O Natal do Presépio

Homilia da Missa do Dia de Natal de D. Pio Alves

1. Passo a passo, num Advento de quatro semanas e numa vida de mais ou menos anos, vimos e vamos caminhando. Desejavelmente, guiados por uma verdadeira estrela, para uma meta que o seja de verdade.

O Povo de Deus fez um caminho de séculos. Deus não se ausentou do seu caminho; os profetas mantiveram vivo, no horizonte da fé, o Messias de todas as promessas, a felicidade de um mundo novo.

O Povo, por sua vez, tropeçou, muitas vezes, nos seus deuses: feitos de barro ou de metal fundido; feitos de infidelidades, de caprichos, de pressas, de descaminhos.

Mas a misericordiosa paciência de Deus não se deu por vencida, porque não se dá nunca por vencida. “Deus, que tinha posto as suas esperanças no homem feito à sua imagem e semelhança, diz o Papa Francisco, aguardava pacientemente. Deus esperava. Esperou durante tanto tempo, que talvez num certo momento tivesse tido que renunciar. Pelo contrário, não podia renunciar, não podia negar-se a si mesmo (cf 2Tim 2, 13). Por isso continuou à espera” (Natal, 24.12.2014). E cumpriu todas as promessas. Mas com um excesso tal que o Seu tempo e os Seus modos não cabiam nos estreitos prognósticos humanos. E, por isso, como recorda S. João (1, 1-11), “veio para o que era seu e os seus não O receberam”. Ou, dito para a história de sempre, vem para o que é Seu e os seus não O recebem.

A radical novidade da Encarnação do Verbo de Deus transformou a História. O Cristianismo impregnou a cultura. Mas, como sempre, continuamos a tropeçar nos nossos deuses. E perdida ou esquecida a raiz da perene Novidade de Deus, corremos o risco de deixar que a cultura dilua a essência do Cristianismo. Fazemos a festa e esquecemos o santo! Como se, convidados a um almoço de aniversário, ignorássemos o aniversariante. Mas, sem pessimismos, aproveitemos o que há: ainda temos a festa! E, no coração de muita gente, ainda se assume com alegria que o aniversariante é Jesus Cristo.

A este propósito, há dias (17 de dezembro), o Papa Francisco, na Praça de S. Pedro, pedia: “Quando rezardes em casa, diante do presépio com os vossos familiares, deixai-vos atrair pela ternura do Menino Jesus, nascido pobre e frágil no meio de nós, para dar-nos o seu amor: este é o verdadeiro Natal. Se tirarmos Jesus, o que é que fica do Natal? Uma festa vazia”.

 

2. Ouvimos há momentos, da Carta aos Hebreus (1, 1-6), que “muitas vezes e de muitos modos falou Deus antigamente aos nossos pais, pelos Profetas. Nestes dias, que são os últimos, falou-nos por seu Filho”.

Como antigamente, fala-nos muitas vezes e de muitos modos. O nascimento de Jesus, na aparente ingenuidade das suas representações em presépios, é um magnífico modo. Condensam leituras cumulativas do povo, crente no mistério central da fé cristã. Está aí a criação, na sua interminável variedade, tendo como centro um Deus feito Menino; está aí a pobreza dos pastores, enriquecida de ternura, e a generosidade improvável de quem vem das periferias; há caminhos, que se adivinham sinuosos e difíceis, mas têm uma meta clara, a gruta; abunda a luz que dissipa as trevas e vence as noites; e, mesmo que algo falhe, não falta a estrela. Em resumo, um mundo variado, o nosso mundo: com gentes diferentes, com dificuldades, com caminhos, com luz. O centro, a estrela, é Ele: o Deus que, sem fingimento, é um de nós. Que se afirma pela pobreza, pela ternura, pela inefável proximidade.

 

3. “Foi da sua plenitude que todos nós recebemos, graça sobre graça. (…) a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo”, diz-nos S. João.

Enriquecidos do Dom por excelência, sempre inesperado, envolvidos pela luz do presépio, temos as melhores condições para fazer a leitura da nossa vida, no mundo que é o nosso, e de olhar, sem medo, para o futuro.

Oferecemos as alegrias e as tristezas deste ano que caminha para o fim; lembramos, diante da misericórdia de Deus, os familiares, amigos e conhecidos que o Senhor chamou a Si; evocamos a grata memória do Senhor D. António Francisco e damos graças a Deus pelo exemplo de dedicação a todos, particularmente aos doentes e desprotegidos; recordamos as vítimas dos trágicos incêndios deste verão: os mortos e os que choram os seus mortos e a perda dos seus haveres; pedimos pelos pobres, pelos sós, pelos esquecidos da família e da sociedade.

De um modo muito particular pedimos a paz para a terra natal de Nosso Senhor Jesus Cristo. “Que prevaleçam a sabedoria e a prudência, para evitar acrescentar novos elementos de tensão num panorama mundial já convulsivo e marcado por tantos conflitos cruéis”, pediu há dias o Papa Francisco; que as pedras se transformem em pão (cf Mt 4, 3); que a insensatez dê lugar à capacidade de um diálogo que conduza à paz, que só o será se percorrer o caminho do respeito pela dignidade de todos. Como ouvíamos do profeta Isaías (52, 7): “como são belos sobre os montes os pés do mensageiro que anuncia a paz”.

O Menino do Presépio, diz o Papa Francisco (Santa Marta, 14 de dezembro de 2017) “é o Deus grande que se faz pequeno e na sua pequenez não deixa de ser grande. O Natal ajuda-nos a entender isso: na manjedoura, está o Deus pequeno. Com a sua ternura aproxima-se de nós e nos salva”.

 

Sé do Porto, 25 de dezembro de 2017

+Pio Alves, Bispo Auxiliar do Porto

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