O Nobel da Paz e a defesa da guerra

Responsáveis da CNJP comentam discurso de aceitação de Barack Obama, em Oslo

O presidente dos EUA, Barack Obama, defendeu a necessidade de, em determinadas circunstâncias, se recorrer à guerra como única forma de manter a paz, no seu discurso de aceitação do Nobel da Paz 2009.

“Dizer que a guerra é por vezes necessária não é apelar ao cinismo, é reconhecer as imperfeições do Homem e os limites da razão”, garantiu.

O novo Nobel da Paz afirmou que “onde a força é necessária, temos um interesse moral e estratégico em estarmos vinculados a certas regras de conduta. E mesmo quando enfrentamos um adversário feroz que não conhece regras, acredito que os Estados Unidos da América devem continuar a ser portadores de padrões na conduta de guerra”.

A noção de «guerra justa» evocada por Obama, motivou apreciações diferentes por parte dos responsáveis da Comissão Nacional Justiça e Paz (CNJP).

A vice-presidente daquele organismo, Joana Rigato, classificou como “fases de trevas” os momentos em que na história da Igreja “se cedeu à consideração de que a violência e a morte podem ser justificadas”. Nesses períodos, “a lógica do mundo sobrepôs-se à lógica de Deus”, sintetizou a responsável.

Em entrevista a Agência ECCLESIA, a dirigente da CNJP sublinhou que não leu o discurso do presidente dos Estados Unidos da América, pelo que desconhece o contexto em que Obama usou o conceito de “guerra justa”. Ainda assim, afirmou que essa perspectiva não lhe merece “qualquer consideração”, por não ser compatível com os valores cristãos.

Guerra Justa

Noutra passagem do discurso, Obama frisou que “não trago, hoje, uma solução definitiva para os problemas da guerra. O que eu sei é que ir ao encontro destes desafios vai exigir a mesma visão, trabalho árduo e persistência dos homens e mulheres que agiram tão corajosamente há décadas. E vai exigir que pensemos de outra maneira sobre as noções da guerra justa e dos imperativos de uma paz justa”.

O vogal da CNJP, José Dias da Silva, defende, a este respeito, que “não podemos cair no irrealismo de pensar que vivemos no Reino dos Céus, em que tudo é paz e sossego, e em que toda a gente se comporta com dignidade e de acordo com os direitos humanos”.

O autor do livro «Viver o Evangelho Servindo a Pessoa e a Sociedade – Introdução à Doutrina Social da Igreja» recordou que “João Paulo II falou do conceito de «intervenção humanitária», por exemplo a propósito das guerras na ex-Jugoslávia. Quando há massacres, pode haver situações em que tem que ser através da força que as situações se resolvem”, afirmou. Por isso, “não podemos cair na ideia de que bastam as boas palavras”.

No discurso que proferiu durante a cerimónia, Barack Obama declarou que “um movimento de não-violência não poderia ter parado os exércitos de Hitler”. Joana Rigato contrapôs a esta posição a atitude pacífica preconizada por Gandhi, que considerou ser “muito mais cristã do que qualquer opção bélica”.

“Percebo que o que eu estou a dizer pode parecer «naif», mas Jesus também parecia «naif»; e Ele não optou por uma lógica razoável aos olhos da mentalidade da época”, defendeu a responsável pelo projecto «Educar para a Cidadania».

José Dias da Silva frisou que “a guerra nunca pode ser senão a última solução para os problemas”. No entanto, o vogal da Comissão Nacional Justiça e Paz salientou que “o pecado existe, pelo que há situações que eu não me atreveria a dizer que sou absolutamente contra intervenções militares”.

“Quem está com as mãos na lama, é evidente que se suja e que se salpica”, constatou o vogal da Comissão Nacional Justiça e Paz.

“Não era aceitável que os países continuassem impávidos e serenos enquanto decorriam limpezas étnicas em Timor, na Bósnia ou no Kosovo, por exemplo”. Nesses casos – admitiu – as soluções “têm de passar pela violência”.

Neste sentido, José Dias da Silva acredita que a presença dos católicos em situações extremas pode contribuir para “ajudar ao máximo” a aplicar os valores evangélicos, “dentro do que é possível”.

Em relação ao envolvimento dos EUA no Iraque e no Afeganistão – país onde Portugal mantém uma presença militar –  Joana Rigato desejou que “Obama não ceda à lógica dos compromissos necessários”. É evidente que ele tem situações de guerra entre mãos que não pode largar de forma irresponsável”, indicou a professora de Filosofia.

A vice-presidente da CNJP espera que o presidente dos Estados Unidos “saia de forma responsável” dos conflitos em que o seu país se implicou e não defenda “que há situações justas em que se possa infligir violência sobre outros povos”.

Por seu lado, José Dias da Silva sublinhou que o conceito de «guerra justa» deve ser “clarificado” e sujeito a “discernimento”.

Partilhar:
plugins premium WordPress
Scroll to Top