Os pobres não podem esperar

Homilia de D. António Francisco dos Santos, Bispo Auxiliar de Braga, na Eucaristia de 13 de Setembro da Peregrinação Internacional Aniversária Ressoa ainda no meu coração e no espaço deste recinto sagrado a palavra do Papa Paulo VI, em 13 de Maio de 1967, na primeira vez que vim a Fátima. Recordo, também, a presença serena, discreta e abençoada da Irmã Lúcia, nesse dia em que também ela pela primeira vez depois de ter ingressado no Carmelo, participava nas Celebrações do dia 13 de Maio. Celebrávamos então o Cinquentenário das Aparições de Nossa Senhora. Vivíamos nesse momento o entusiasmo e o fascínio renovador do Concílio Ecuménico Vaticano II, que João XXIII convocara e que Paulo VI concluíra. Quase quarenta anos depois, neste ano em que Deus chamou a Si a Irmã Lúcia, eu quero evocar a palavra e a memória de Paulo VI e de João Paulo II que como peregrinos de Fátima nos afirmaram e ensinaram este vínculo indelével e sagrado de Fátima ao Santo Padre e à Igreja e esta sintonia permanente e fundante entre a Mensagem de Fátima e o Evangelho, entre quanto aqui se vive, celebra e reza e a urgência imperativa de uma nova evangelização. , É, por isso que tem sentido recordar o que nos diz Lúcia desse primeiro 13 de Setembro de 1917: «Ao aproximar-se a hora, lá fui diz Lúcia, com a Jacinta e o Francisco, entre numerosas pessoas que a custo nos deixavam andar. As estradas estavam apinhadas de gente … Numerosas pessoas:.. conseguindo romper por entre a multidão que à nossa volta se apinhava, vinham prostrar-se, de joelhos, diante de nós, pedindo-nos que apresentássemos a Nossa Senhora as suas necessidades.» (Memórias da Ir. Lúcia, Vol. 1, p. 172). _ As estradas ,do mundo e da vida continuaram sempre «apinhadas de gente». «Não vês tanta gente na estrada, tantos caminhos e campos -cheios de gente a chorar com fome, e não têm nada que comer?», dizia Jacinta a Lúcia na Loca Cabeço, enquanto rezavam as orações que o Anjo lhes ensinara. (Memórias da Ir. Lúcia, p. 112). A vossa presença aqui diz-me que as estradas apinhadas de gente conduzem, hoje, ao Santuário de Fátima, como ao longo deste verão nos reuniram em tantos outros santuários. Venho de uma Diocese em que os santuários marianos, e tantos eles são, nos falam com carinho e devoção da presença da Mãe de Deus. São verdadeiramente casa onde a Mãe de Deus habita e nós seus filhos nos reunimos com tanta alegria e tão grande fé. Cada vez mais os santuários ocupam maior centralidade na vivência da fé, na valorização do espírito orante e contemplativo, na formação religiosa dos crentes, na leitura atenta da Palavra de Deus, na celebração dos sacramentos, particularmente da reconciliação e da eucaristia, no crescimento do espírito comunitário, na consolidação da unidade e comunhão da Igreja, no acolhimento e discernimento das vocações, nos encontros de movimentos e grupos apostólicos, na partilha gratuita e no serviço generoso da caridade aos mais pobres e neste acordar em cada um de nós do espírito de peregrinos à procura de Deus e dos seus dons, permitindo-nos estabelecer com Ele um diálogo mais denso e prolongado. A este diálogo chamamos oração, que tem no terço do rosário, com os seus mistérios da alegria, da luz, da dor e da glória, uma das expressões mais belas e mais nossas. 2 – Nos caminhos humanos das nossas vidas e das nossas procuras crentes continuamos a cruzar estas estradas apinhadas de gente com fome de pão, com fome de esperança, com fome da Eucaristia. Outrora o povo de Israel encontrara em Judite, de que nos fala a primeira leitura, a mulher abençoada que salvou o povo da humilhação e da destruição e Ozias bendiz o Senhor porque através desta mulher Ele libertou o Seu povo. É esta mais uma imagem a anunciar a libertação definitiva que nos vem de Maria, a Mãe de Jesus, Aquela que é proclamada feliz «porque acreditou», «feliz porque ouve a Palavra de Deus e a põe em prática». Como é necessário, irmãos peregrinos, que resplandeça, também hoje no horizonte duma sociedade marcada pelo relativismo e de um mundo à procura de futuro, de luz e de paz o grande sinal da Virgem-Mãe! «o brilho e a força desse sinal, hoje del5ende de nós, depende da maneira como acolhemos a Palavra de Deus e como vivemos a Eucaristia, e as traduzimos nos gestos do nosso dia-a-dia». (Congresso Eucarístico Nacional, 1996, p. 37). Todos sabemos que não basta escutar a Palavra de Deus, mas sabemos também, que é fundamental nunca deixar de escutar a Palavra de Deus. Precisamos de uma Igreja que escute, de uma Igreja confidente. «A adoração não é um luxo, é uma prioridade», dizia Bento XVI na oração do Angelus, do dia 4 de Setembro passado. Maria corporiza esta Igreja confidente, esta Igreja que escuta e que cria e promove uma atmosfera e uma cultura de silêncio e de contemplação. Aí a Palavra de Deus fermenta, leveda e faz-se vida na nossa vida, oferecendo densidade interior às palavras que dizemos e às acções que realizamos. Habituou-nos este Santuário a descobrirmos que as pessoas, as famílias e as comunidades cristãs através de Maria se aproximam aqui mais de Deus, de Seu Filho e da Igreja e como Maria aqui acolhem favoravelmente a Palavra e comungam o Pão repartido para um mundo novo. Em ano da Eucaristia ganha ainda mais sentido centrarmos esta peregrinação na Eucaristia e dizermos com o fascínio da adoração e com o encanto da contemplação dos discípulos de Emaús: «Fica connosco, Senhor». – Fica connosco Senhor para que o nosso coração perceba a presença e a beleza do rosto do Filho de Deus que se faz nosso irmão e nosso companheiro de jornada; – Fica connosco, Senhor para que compreendamos que a Eucaristia é sempre a «hora de Jesus» e o centro da nossa vida, transformando para cada um de nós e para o mundo a morte e ressurreição de Cristo numa aliança de amor, celebrada no Seu Corpo por nós entregue e no Seu Sangue por nós derramado. 4 – Na Jornada Mundial da Juventude, em Colónia na Alemanha, o Santo Padre Bento XVI lembrava aos jovens que “quando terminamos uma peregrinação começa para nos um novo caminho, como aconteceu com os reis magos que quando viram Jesus voltaram a suas terras por outro caminho”, ou como aconteceu com os discípulos de Emaús que quando reconheceram Jesus pela fracção do pão voltaram a Jerusalém, agora com entusiasmo redobrado e com os medos vencidos, porque também eles não podiam calar o que viram e ouviram. Queridos peregrinos: Desta peregrinação levemos connosco e em nós a luz da Palavra de Deus, a paz de um coração reconciliado, o alimento do Corpo de Cristo e o olhar terno da Mãe de Deus e nossa Mãe. Também connosco vai o Jesus escondido de que falava Francisco, com tanto enlevo. A salvação é um dom mas é também uma missão. A eucaristia impele-nos para a missão. A partir da Eucaristia somos sempre convocados para a missão, dando prioridade ao essencial que consiste em dar glória a Deus e amar os nossos irmãos como a nós mesmos. Os pobres não podem esperar. É urgente viver esta dimensão de Eucaristia que nos convida ao exercício concreto e constante da caridade fraterna e da solidariedade humana, oferecendo no coração de cada um de nós lugar para as bem-aventuranças do Evangelho. Cada vez que amarmos os nossos irmãos e estendermos as mãos aos pobres, eles abençoar-nos-ão com Espírito de Deus. Comungar o Corpo de Cristo, Pão da Vida implica esta Fé generosa e solidária, aberta à partilha do pão e dos bens com os que não têm. É este o tema desta peregrinação aniversária e é nisto que se exprime e afirma a identidade dos crentes e a especificidade dos cristãos. A nossa missão convida-nos no momento histórico presente a transformarmos com paciência e perseverança a nossa terra num povo reconciliado, justo e fraterno e um mundo a braços com a ausência, o vazio ou a nostalgia de Deus numa humanidade recriada e redimida onde haja lugar para Deus, tempo e espaço para a oração e se abram caminhos de santidade, de virtude e de bem. Onde a vida seja um direito sagrado, inalienável, defendido e respeitado desde a sua concepção. «Em Fátima foi lançado um apelo à seriedade da vida e da , história» escrevia o Cardeal Ratzinger, hoje Papa Bento XVI em 1983. 5 – Na origem e génese da vida estão sempre as nossas mães e os nossos pais. Foram eles quem primeiro e melhor nos falou de Deus. É deles que agora com particular ternura queremos falar a Jesus, por Maria, Sua e nossa Mãe. No berço da vida e da vocação estão sempre as nossas famílias. Que elas sejam santuário de vida, comunidades de amor abençoado por Deus e igrejas domésticas, onde germinem e cresçam vocações para a vida sacerdotal, religiosa, missionária e para ávida consagrada no mundo. Na educação da nossa vida estão as nossas escolas. Nesta semana de início oficial e de abertura solene do novo ano lectivo consagremos a Nossa Senhora as nossas escolas para que eduquem e ensinem, com valor e qualidade, assumindo a matriz cultural cristã que oferece ao saber a adquirir o necessário e imprescindível complemento da sabedoria dos dons do Espírito. Só esta sabedoria e discernimento que nos vem de Deus a Sua ajuda e a Sua bênção sustentarão projectos educativos consolidados. No itinerário do despertar religioso, do crescimento da Fé e da formação cristã estão sempre os nossos sacerdotes, os nossos catequistas, os movimentos e associações apostólicas, as nossas paróquias e as nossas comunidades cristãs. Que neste relançar de um novo ano pastoral nunca lhes falte a alegria da fidelidade e entusiasmo da missão. Que Nossa Senhora de Fátima e os bem-aventurados Francisco e Jacinta a todos atendam, abençoem e protejam. Amen. D. António Francisco dos Santos, Bispo Auxiliar de Braga

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