O “vademecum” do evangelizador

Homilia de D. António Marto na Eucaristia de conclusão das Jornadas de Formação do Clero de Viseu Como poderíamos terminar, da melhor forma e em beleza, as nossas jornadas de formação se não subindo a montanha e recolhidos neste mosteiro de S. Cristóvão de Lafões, onde fomos convidados a contemplar e a servir o dom e a cultura da vida, na bela conferência do Prof. Walter Oswald? A ele e à sua Exma. Esposa queremos agradecer a gentil hospitalidade que hoje nos ofereceram. Como poderíamos encerrar, da melhor forma e em beleza, as nossas jornadas se não celebrando a eucaristia com Cristo na vida e no ministério, nesta Igreja de S. Cristóvão de Lafões, que é como uma mini-catedral, uma tenda de Deus sobre a montanha? Queremos agradecer também ao nosso caro amigo Pe. Luís Miguel o seu acolhimento e o seu empenho na preparação desta celebração. Durante as jornadas ouvimos muitos conferentes sobre as diversas questões dos ministérios. Agora, vamos ouvir o último e principal, Cristo, que nos convida a conferir com Ele a qualidade do nosso ministério, a espiritualidade pastoral do ministério através da Palavra proclamada. A narração do livro dos Actos pode ser considerada como um ícone da figura do evangelizador e do acto da evangelização. Filipe é um dos primeiros diáconos e evangelizadores da Igreja nascente. Na sua história, encontramos os verdadeiros recursos que cada evangelizador deve saber reconhecer e gerir sabiamente. 1.A motivação (o porquê?): “ o Anjo do Senhor disse-lhe: põe-te a caminho!”. A missão nasce da escuta de Deus: põe-te a caminho. Filipe parte e leva uma certeza: é o Senhor que o envia. Quando há sentido de missão, há disponibilidade e paixão. A motivação faz de motor, de impulso propulsor da evangelização. Desperta a vivacidade espiritual e permite superar a timidez, os medos, as resistências… 2.Os lugares (onde?): “dirige-te para o sul, pela estrada que desce de Jerusalém para Gaza, a qual se encontra deserta”. É um indicação que nos deixa estupefactos “ a estrada deserta”. Porém, o deserto é uma imagem bíblica de grande actualidade. Além do deserto exterior, indica também os desertos interiores da solidão, do abandono, do amor traído, da obscuridade de Deus nas consciências, do vazio das almas e do sem sentido… É símbolo do nosso mundo na sua secura e aridez espiritual. São estes lugares ou ocasiões existenciais o terreno em que a semente da Palavra gera a resposta da fé no ouvinte. Além disso, mostra-nos que o Evangelho não conhece barreiras, corre pelas estradas, nos lugares de trabalho, nos espaços de cultura e não só nos recintos sagrados. 3.Os destinatários (a quem?): “apareceu então um eunuco e alto funcionário de Candace” Aqui o destinatário concreto é um etíope, eunuco e ministro do tesouro da rainha de Candace. Para a mentalidade semita, o eunuco não tem futuro porque não pode ter descendência. É o símbolo da humanidade rica de bens, mas estéril, sem perspectivas de futuro, sem esperança. E todavia anda à busca de uma palavra profética que dê sentido à vida. Isto convida o evangelizador a ter em conta as necessidades e expectativas, as situações de vida, a sensibilidade e a busca dos homens de hoje. 4.Os tempos (quando?): “voltava sentado no seu carro, a ler o profeta Isaías” Filipe vai ao encontro no tempo próprio, na ocasião apropriada, captando a experiência adequada, para abrir o tempo da vida ao encontro com o Evangelho. Também nós somos chamados a adaptar as nossas iniciativas e propostas ao tempo e aos ritmos da vida da gente (família, trabalho…). 5.Os evangelizadores (quem?): “Disse o Espírito Santo a Filipe” À primeira vista diríamos que o evangelizador é Filipe. Mas o texto apresenta-nos, antes e depois da acção evangelizadora, o Espírito Santo que disse a Filipe “avança”. O primeiro evangelizador é, na verdade, o Espírito Santo: quando nós chegamos, Ele já lá está! O Espírito Santo trabalha antes de nós, depois de nós e melhor do que nós. E trabalha connosco. Quando se põe em sintonia com o Espírito de Deus, o coração do apóstolo torna-se dócil, inteligente e criativo. E nesta condição, o Espírito abre os caminhos da evangelização. 6.Modalidades e instrumentos (como?): “avança e aproxima-te do carro”. A primeira atitude do evangelizador é fazer-se próximo, entrar em relação que permite a comunicação. E não começa por pregar, mas antes por ouvir, escutar, perscrutar. É a atitude do acolhimento do outro tal qual é, na situação em que está: “ouviu-o ler a passagem do profeta”. Em seguida faz uma pergunta inteligente: Entendes o que estás a ler, a viver? É uma provocação inteligente para permitir expressar e vir ao de cima as expectativas, os anseios que estão no fundo da alma e do coração. E depois faz caminho com ele. Não se situa como espectador frio, mas envolve-se ou deixa-se envolver, entrar na situação. É a pastoral do acompanhamento. O ministério apostólico é o sacramento do caminho que nos põe lado a lado, com os homens e a fazer caminho com eles, tal como Jesus com os discípulos de Emaús. E só a partir daí brota a resposta adequada. 7.Conteúdos (o quê?): “a partir desta passagem da Escritura, anunciou-lhe Jesus”. O conteúdo da evangelização é o anúncio de Jesus e do seu Evangelho. Aí está o coração da evangelização e a sua meta, o seu vértice. Na origem da fé está o encontro com Cristo Ressuscitado e vivo que abre um horizonte novo à vida e lhe imprime um novo rumo. Por isso, o eunuco pergunta: que me impede de ser baptizado, de que eu entre no mistério de Cristo e de que Cristo entre na minha vida? E Filipe baptizou-o. A narração termina dizendo que o “Espírito do Senhor arrebatou Filipe e o eunuco seguiu o seu caminho cheio de alegria”. O evangelizador deixou-o e ele agora segue com Cristo no coração. A fé dá alegria à vida e ao caminho. A sua vida estéril torna-se fecunda; a sua vida vazia de futuro enche-se de esperança. Se observarmos bem, esta narração parece decalcada na narração dos discípulos de Emaús. O Evangelho de hoje como que completa a narração dos Actos com o aspecto eucarístico. O encontro do primeiro anúncio mantém-se vivo e fortalece-se na comunhão eucarística. Cristo é Pão e é Vida, é Pão de Vida que se dá a Si mesmo como “viático” (companheiro-alimento) para o caminho. Bendito sejas, Senhor Jesus, por tão grande mistério de amor que nos concedes partilhar na eucaristia! S.Cristovão de Lafões, 04 de Maio de 2006 +António Marto, Administrador Apostólico de Viseu

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Agência ECCLESIA

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