Miguel Oliveira Panão, investigador universitário
A 20 de Fevereiro de 2010, as chuvas intensas na ilha da Madeira deixaram um rasto da prior destruição nos últimos 100 anos e um número de mortos acima dos 40, deixando mais de 350 pessoas sem alojamento. Sete dias depois, a 27 de Fevereiro, um dos mais poderosos terramotos de há 100 anos atinge o Chile, matando mais de 300 pessoas, destruindo diversas casas e gerando tsunamis que ameaçaram diversos pontos nas encostas do pacífico, indo tão longe quanto o Japão. Perante estes acontecimentos, são muitas as questões que se colocam relativamente a estes desastres naturais e às suas consequências para a natureza e a vida humana, mas as duas que mais ressoam no íntimo do coração humano talvez sejam: Porquê? Onde está Deus?
Terramotos, tsunamis e cheias fazem parte dos ritmos do nosso planeta há milhares de milhões de anos. Outros eventos, como queda de meteoros, pensa-se terem ocorrido há 65 milhões de anos atrás com 75% de extinção das espécies, em particular os dinossáurios. Estes fenómenos são contingentes, isto é, a sua ocorrência não é evidente por si mesma, nem necessária, podendo ocorrer de forma diferente. Pelo rasto de destruição que deixam e confusão que geram, designamo-los como males naturais, consequentemente com aspectos de dor, sofrimento e morte associados. No que diz respeito às extinções em massa, tais males naturais têm sido associados a acelerações na evolução da vida na terra, de tal forma que o acaso a eles associado e seu carácter incerto revela-se como oportuno e gerador de novidade. Tudo isto quer dizer que há muito, muito tempo que o mundo experimenta dores, sofre e morre, em ordem a aprender a sobreviver, a viver em comunidade e a estar aberto à novidade, respectivamente. Isto pode significar que dor, sofrimento e morte, não só fazem parte do processo evolutivo, mas podem também servir como sua força motriz. Contudo, alguns sectores culturais afirmam que se Deus é criador e se a dor, sofrimento e morte fazem parte da criação, então isso é o resultado da acção de Deus. Ao que o crente responde frequentemente “Deus permite …” ou “Deus manda …”. Será assim?
Importar salientar que a teologia afirma que Deus cria do nada por amor (creatio ex nihilo amoris, ver Coda:2003) (1). Por outro lado, da mesma forma que uma pintura é marcada nos seus traços pelo estilo do seu pintor, também podemos questionar como foi marcada a criação pelos traços do estilo do seu Criador. Se tudo no mundo está em relação com tudo, cada coisa com cada coisa, não será isso expressão de uma marca deixada por Deus-Trindade, um Deus relação e, por isso, não será esta marca a relacionalidade? Se assim for, a palavra de ordem no mundo seria: viver em reciprocidade. Logo, seguindo este raciocínio, se Deus amou e, por isso, criou, não poderíamos pensar que o mundo quis responder a esse amor e, por isso, evoluiu? Não será a evolução, metafisicamente, uma resposta de amor ao Amor de Deus? Sendo o mundo finito e limitado, não é de esperar que essa resposta fosse perfeita, daí poder-se pensar a dor, o sofrimento e a morte como imperfeições na resposta do mundo ao amor de Deus. Porém, permanece a questão: se não permite, ou manda catástrofes naturais, onde está Deus?
A resposta parece-me mais simples do que possamos pensar: Deus está com quem sofre, sente dor e morre. Deus é um Deus-connosco, próximo, logo, se há algum lugar onde Ele possa estar presente perante o drama humano que tomamos contacto, ou por vezes, que experimentamos na nossa própria vida, esse lugar é no “nosso” lugar. Deus-com. Deus-em. Se assim for, apenas faz sentido um “Deus permite” se o experimentarmos como “permite a Si mesmo” porque, acima de tudo, Ele está connosco, em nós, entre nós. Se assim for, “Deus manda” deixa de fazer sentido porque Deus não é um observador, mas Alguém que está mais próximo de nós, do que nós relativamente a nós próprios. Se tivermos estes aspectos em conta, ao vemos um carro a ser levado pelas águas com pessoas dentro, ou alguém que luta por se segurar no primeiro galho, vemos também onde está Deus, pois é Ele a fonte existencial de perante a dor, o sofrimento e a morte, continuar a viver…
Miguel Oliveira Panão, Investigador Universitário
(Nota)
Piero Coda (2003) “Creatio ex nihilo amoris. Per una lettura trinitaria del principio di creazione”, Nuova Umanità 145:55-68. (link)