Nelson Vale, Diocese de Bragança-Miranda
Qual deverá ser a postura da Igreja (refiro-me a todos e a todas, dos/as consagrados/as aos/às leigos/as) face aos desafios das mudanças da sociedade contemporânea? Afinal, a ideia de que a Igreja está desatualizada e que não está a conseguir acompanhar as mudanças antropológicas-culturais está muito presente na mentalidade da sociedade atual. Mas temos de nos questionar se realmente a Igreja é incapaz de dar uma resposta aos desafios colocados pelas mudanças sociais.
Efetivamente, a Igreja não vive tempos fáceis. A humanidade atravessa uma profunda transformação, há uma grande difusão do ateísmo, existe um enfraquecimento da fé, assistimos a uma grande crise da prática religiosa institucional e temos uma Igreja sem grande credibilidade e vitalidade. Os tempos que vivemos são extremamente desafiantes e não podemos continuar a agir como se os valores de referência fossem os mesmos das gerações passadas, ignorando as grandes mudanças da atualidade. Por isso, é urgente assimilar todas estas complexas mudanças para assim, a partir delas, encontrarmos novos caminhos para a Igreja.
Para o efeito, o Papa Francisco, na exortação apostólica Evangelii Gaudium, aponta para o paradigma de uma Igreja missionária e convida-a a sair da comodidade das suas estruturas tradicionais, para anunciar o Evangelho a todos, já que Deus não deseja uma Igreja de elite, mas sim missionária, na qual cada membro se torne discípulo missionário. Portanto, o espírito de comunhão e de amor vivido entre os cristãos, a partir do Evangelho, não pode ficar retido nas estruturas eclesiais, mas tem de fluir e contagiar outros, especialmente os mais afastados. Assim, todo o cristão tem por missão levar o Evangelho o mais longe possível. (Cf. EG 113) No entanto, para que a missão seja eficaz, o anunciador deve antes trabalhar na sua conversão interior, abrindo-se ao Espírito Santo, e procurar uma boa formação, a fim de aprofundar o seu amor e dar um bom testemunho, comunicando aos outros, em todo o tempo e lugar, a alegria que é viver segundo o Evangelho. (Cf. EG 121) Seguindo o exemplo dos primeiros cristãos, que anunciaram Jesus Cristo, com alegria, coragem e perseverança. (Cf. EG 263)
Porém, para que esta comunicação seja performativa, não se pode resumir só e apenas a palavras, mas também a ações: «Jesus quer evangelizadores que anunciem a Boa Nova, não só com palavras mas sobretudo com uma vida transfigurada pela presença de Deus». (EG 259) Precisam-se anunciadores com espírito, nos quais arda o fogo do Espírito Santo. Evangelizadores que «rezam e trabalham» (EG 262), isto é, que põem os valores do Evangelho em prática, no dia-a-dia, nas várias funções que assumem na sociedade, tal como na família, no trabalho, na política, nas relações sociais e nas atividades culturais, entre outras. (Cf. EG 262)
Além de tudo isto, segundo a Evangelii Gaudium, uma paróquia verdadeiramente missionária tem de ser entendida, igualmente, como uma mãe de coração aberto, (Cf. EG 46) onde todos os seres humanos possam ser bem acolhidos e possam encontrar misericórdia, perdão, amor e ânimo para viverem a vida segundo o Evangelho. (Cf. EG 114) A paróquia deve ter as portas abertas para todos e estar ao serviço de todos, tal como afirma João Paulo II: a comunidade cristã deve ser a «casa que se abre para todos e que está ao serviço de todos, ou como gostava de dizer o Papa João XXIII, o fontanário da aldeia a que todos acorrem na sua sede».[1]
No entanto, esta deve-se prevenir, para que todos aqueles que recorram ao fontanário não o encontrem vazio. Desde logo, necessita de ter alguma coisa para oferecer aos que lhe entram pelas portas a adentro. Assim, urge a necessidade de criar espaços e propostas de descoberta da fé. Por exemplo: cursos, nos quais se trate os princípios fundamentais da fé cristã, sem exigir qualquer compromisso àqueles que vêm à procura; cursos para os «reiniciantes», dirigidos àqueles que se afastaram da Igreja e desejam novamente estabelecer diálogo. Estes têm essencialmente a finalidade de restaurar a relação com Deus, restabelecer a confiança e proporcionar um acompanhamento personalizado àqueles que regressam. Nota-se nestes sujeitos uma sede de Deus, contudo têm fracas noções de fé;[2] grupos bíblicos, onde as pessoas possam saborear a palavra de Deus, deixando-se iluminar pela mesma; cursos de preparação para o matrimónio, tendo em vista a importância da família na sociedade e na Igreja; catequese para adultos; e formação dos agentes pastorais.[3]
É considerável, ainda, o número de pessoas que ocorrem à paróquia, com desejo de receber um sacramento, sem perceberem o seu verdadeiro sentido. Perante esta situação é necessário ter atenção para não cair em extremos. Ou seja, por um lado, satisfazer o pedido, sem estabelecer qualquer condição, entrando na lógica da sociedade de consumo. Por outro lado, adotar uma atitude demasiado exigente, impondo certos critérios rigorosos no momento da preparação para o sacramento. Dessa forma, é importante encontrar um meio termo que atenda a cada pessoa em específico, uma vez que cada ser humano tem uma história e uma forma de experimentar a fé diferente. Portanto, à imagem de Jesus Cristo, compete à paróquia missionária acolher todos aqueles que vêm ao seu encontro, amá-los tal como são e caminhar ao lado deles, respeitando o seu ritmo. Por isso, é fundamental trabalhar o acolhimento de todos aqueles que vêm à procura.[4]
A hospitalidade é uma marca importante da paróquia missionária. Assim, é convidada a promover atitudes de hospitalidade em vários momentos. Desde logo, no acolhimento daqueles que se distanciaram da fé e regressam por algum motivo, tal como para batizar um filho ou então para serem padrinhos.[5] É necessário, da mesma forma, ter uma atenção especial para com as famílias enlutadas. Deste modo, a paróquia para atender a estas famílias, pode criar equipas destinadas ao acompanhamento das pessoas que estão a passar por um processo de luto, a fim de lhes proporcionar o calor da compaixão e a esperança na ressurreição.[6]
Além do mais, é essencial acompanhar os divorciados e os divorciados recasados, já que, cada vez mais, as pessoas estão a sofrer devido aos numerosos casos de separação. Desta forma, proibir estes indivíduos de participarem em alguns sacramentos talvez não seja a melhor solução, uma vez que gera sofrimento neles ao serem rejeitados pela Igreja. Além de que, esta é uma ótima oportunidade para testemunhar que a instituição eclesial os quer apoiar e fazer caminho com eles.[7]
Todos têm o direito de serem bem acolhidos na Igreja. Aliás, todos estão chamados a participar na vida da comunidade e a contribuírem para o crescimento da mesma, independentemente dos seus estados de vida, uma vez que na Igreja existe uma diversidade de missões. Por isso, o leque das responsabilidades dentro das comunidades cristãs deve ser alargado ao maior número de cristãos e não estar apenas reservado para alguns, visto que existe muito a tendência de confiar sempre as mesmas tarefas aos mesmos.[8]
Destaca-se, inclusive, a necessidade de escolher bons líderes e não centralizar todas as atividades no pároco. Cada líder deve desenvolver uma equipa e assumir a responsabilidade de uma das vertentes da pastoral, mantendo-se sempre em comunhão com as restantes pastorais. Assim sendo, deve haver um encarregado da liturgia, da administração, da catequese, da diaconia e da comunhão.[9] Outro aspeto revelante é a criação de pequenas comunidades evangelizadoras, apoiadas na oração, no serviço, no encontro e na partilha da fé.
A paróquia missionária deve procurar ser casa para os pobres, na qual se sintam como em sua própria casa. Tal como refere João Paulo II: «devemos procurar que os pobres se sintam, em cada comunidade cristã, como “em sua casa”».[10] Ela deve ser o lugar, por excelência, onde os excluídos e os esquecidos da sociedade veem reconhecida a sua dignidade como filhos de Deus.[11] Esta tem de se esforçar por ter gestos de solidariedade para com eles, à imagem de Jesus Cristo que sempre mostrou a sua preferência pelos mais desfavorecidos.
Por fim, é o momento oportuno para nos perguntarmos o que se passa na vida das nossas paróquias ou das nossas unidades pastorais: O que é que temos para oferecer aos não-crentes e às pessoas que que andam à procura de Deus? Como é que acompanhamos as pessoas? Como é que acolhemos as pessoas que nos entram pelas portas adentro? Temos o cuidado de formar as pessoas que estão empenhadas na comunidade? Como é que funcionam as nossas equipas pastorais? Como é que acolhemos e vamos ao encontro dos pobres?[12]
Siglário
EG Francisco, Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (24 de Novembro de 2013)
________
[1] João Paulo II, «Exortação apostólica pós-sinodal Christifideles Laici de sua santidade o Papa João Paulo II sobre a vocação e missão dos leigos na Igreja e no mundo», par. 27, acedido 12 de Outubro de 2022, https://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/apost_exhortations/documents/hf_jp-ii_exh_30121988_christifideles-laici.html.
[2] Cf. Marie-Agnès De Mateo e François-Xavier Amherdt, Abrir-se à fecundidade do espirito (Prior Velho: Paulinas, 2016), 170–73.
[3] Cf. António da Cruz Gonçalves, «Uma Pastoral Sensível à Iniciação Cristã dos Adultos», 101–2.
[4] Cf. De Mateo e Amherdt, Abrir-se à fecundidade do espirito, 175–77.
[5] Cf. De Mateo e Amherdt, 186–87.
[6] Cf. De Mateo e Amherdt, 200.
[7] Cf. De Mateo e Amherdt, 201.
[8] Cf. De Mateo e Amherdt, 189–90.
[9] Cf. De Mateo e Amherdt, 192–94.
[10] João Paulo II, «Carta apostólica Novo Millennio Ineunte do sumo pontifice João Paulo II ao episcopado, ao clero e aos fiéis no termo do grande jubileu do ano 2000», par. 50, acedido 18 de Outubro de 2022, https://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/apost_letters/2001/documents/hf_jp-ii_apl_20010106_novo-millennio-ineunte.html.
[11] Cf. De Mateo e Amherdt, Abrir-se à fecundidade do espirito, 195–98.
[12] Cf. De Mateo e Amherdt, 211–13.