Os Papas peregrinos

À semelhança de Pedro e Paulo, para anunciar o Evangelho Muitos Papas vestiram a veste de peregrinos e honraram os santuários com as suas visitas. João Paulo II faz das peregrinações por todo o mundo uma pregação do evangelho semelhante às que fazia em Roma. Sair do Vaticano como peregrino era um acto normal da sua missão de sucessor de São Pedro. Peregrinar era colocar-se ao serviço do homem. Numa época que se vangloriava da morte de Deus, o Papa dizia que um Deus morto era a morte do homem. 1. Quando cheguei a Roma como jovem estudante, as pessoas diziam admiradas: Pio XII já saiu sete vezes do Vaticano para visitar a sua diocese! Era o tempo em que se falava do Papa como o «prisioneiro do Vaticano». O mandato do Senhor a Pedro e aos doze para fazer de todos os povos seus discípulos, podia cumprir-se mesmo dentro dos muros de um pequeno estado territorial. Pio XII viveu todo o tempo conturbado da segunda guerra mundial. Numa das suas viagens à basílica de S. Lourenço extra muros, recentemente bombardeada, chegou ao Vaticano com a batina branca tingida de sangue. S. Pedro, para cumprir a sua missão evangelizadora teve muito que peregrinar tanto na Palestina como na Ásia Menor, em Antioquia, mas principalmente na vinda para a capital do Império, Roma. Nenhum apóstolo pode suplantar S. Paulo, o missionário dos gentios, que percorreu toda a Ásia Menor, Europa oriental, chegou a Roma e planeou visitar as Espanhas. Após a visão de Jesus Cristo no caminho para Damasco, o Saulo que se tornou Paulo, dedicou toda a sua vida a anunciar Cristo ressuscitado, sem ter outra preocupação, nem outra meta, mas em todo o mundo co-nhecido. Os outros apóstolos, exceptuando Tiago, bispo de Jerusalém, segundo a tradição, foram martirizados nas diversas regiões do império romano. A S. Tomé atribui-se a evangelização da Índia. 2 – Muitos Papas vestiram a veste de peregrinos e honraram os santuários com as suas visitas. Uns, para venerar os santos da sua devoção, poucos, para visitar os lugares santos da história da salvação. No séc. XI, Leão IX peregrinou algumas vezes ao Monte Gargano no sul da Itália, para colocar o seu ministério petrino, sob a protecção de S. Miguel, quando era atacado pelos normanos. Na Idade Média, as peregrinações dos Papas diminuíram e cessaram por completo após a re-volução francesa. O Papa tornava-se peregrino em Roma nos anos do Jubileu e nas estações da Quaresma, mas sempre dentro da sua cidade. Com a tomada de Roma pelas tropas dos Savoia em 1870, o Papa não saiu mais do Vaticano até aos Pactos de Latrão em 1929. Apesar da liberdade de movimentos, os Papas só saíam para um período de férias em Castelgandolfo. O beato João XXIII, que fora Núncio tanto no Oriente como no Ocidente, reabriu o caminho dos santuários. Antes do Concílio Vaticano II dirigiu-se em peregrinação ao Loreto e Assis, a pedir o auxílio divino para o grande acontecimento eclesial. Paulo VI teve a coragem de realizar uma peregrinação à Terra Santa, «como sinal de oração, pe-nitência e de renovação» Este gesto alegrou toda a Igreja e foi aproveitado para enviar de Belém uma mensagem de paz a 241 chefes de Estado. O encontro com o Patriarca Atenágoras em Jerusalém foi um marco histórico no caminho para restabelecer a unidade das Igrejas irmãs do oriente e do ocidente. Paulo VI realizou nove viagens simbólicas, visitou a antiga Constantinopla, actual Istambul, na Turquia, a Índia, a África, a América Latina, a Austrália e também Fátima. A peregrinação a Portugal a 13 de Maio de 1967 suscitou muitas polémicas porque, dizia-se, o Papa visita um país sob a ditadura de Salazar. Alguns viram esta viagem como uma bênção «das formas religiosas que mantêm os povos num trágico subdesenvolvimento cultural». O Papa sempre afirmou que veio como simples peregrino para prestar homenagem filial a Nossa Senhora. A sua peregrinação reuniu em Fátima dois milhões de pessoas, as críticas diminuíram, e Paulo VI viu uma imagem da Igreja peregrina que nunca tinha imaginado e o comoveu profundamente. João Paulo II faz das peregrinações por todo o mundo uma pregação do evangelho semelhante às que fazia em Roma. Sair do Vaticano como peregrino era um acto normal da sua missão de sucessor de São Pedro. Peregrinar era colocar-se ao serviço do homem. Numa época que se vangloriava da morte de Deus, o Papa dizia que um Deus morto era a morte do homem. O Papa quis despir-se da imagem de administrador, jurista, prisioneiro do Vaticano, ele quis ser, antes de tudo apóstolo, como Pedro e Paulo, que se deslocavam de cidade em cidade a pregar o Evangelho. João Paulo II visitou todos os santuários marianos que encontrou nos países que percorreu. Mas as suas visitas diferem dos outros peregrinos, ele quer reafirmar em todo o mundo o ensinamento da Igreja, tanto o dogma como a moral, mesmo que as pessoas discordem dele. É o Papa da mobilidade que deu um novo rosto à Igreja e a tornou «estandarte apresentado a todos os povos e nações (L.G.). A lista das suas viagens é impressionante e contempla não só os grandes países e cidades, mas também as ilhas pequenas como os Açores e a Madeira. Encontramo-lo nos lugares tradicionais de peregrinação: Guadalupe, Czestochowa. Éfeso, Lisieux, Lourdes, Fátima, Jerusalém, Knoch, Aparecida, e, além dos santuários pequenos ou grandes, nas praças, nos estádios, nos campos, reunindo multidões antes nunca vistas, como em Manila com seis milhões de pessoas. João Paulo é um viajante por método e vocação, ele inventou as viagens papais dos tempos modernos, como meio de comunicação de massas e instrumento do governo da Igreja. Nenhum outro homem no mundo foi visto directamente por tanta gente. O mundo compreendeu o pastor universal que viajava pelos céus de todos os continentes para anunciar a paz, defender a dignidade humana e apregoar o amor como solução para os problemas da sociedade. Por ocasião da sua morte, as multidões retribuíram, invadindo Roma. De todo o mundo vieram peregrinos para despedir-se do peregrino universal. A mobilidade humana atingiu o seu vértice mais alto. A peregrinação tornou-se cátedra e púlpito do anúncio da salvação e do amor de Deus pelos homens. Funchal, 31 de Julho de 2005 D. Teodoro de Faria, Bispo do Funchal

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