Padres desafiados a renovar a sua missão

Entrevista ao Pe. Jorge Madureira, Secretário da Comissão Episcopal Vocações e Ministérios, a respeito do VI Simpósio do Clero em Portugal

Mais de 750 padres de todo o país reúnem-se a partir desta Terça-feira em Fátima para o VI Simpósio do Clero, organizado pela Comissão Episcopal das Vocações e Ministérios. A iniciativa, que decorre a cada três anos, tem desta feita um significado especial por coincidir com o Ano Sacerdotal convocado por Bento XVI.

A respeito desta iniciativa, o Programa Ecclesia foi ao encontro do Pe. Jorge Madureira, Secretário da Comissão Episcopal Vocações e Ministérios

 

O facto de o Simpósio do Clero de Portugal decorrer no Ano Sacerdotal confere-lhe alguma importância em particular?

Sem dúvida, embora inicialmente não tenha sido pensado para esta convergência, porque o Ano Sacerdotal ainda não estava anunciado. A Comissão costuma organizar de três em três anos o Simpósio do Clero. Esta concentração é uma feliz coincidência. Vai-lhe conferir outra importância, e, pelo número de inscritos, outra adesão.

 

Este simpósio é o encontro de uma elite, de um número restrito de pessoas, que se reúne para pensar sobre o que faz e sobre o que é, no mundo de hoje?

O encontro vai reunir sacerdotes provenientes de todas as dioceses de Portugal, e também algumas pessoas que estão nos últimos anos do seu processo formativo. Não se trata propriamente de uma elite.

 

Não é uma reunião à porta fechada…

Não. Trata-se de congregar aquelas pessoas que estão configuradas por uma vocação muito específica, que é a sacerdotal.

 

O tema do simpósio é: «Reaviva o dom que há em ti». O que é que se pretende dizer com esta formulação?

Foi uma forma que se encontrou para estabelecer a ligação com o Ano Paulino, e com o impacto que esta figura grande da Igreja provoca, como interpelação, na vivência e no exercício do ministério presbiteral. O tema inspira-se numa das suas afirmações a um colaborador, a quem pede que reavive o dom que está nele. Com essa acentuação, pretende-se pedir aos padres em Portugal que entrem nesta mesma lógica de aprofundamento e renovação do seu ministério.

 

O tema manifesta que a identidade do padre não depende só dele. O dom constitui uma parte da identidade sacerdotal.

Sim. Eu acho que aí se faz referência, pelo menos, a dois tipos de iniciativa. À do próprio Deus, que confere o dom; e, portanto, é a Ele que o compete reavivar. Tomar consciência disso é já uma parte que nos cabe, como padres, como sacerdotes, esforçando-nos por uma fidelidade crescente a esse dom.

 

Quem participará como conferencista? E que temas serão propostos à reflexão dos sacerdotes?

Temos participações variadas de figuras sacerdotais, algumas internacionais. Vem o Pe. Anselmo Grun, monge beneditino que se tem destacado pelo acompanhamento dos padres, no seu país e na sua diocese, um pouco à boa maneira da tradição beneditina, que tem como missão esse acolhimento. O Pe. Grun tem-se igualmente salientado por imensos escritos na área da espiritualidade. E a dimensão espiritual é uma das vertentes acentuadas no simpósio.

 

Já se conhece, de alguma forma, o pensamento deste frade?

Sim, mas embora ele tenha um centro de acompanhamento de sacerdotes, em que integra uma equipa pluridisciplinar, não escreveu obras específicas para o sacerdócio. Pensamos até em publicar as suas conferências, porque significam uma mais-valia neste património bibliográfico, enriquecendo a reflexão. Mas conhece-se muito do seu pensamento, certamente.

 

O Pe. Grun está, portanto, centrado na espiritualidade, nomeadamente sacerdotal?

Está centrado na espiritualidade e no acompanhamento espiritual dos sacerdotes.

 

Estarão também presentes figuras da Igreja Católica em Portugal?

Sim. O senhor Cardeal Patriarca vai-nos falar no dia 2, Quarta-feira, sobre «Crescer como pessoas para servir como pastores». Foi-lhe pedido que trate a dimensão do crescimento do sacerdote, como pessoa e como homem, com vista ao exercício cada vez mais capaz da sua missão sacerdotal.

 

No programa está um biblista, o Pe. José Tolentino Mendonça, que reflectirá sobre o tema «Padres para um tempo novo».

Aquilo que se pretende, e o que foi pedido ao Pe. José Tolentino, é que agregasse a si um grupo de pessoas, e que com elas, em formato de painel, apresentasse desafios a esta assembleia tão específica, sobretudo para que continuem a abrir-se perspectivas de renovação da Pastoral e da presença no mundo, num tempo novo, que é aquele que nos é dado viver.

 

Serão, portanto, apresentadas diferentes experiências do trabalho pastoral do sacerdócio?

Diferentes interpelações, vindas de diversos âmbitos. Este conjunto de pessoas representa outras vocações, que não apenas a sacerdotal e ministerial. Virão leigos e figuras femininas, com experiências em vários terrenos da vida da Igreja.

 

Serão intervenções para desafiar os sacerdotes?

Exactamente.

 

Pelo programa, vê-se que a Quarta-feira é o dia para os conferencistas nacionais. Na Quinta e Sexta-feira estarão novamente presentes personalidades da Igreja Católica internacional.

Sim. O Pe. Amadeo Cencini, que tem estudado muito as temáticas relacionadas com a Pastoral Vocacional, mas também com a Pastoral Vocacional específica; concretamente, naquilo que são os seus últimos desenvolvimentos, que respeitam à área da formação permanente. O contributo que lhe pedimos é no sentido de nos comunicar a sua reflexão, que é relativamente recente, embora amadurecida no tempo. Espera-se que a sua intervenção ajude a inspirar alguns dos projectos que as dioceses devem fazer, ou que, pelo menos, devem sustentar e renovar, no âmbito da formação continuada e permanente.

 

No último dia, Sexta-feira, o cardeal Hummes encerrará o simpósio. Quais os motivos desta escolha?

Porque preside à Congregação do Clero. E porque está por detrás do Ano Sacerdotal. Para a organização do simpósio, foi uma grande alegria saber que ele criou disponibilidade para estar connosco nestes dias.

 

O programa tem nomes de referência, tanto pela produção literária como pela reflexão sobre o sacerdócio. Pretende-se que o simpósio seja marcante neste Ano Sacerdotal e na vida da Igreja Católica em Portugal?

Sim, na linha dos simpósios que se têm realizado e da oportunidade que eles têm significado para a renovação, reflexão, encontro e partilha das várias dioceses, bem como para o aprofundamento dos aspectos mais candentes associados ao sacerdócio.

 

Quais são os aspectos que nos podem preocupar na definição da missão e da identidade dos sacerdotes?

O aspecto que foi eleito por Bento XVI, que dá o tema ao Ano Sacerdotal e que estará presente em todas as comunicações, é o da fidelidade do sacerdote, que vive da fidelidade de Cristo. Esta questão é importante, sobretudo num tempo em que é tudo muito a prazo. E numa altura em que há condições novas para viver o sacerdócio, é importante ir à fonte, ajudando a dimensionar, com amor para toda a vida, uma entrega que deve ser radical.

 

Essa entrega deve ser reconfigurada face às condições do presente, podendo ser diferente, por exemplo, no exercício de liderança que tem caracterizado a missão do padre?

Sim. Há sempre um exercício de discernimento da realidade que é necessário realizar, e que o padre, enquanto responsável de uma comunidade eclesial, deve cumprir, em articulação e comunhão com todas as outras vocações. Ao sacerdote compete fazer surgir e formar essas vocações, trabalhando com elas e acompanhando-as, sobretudo no seu compromisso laical, no meio da realidade, no meio da sociedade.

 

Qual é a motivação deste conjunto de iniciativas? Recorrentemente se diz que as estatísticas valem o que valem e que a crise tem diferentes leituras; mas há alguma situação de “aperto”, que faz com que o sacerdote pare para pensar naquilo que é e faz, ou há um querer prestar um serviço com uma qualidade diferente e melhorada?

Acho que é isso mesmo: pensar o ser para qualificar o agir e a missão. Essa é uma exigência teológica. E é uma exigência do próprio ministério, que permanentemente cria aquelas situações que Jesus suscitava com os apóstolos: chamava-os para estar com Ele, em lugares de alguma serenidade, permitindo-lhes cuidar do próprio ser, para poderem cuidar de todos os outros a quem são enviados em missão.

 

Sem pressões de estatísticas ou algo do género?

Sim, sem pressões de estatísticas, porque, como disse, valem o que valem. O trajecto de renovação do ministério está em execução, sobretudo com vigor para o nosso tempo, a partir do Concílio Vaticano II. Tudo aquilo que se tem feito depois, tudo o que o Magistério tem dito, e tudo o que tem proposto à Igreja, vai no sentido da renovação. Mesmo que as estatísticas possam não ser favoráveis, a renovação da Pastoral Vocacional continua a ser feita, a alargar-se e a desenvolver-se. Estão a abrir-se novos campos de atenção e de sementeira. É todo esse trabalho que deve e está a ser feito, independentemente de qualquer pressão de outra natureza.

[[v,d,497,Simpósio do Clero – Entrevista ao Pe. Jorge Madureira]]

Quais são as novas estratégias para a Pastoral Vocacional?

Mais do que estratégias, trata-se de prestar atenção a todas as dimensões de uma comunidade, particularmente as que têm especial responsabilidade nesta área. Como já tenho dito várias vezes, são todas aquelas que têm tarefas de transmissão da fé. É preciso muito trabalho com estes agentes e educadores da fé, por exemplo, na Pastoral Familiar. Tudo o que está subjacente ao simpósio também contribui para a Pastoral Vocacional, na medida em que ajuda o padre a tomar consciência de que uma vida atractiva, do ponto de vista sacerdotal, interpela positivamente os jovens.

 

Foi recentemente pedido ao Pe. Jorge Madureira que coordenasse um Serviço Europeu de Vocações. Pelo nome, somos levados a perceber que estamos diante de uma problemática encarada a nível do continente?

Sim, é uma problemática que tem incidências específicas na Europa, sobretudo no que está subjacente às estatísticas, que é a escassez de vocações. A tentativa de encarar a questão a nível do continente já tem alguns anos. Neste momento, o Serviço procura aperfeiçoar a leitura que faz da realidade, para que a acção sobre ela possa ser mais convergente e articulada.

 

Que iniciativas desenvolve o Serviço Europeu de Vocações?

Promove encontros de formação, em congresso, congregando os departamentos nacionais das Vocações de todos os países europeus. Reúnem sempre bastante gente. São uma oportunidade muito interessante de abertura às outras realidades eclesiais, contribuindo para a descoberta de traços comuns que atingem a todos. Têm sido momentos muito ricos de experiência de Igreja e de aprofundamento daquela que deva ser, do ponto de vista específico da Pastoral Vocacional, a missão mais acertada.

 

Encaram-se com optimismo os próximos tempos, nomeadamente para as necessidades de liderança que a Igreja Católica precisa na Europa?

Não interessaria que alguém estivesse neste Serviço de forma desiludida ou desanimada. Não faz parte da estratégia evangélica da Pastoral Vocacional.

 

Mas o realismo é necessário…

O realismo é muito necessário, sobretudo para perceber, com muita lucidez, os desafios que se têm pela frente. Perceber quais são as dificuldades, frequentemente nascidas de visões muito cómodas ou que se baseiam nos estereótipos de uma cultura que insiste em modelar as vocações segundo dinamismos da sociedade, de culturas empresariais ou de outro tipo de associações. Isto está muito presente, e é necessário lembrar a génese de todas as vocações, o mistério que lhes dá origem, que as sustenta e que as radica e, por isso, também, qual é a missão.

 

De que forma é que este simpósio chegará à opinião pública?

Chegará na medida em que os participantes se fizerem portadores da vivência do simpósio, mais do que da reflexão nele produzida. Estas assembleias costumam ser, nos presbitérios das várias dioceses, uma oportunidade muito rica de vivência da alegria de se ser padre, num tempo difícil, através de uma existência enraizada no mistério de Jesus Cristo, que é quem dá o sentido ao sacerdócio.

 

Este será também um tempo de debate de questões que, de alguma forma, podem mexer na estrutura e na forma como o sacerdócio é hoje vivido em cada uma das dioceses?

Na estrutura, não digo…

 

Houve simpósios em que alguns temas marcaram o debate dos participantes…

Sim, mas não alteraram a estrutura propriamente dita. Nós não inventamos o sacerdócio; ele é-nos dado e tem uma vinculação a Jesus Cristo; Ele é que o define e configura; e faz-se na sucessão apostólica. Mas é sempre um momento para exprimir aquilo que vai sendo a busca de cada um, aquilo que vão sendo as descobertas de cada pessoa. Há sempre oportunidade para que todas essas provocações possam naturalmente fluir. E isso tem acontecido sempre. São espaços abertos, com reflexão, debate e colóquio com os conferencistas, muitas vezes para contrapor pontos de vista diferentes. É um espaço vivo.

 

Depois deste simpósio, que outras iniciativas irão marcar o Ano Sacerdotal?

A nível mundial, haverá um convénio, em Roma, para encerrar o Ano. Esta assembleia, que já foi publicamente apresentada, irá decorrer de 9 a 11 de Junho de 2010. O encontro uma extensão na Terra Santa, nos dias seguintes, de 12 a 16. Também haverá algumas recolecções, nomeadamente em Ars [França], porque remete-nos para a figura de referência deste ano, que é São João Maria Vianney. De âmbito nacional, o simpósio é a grande iniciativa. Estão a ser pensadas outras, nomeadamente a publicação de alguns textos que faltam sobre o sacerdócio e a formação sacerdotal, que a Conferência Episcopal quer editar. Tratam-se de documentos que estão neste momento a ser trabalhados. Haverá também acções a nível diocesano e local, nas paróquias; nestes casos, as actividades dependem dos senhores bispos. Todos eles, praticamente, já dirigiram cartas, mensagens e comunicações aos seus diocesanos e aos seus padres sobre o Ano Sacerdotal. Em muitos locais estão constituídas comissões para fazer essa programação.  

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