melhor o mistério de amor que dimana daquela fonte de misericórdia” e “renovar o compromisso em prol da difusão, conhecimento e aprofundamento da Sagrada Escritura, (…) para compreender a riqueza inesgotável que provém daquele diálogo constante de Deus com o seu povo” (Misericordia et Misera, 7).
Num claro apelo à criatividade, o Papa afirma que “as comunidades encontrarão a forma de viver este Domingo como um dia solene” (Aperuit illis, 3). E, em jeito de sugestão, acrescenta: “será importante que, na celebração eucarística, se possa entronizar o texto sagrado, de modo a tornar evidente aos olhos da assembleia o valor normativo que possui a Palavra de Deus. Neste Domingo, em particular, será útil colocar em evidência a sua proclamação e adaptar a homilia para se pôr em destaque o serviço que se presta à Palavra do Senhor” (Aperuit illis, 3). Será assim uma Palavra mais (e melhor) celebrada…
Acrescenta o Papa que “os párocos poderão encontrar formas de entregar a Bíblia, ou um dos seus livros, a toda a assembleia, de modo a fazer emergir a importância de continuar na vida diária a leitura, o aprofundamento e a oração com a Sagrada Escritura, com particular referência à lectio divina”. De facto, não basta colocar o texto bíblico nas mãos do povo de Deus! É necessário que seja lido e compreendido. Cabe evocar, a propósito, At 8, 30-31: “Filipe, acorrendo, ouviu o eunuco etíope a ler o profeta Isaías e perguntou-lhe: ‘Compreendes, verdadeiramente, o que estás a ler?’ Respondeu-lhe ele: ‘E como poderei compreender, sem alguém que me oriente?’”. Emerge daqui a necessidade de um guia espiritual que ajude os cristãos a fazer caminho no processo da compreensão da Palavra de Deus. Se o sacerdote o é por natureza, convém realçar a necessidade de outros Ministros da Palavra que a possam levar mais longe e a mais pessoas (Aperuit illis, 5: “os Pastores têm a grande responsabilidade de explicar e fazer compreender a todos a Sagrada Escritura. Uma vez que é o livro do povo, todos os que têm a vocação de ser ministros da Palavra devem sentir fortemente a exigência de a tornar acessível à sua comunidade”). Tornar-se-á assim uma Palavra mais (e melhor) conhecida.
A par disso, é necessário difundi-la, pondo-a em prática na vida e usando a imprensa cristã e os meios de comunicação social da Igreja, assim como os outros, a fim de a levar mais longe e a mais gente. Pode também ser muito útil e proveitoso o uso das redes sociais, de modo inteligente e consertado, a fim de que se torne uma Palavra mais (e melhor) difundida…
Sendo apenas um por ano, o Domingo da Palavra de Deus tem a função, em primeiro lugar, de despertar os crentes para a importância da sua proclamação (leituras) e explicação (homilia), em todas as celebrações. Serve também para recordar ao Povo de Deus que é necessário ler, meditar e estudar a Bíblia, procurando o seu sentido mais profundo. Os cursos e os grupos bíblicos, assim como uma oração mais bíblica (lectio divina), têm aqui um papel relevante.
Há muito a fazer neste âmbito e pouca gente preparada para tal. Não se fique o Domingo da Palavra de Deus pelo aparato exterior, mas sirva para que a Igreja tome consciência de que a Palavra divina não é apenas um setor, mas a base de todas as dimensões da vida eclesial.
P. João Alberto Correia, Associação Bíblica Portuguesa