Padres na televisão

A RTP está a celebrar 50 anos de vida e a presença do religioso habita naquela casa desde o nascimento. O nascimento da televisão em Portugal, da RTP, não se pode contar sem o contributo de Monsenhor Lopes da Cruz. Pároco da Igreja dos Mártires e fundador da Rádio Renascença, Lopes da Cruz foi o Primeiro Presidente da Assembleia-geral da RTP. E ao longo dos seus 50 anos, a RTP sempre incluiu a dimensão religiosa nos seus programas e na informação que emite. Foram muitos os padres que passaram pela televisão, na celebração da Eucaristia Dominical, em programas religiosos e mesmo naqueles programas que justificaram o aparecimento de serviço público televisivo, na Europa e também em Portugal. Pouco entusiasta dos media, Salazar aceita a instalação da televisão em Portugal, há 50 anos, porque deles tinha uma opinião diferente o seu Ministro da Presidência e Comunicações. Marcelo Caetano valorizava os meios de comunicação social, nomeadamente a televisão, porque seriam meios de educar, informar e divertir. Depois de convencer Salazar, sugere um esquema societário para a criação da nova empresa da televisão, onde um terço do capital era participado das rádios privadas. Entre elas estava a Rádio Renascença, e como a maior accionista desse terço. Charlas Linguísticas Nas memórias da RTP são incontornáveis as “Charlas Linguísticas”. Um programa do Padre Raúl Machado (que faleceu em 1961, terminando também aí o programa). Membro da Sociedade de Língua Portuguesa, o Pe. Raúl Machado conseguiu motivar o público para temas aparentemente elitistas: ensinar a dizer e a escrever. Esse era, aliás, um dos objectivos do serviço público, cumprido com êxito pela forma como o Pe. Raúl Machado criou e apresentou as suas “Charlas”. Missa em Estúdio Monsenhor Lopes da Cruz quis, desde a primeira hora, transmitir a missa pela televisão. A experiência de outros países (nomeadamente em França, com “O Dia do Senhor”) motivou a sua insistência junto da RTP. E, em 1960, começou a transmissão em directo da Missa Dominical, a partir da “Caverna”. Ficou assim conhecido o local do Estúdio 1 do Lumiar, onde estava colocado um altar para a transmissão da Missa. A diferenciação dos espaços informativos ou de entretenimento motivaram a criação de um local específico para a Missa, que correspondia a um espaço mais recuado desse Estúdio (designado por “caverna” pelos profissionais da RTP do Lumiar”). E era só para a Missa, transmitida na manhã de cada Domingo. Uma equipa de sacerdotes, escolhida primeiro por Monsenhor Lopes da Cruz e depois pelo Patriarca de Lisboa, presidia rotativamente à celebração, animada por um pequeno coro. Os trabalhadores da RTP podiam também participar (mas não apareciam). Até 1974, temas como a guerra em África, o Dia Mundial da Paz ou os Direitos Humanos, tinham que ser abordados com “moderação” nas homilias das missas na televisão. Eram frequentes as “admoestações” aos sacerdotes que ousavam um tom mais crítico e o faziam chegar ao país através da televisão. Mas foi precisamente no primeiro Domingo da livre que quase surgia um conflito institucional. No dia 29 de Abril, o primeiro depois do 25 de Abril de 1974, o Pe. António Rego era o sacerdote que presidia à missa na televisão. À sua espera, no Lumiar, estava o Director de Programas, “um capitão de Abril recém-chegado”, e comunicou-lhe que “não podia fazer sermão ou homilia” devido ao período revolucionário que se vivia. O celebrante respondeu que “na longa noite facista tinha sido incomodado várias vezes, mas nunca proibido de falar”. Decide telefonar ao Cardeal Patriarca, D. António Ribeiro, que lhe terá dito “se não há homilia, não há Missa”. “Ao ser transmitida a decisão do Cardeal Patriarca logo o capitão de Abril e um pequeno grupo de funcionários suplicaram ao Pe. António Rego que celebrasse a Missa como entendesse. E assim aconteceu” (Cf. J. M. Lopes de Araújo, Televisão, in: “A Igreja e a Cultura Contemporânea em Portugal”, 363-377). Ao longo da sua história, a RTP continuou a transmitir a Missa Dominical. Em ocasiões específicas ou acontecimentos de relevo nacional ou internacional, a Missa deixa o Estúdio e é transmitida do Vaticano, de igrejas da Europa (na cadeia Eurovisão) e das comunidades católicas de Portugal. Programas religiosos Desde o início, não são as leis que dão à Igreja o púlpito da televisão. Antes o trabalho concreto de muitos sacerdotes e leigos. Mais do que relacionamentos institucionais favoráveis, a Igreja Católica contou, ao longo destes 50 anos, com muitos homens e mulheres da Igreja que souberam estar em televisão, contribuindo para a qualidade dos programas religiosos e, por essa via, para qualidade das emissões, sendo esta uma característica dos anos do regime e dos que se lhes seguiram. Desde logo Mons. Lopes da Cruz. Garante a transmissão da Eucaristia Dominical na televisão, sem encontrar oposição na RTP, antes naqueles que apontavam dúvidas sobre a des-sacralização da Eucaristia pela transmissão televisiva. É o primeiro homem que percebe a importância da televisão e, pela sua participação societária, garante uma voz! Até à Lei de 90, a presença da Igreja na televisão é a presença de um punhado de sacerdotes que marcaram a programação da RTP: Pe. José Maria de Freitas, Pároco dos Beato, (participou nos programas religiosos e escrevia uma meditação que se lia no fim da emissão); Pe. Videira Pires, de Bragança (com um programa depois da Missa); Pe. Moreira das Neves (com comentários, programas esporádicos sobre efemérides ou acontecimentos específicos que reclamavam a opinião da Igreja), o Cón. Xavier Coutinho (Programa “Naquele Tempo”); os actuais bispos D. António Reis Rodrigues (Programa “Lux in Tenebris”) e D. Serafim Ferreira e Silva; O Pe. Teodoro Marques da Silva, o Pe. João de Sousa, (Pároco dos Anjos que com o seu programa “Amanhã é Domingo” – de explicação dos textos bíblicos – marcou telespectadores); o Pe. Luís França (Programa “Cada dia uma esperança”.) Cardeal Ribeiro e 70×7 A história da RTP fica marcada sobretudo pelos programas do futuro Cardeal Patriarca de Lisboa, D. António Ribeiro e pelo Programa 70×7. O Pe. António Ribeiro fez dois programas: “Encruzilhadas da Vida”, de perguntas e respostas sobre questões religiosas; “O Dia do Senhor”, sobre actualidade religiosa, emitido em cada Domingo; e “Concílio Vaticano II”, sobre os trabalhos do Concílio e a forma com os portuguesas o acompanhavam. Confirma quem com ele conviveu que “marcou a casa”. O Pe. António Ribeiro criou óptimo relacionamento e era (e é) com orgulho que muitos profissionais da RTP falavam do “antigo colega”. Chegou mesmo a ler os textos de um telejornal por falta do locutor. A censura incomodou-o, pelo menos indirectamente. Um programa sobre a visita do Papa Paulo VI à Índia chegou mesmo a não ser emitido. A partir de 1975, a RTP conta com o contributo do Pe. António Rego na programação religiosa. Entre outros programas, foi autor do “Andar faz caminho” e do “70×7” (que iniciou com Manuel Vilas Boas). Por outro lado, presidia regularmente à Eucaristia Dominical, coordenando a transmissão entre 1968 e 1992. O Programa 70×7 nasceu a 21 de Outubro de 1979. Primeiro no Canal 1, depois na RTP2, manteve emissões regulares, na manhã de cada Domingo (até Novembro de 1980 era emitido quinzenalmente). Emitido actualmente às 9:30h, na :2, o programa é um “recorde de longevidade na televisão portuguesa”, referido por católicos e não católicos pelas temáticas escolhidas, pela capacidade que teve, desde o início, de ir ao encontro das pessoas, nos locais mais escondidos, e tratar a temática religiosa no que ela tem menos de institucional e mais de humano. “70×7” recebeu o prémio da Associação Católica Internacional de Cinema e Televisão, concedido ao programa “A Cartuxa” (emitido em Abril de 1982), e prémio do Festival Ecuménico Europeu, concedido ao programa “A Cinza e a Morte” (emitido em Novembro de 1985). O estudo de quatro programas (A Cartuxa, A Cinza e a Morte, O Som do Silêncio, A Terra e o Pão) serviu de base a uma tese de mestrado em Comunicação Educacional Multimédia, defendida pelo Dr. Carlos Capucho, na Universidade Aberta. Para a história da RTP As pessoas e os programas referidos estão na história dos 50 anos da RTP. Estão também muitas transmissões religiosas, muitas vezes a justificação para conquistas tecnológicas e crescente envolvimento de meios humanos e técnicos. Na inauguração do Monumento a Cristo Rei, a 17 de Maio de 1959, cerca de 100 profissionais realizaram a primeira grande transmissão em directo da RTP (durante 3 horas, uma das quais à espera de Salazar, com Henrique Mendes a segurar a emissão com improvisos). Alguns dias antes (13 de Maio de 1959), a RTP iniciara uma rotina que não mais deixará: a transmissão das peregrinações de Maio e Outubro ao Santuário de Fátima. Na realização dessas transmissões e em muitos documentários, Fátima “celebrizou Ruy Ferrão”, que foi conhecendo, cada vez melhor, o Santuário e os seus responsáveis, o que lhe permitiu enriquecer o seu trabalho de realização. O Concílio Vaticano II, para além dos programas do Pe. António Ribeiro, marcou a antena da RTP. Desde logo, com uma mensagem de 20 minutos do Papa João XXIII, um mês antes da abertura (a 11 de Maio de 1962). A abertura dos trabalhos conciliares foram transmitidos via Eurovisão, que continuaram a ser acompanhados por um jornalista da RTP. A visita de Paulo VI a Portugal, em 1967, fez com que a RTP montasse uma verdadeira operação televisiva. Envolveu todo o material técnico de que dispunha e ainda alugou equipamentos às televisões italiana, francesa e espanhola. Estiveram envolvidos 150 profissionais portugueses numa transmissão integral dessa visita (com retransmissão via eurovisão e para as Américas Central e do Norte). Outra visita papal, de João Paulo II em 1982, foi a ocasião para a primeira grande transmissão a cores de um grande acontecimento. Em ecumenismo Para além da presença da Igreja Católica por iniciativa da informação ou programação da RTP, que sempre reserva tempo de emissão para acontecimentos eclesiais marcantes, a Igreja Católica tem uma presença institucional no serviço público de televisão através do Programa “Ecclesia”. No cumprimento da Lei 58/90, de 7 de Setembro, e no quadro da Lei de Liberdade Religiosa, a Igreja Católica e outras confissões religiosas dispõem de 30 minutos de segunda a sexta-feira no Programa “A Fé dos Homens” (onde se insere o Programa Ecclesia) e, ao Domingo, dos Programas 70×7 (para a Igreja Católica) e Caminhos (para as outras confissões religiosas).

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